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O que dizer quando um experimento contra Alzheimer dá errado

27 ago 2010 - 18h49
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Dr. Joel Ross, fundador e presidente do Memory Enhancement Centers, em New Jersey, passa a vida alistando participantes em experimentos clínicos que estejam testando medicamentos para o mal de Alzheimer, entre outras doenças.

Assim, quando a gigante farmacêutica Eli Lilly anunciou, na última semana, que seu promissor medicamento contra Alzheimer estava causando a piora dos pacientes e iria interromper dois grandes experimentos clínicos, era provável que Ross fosse receber algum contato dos familiares de seus pacientes. "Será que os outros remédios experimentais para Alzheimer são seguros?", eles poderiam perguntar. Eles deveriam retirar seus familiares daqueles estudos de Alzheimer?

Ninguém ligou. E Ross não sabe ao certo por quê.

Se um estudo de um medicamento experimental para câncer de mama fosse interrompido porque estivesse fazendo o câncer crescer e se espalhar, as mulheres de outros estudos similares seguramente ligariam para seus médicos e perguntariam o que fazer.

O Alzheimer é diferente.

"Isso pode refletir o incrível desespero em torno do mal de Alzheimer", disse Baruch Brody, diretor do Center for Medical Ethics and Health Policy, da Faculdade de Medicina Baylor.

Não existe tratamento ou prevenção contra o Alzheimer. É uma das grandes causas de morte, destruindo pacientes e suas famílias.

"Possivelmente, o enfermeiro ou familiar responsável pelo paciente está tão sobrecarregado que não tem muito tempo para ouvir as notícias ou ler um jornal", disse Ross.

Independente do motivo, o silêncio dos familiares das pessoas com Alzheimer levantam uma questão ética. Será que agora as famílias precisam de proteções ou advertências adicionais a respeito da experiência com a Lilly, na próxima vez em que inscreverem pacientes para estudos?

Não existem respostas fáceis, dizem éticos e empresas farmacêuticas, em parte porque não se sabe o que deu errado com o remédio da Lilly.

Quando os pacientes entram em estudos ou, no caso de pacientes com Alzheimer, quando os médicos os inscrevem para estudos, eles ou seus responsáveis assinam um documento de consentimento informado. Os formulários são revisados por painéis de ética conhecidos como quadros institucionais de revisão.

Quando o governo federal conduz estudos, os formulários de consentimento são tornados públicos. Companhias farmacêuticas, porém, geralmente insistem que seus formulários sejam confidenciais. Os pesquisadores conduzindo estudos para empresas e quadros institucionais de revisão precisam concordar em não distribuir os formulários.

Cada formulário contém uma afirmação advertindo os pacientes de que um medicamento pode não ajudar, disse Angela Bowen, da Western Institutional Review Board, um grupo privado que faz revisões éticas de pesquisas com participantes humanos, incluindo estudos de remédios para Alzheimer. Os formulários afirmam que um experimento clínico foca em ajudar futuros pacientes. Não é um tratamento para uma doença.

Os formulários também dizem ?pode haver efeitos colaterais ainda desconhecidos neste momento?, e ?sua condição pode não melhorar, ou pode piorar durante este estudo?.

Muitas vezes é difícil assimilar essas ideias, disse o Dr. John Ennever, vice-presidente da Western para questões médicas.

?Nós sabemos que remédios podem causar efeitos colaterais e que algumas vezes eles não funcionam, mas não achamos que eles possam tornar as condições piores?, disse ele. ?Estamos lidando com seres humanos, que têm esperanças e aspirações. Toda a ideia da pesquisa é um conceito complicado. Nós todos esquecemos que, se soubéssemos a resposta, não estaríamos fazendo a pesquisa?.

O medicamento da Lilly neutralizava uma enzima necessária para a produção de uma proteína, a beta amiloide, que se acumula em placas no cérebro de pessoas com Alzheimer. Outras empresas estão testando remédios diferentes que neutralizam essa enzima, chamada "gama secretase".

Pesquisadores de outras empresas, como Elan e Bristol-Myers Squibb, afirmaram que o remédio da Lilly, um dos primeiros inibidores da gama secretase, levou uma "marreta" à enzima. Como resultado, ele provavelmente afetou níveis de muitas outras proteínas ao lado da beta amiloide. Eles dizem que os inibidores de gama secretase em desenvolvimento hoje são mais seletivos, e podem ser muito mais seguros.

A Elan é uma das empresas com um inibidor de nova geração da gama secretase, e seu diretor científico, o Dr. Dale Schenk, disse não considerar necessário enfatizar o resultado do estudo da Lilly às pessoas tomando o remédio de sua companhia.

?Para sermos justos, este foi o primeiro remédio anti-amiloide que demonstrou um efeito negativo?, disse Schenk. ?Não estou preocupado com a classe?.

Ted Yanock, chefe de pesquisa global da Elan, concorda. Dizer às pessoas que estão tomando o remédio da Elan sobre o resultado da Lilly ?seria quase enganador?, afirmou ele.

Schenk disse estar esperando mais detalhes da Lilly. Por exemplo, disse ele, pacientes tomando o medicamento poderiam piorar sua pontuação na escala de declínio cognitivo caso o remédio os fizesse se sentir doentes. Pacientes de Alzheimer que não se sentem bem ficam com pontuação baixa em "atividades da vida diária", o que pode diminuir sua nota cognitiva geral. E o remédio da Lilly, que pode ter alterado uma ampla variedade de proteínas do corpo, pode ter feito as pessoas se sentirem doentes.

Alguns pesquisadores de Alzheimer não são tão confiantes. Eles dizem ainda ser possível que até mesmo esses medicamentos mais seletivos agravem os sintomas do Alzheimer ou, como o remédio da Lilly, agravem os sintomas e aumentem o risco de câncer de pele.

Há também um grupo diferente de tratamentos experimentais de Alzheimer, que usa anticorpos para atacar a placa amiloide. Com esses remédios, segundo o Dr. Jason Karlawish, professor de medicina e ética da Universidade de Pensilvânia, o resultado da Lilly pode não ser tão importante.

Os tratamentos com anticorpos são nitidamente diferentes dos inibidores de gama secretase. Avisar sobre o remédio da Lilly seria como avisar alguém tomando um antibiótico sobre os efeitos colaterais encontrados num antibiótico completamente diferente.

Para os inibidores de gama secretase, afirmou Karlawish, "você precisa discutir se essa informação deve ser compartilhada".

O Dr. Paul Aisen, da Universidade da Califórnia, concorda. Aisen dirige o Estudo Cooperativo do Mal de Alzheimer, um programa financiado pelo Instituto Nacional do Envelhecimento para conduzir experimentos clínicos de tratamentos para o Alzheimer. Ele disse que tudo o que havia ouvido até agora sobre o estudo de Lilly era o que a empresa afirmara num comunicado à imprensa, e que "os detalhes são importantes".

Porém, disse ele, "com base nos conteúdos do comunicado à imprensa, eu diria que tanto o risco de câncer de pele quanto o risco de maior declínio cognitivo deveriam ser adicionados aos formulários de consentimento para os inibidores de gama secretase".

A maioria dos pacientes entrando em experimentos clínicos acredita estar recebendo um novo tratamento que pode beneficiá-los, disse Brody. Os éticos chamam isso de "falácia terapêutica", disse ele, acrescentando, "Ninguém nunca deve presumir isso num experimento clínico".

"Existem certas condições clínicas, como o Alzheimer, onde as pessoas ficam bastante desesperadas", afirmou Brody. "Os pacientes dizem, 'O que eu tenho a perder' Veja o que estou enfrentando?".

E assim, segundo ele, o resultado da Lilly deve servir como advertência - não importa o quão promissor pareça um tratamento experimental, ele pode terminar sendo pior que um placebo.

"As empresas, e principalmente os quadros institucionais de revisão, precisam levar isso ao coração", disse Brody. ?Eles precisam se certificar de que os formulários digam: "Você pode não se beneficiar, ou pode ficar ainda pior?". E, segundo ele, esse aviso deveria ser destacado, "não simplesmente uma nota lateral".

© 2010 New York Times News Service

The New York Times
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