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Europa

Julgamento de nazista há 50 anos ajudou a unificar Israel

12 abr 2011 - 05h45
(atualizado às 07h50)
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Gavin Esler
Da BBC Brasil

O julgamento, há 50 anos, do nazista Adolf Eichmann por crimes de guerra ajudou a consolidar o jovem Estado de Israel ao permitir que o povo judeu falasse abertamente sobre o Holocausto.

"Para os judeus", disse o historiador israelense Tom Segev, "sempre houve dois Adolfs". Adolf Hitler se suicidou nas ruínas do seu abrigo subterrâneo em Berlim, mas o outro Adolf, o tenente-coronel Eichmann, tido como o arquiteto do Holocausto, fugiu para a Argentina.

Há 50 anos, na manhã do dia 11 de abril de 1961, o "segundo Adolf" enfrentou a Justiça em um tribunal em Jerusalém. O julgamento ajudou a criar o moderno Estado de Israel e tem profundas implicações para o mundo hoje.

"Quando me apresento diante de vocês", disse ao tribunal, na ocasião, o chefe da promotoria, Gideon Hausner, "não estou só. Comigo, nesse momento, estão seis milhões de promotores".

James Bond
Os presentes ouviram que Eichmann tinha tido um papel central na organização dos campos de concentração onde milhões morreram.

Ao saber, pelo promotor da Alemanha Ocidental Fritz Bauer, que Eichmann vivia na Argentina, o Mossad, polícia secreta de Israel, organizou, em 1960, um sequestro do acusado em estilo digno dos filmes de James Bond.

O homem que chefiava a equipe do Mossad encarregada da tarefa, Rafi Eitan, hoje tem mais de 80 anos. Falando à BBC, Eitan disse que Eichmann foi levado de Buenos Aires a um local secreto em Israel, onde foi interrogado por vários meses.

"Ele era um tipo comum", disse Eitan. Um interrogador da polícia israelense na época, Michael Goldman Gilad, também com idade em torno de 80 anos, disse que Eichmann era um coitado, um João Ninguém.

Momento Unificador
Enquanto corria o julgamento, por trás da cena, nos bastidores, o então primeiro-ministro de Israel, David Ben Gurion, armava uma importante jogada política.

Ele sabia que, se o julgamento fosse abordado da forma correta, poderia se transformar em um evento unificador para o jovem Estado de Israel, que ele tentava construir com imigrantes judeus vindos de todo o mundo - pessoas que falavam línguas diferentes e que, às vezes, pareciam ter pouco em comum.

Em 1961, não havia televisão em Israel, mas a nação ouvia as audiências por meio de transmissões de rádio. Enquanto isso, no resto do mundo, milhões assistiam ao julgamento pela TV.

Dia após dia, ouvia-se relatos de sobreviventes que falavam abertamente, com frequência pela primeira vez, sobre os horrores que tinham vivido.

"Até 1960, o Holocausto era tabu. Os pais não contavam aos filhos. Os filhos não ousavam perguntar. O julgamento abriu a ferida", disse o historiador Tom Segev.

O interrogador Goldman Gilad sobreviveu a Auschwitz, mas seus pais e irmã foram mortos. Quando foi para Israel depois da guerra, Gilad, como muitos outros sobreviventes, não falou sobre o que tinha visto nem à família e amigos, porque outros israelenses "não acreditavam em nós".

"Era impossível acreditar, porque era tão horrível. Mas o julgamento de Eichmann abriu nossas bocas novamente". Segundo Segev, Ben Gurion queria que todos reconhecessem que "o que quer que o mundo deve a essas vítimas, deve hoje a Israel".

Vingança
Eichmann foi declarado culpado no dia 11 de dezembro de 1961 e foi executado no dia 30 de maio de 1962.

Michael Goldman Gilad estava lá.

Ele se lembrava de que, em Auschwitz, Eichmann havia exigido que todo judeu fosse morto porque qualquer sobrevivente poderia, um dia, buscar vingança. "Bem, ele estava certo", disse o interrogador á BBC.

Após a execução, Gilad recebeu ordens de supervisionar a queima do corpo e a atirada das cinzas no mar - para que não houvesse uma tumba ou local que pudesse se tornar foco da atenção de neo-nazistas.

Gilad disse que as cinzas de Eichmann foram suficientes apenas para encher um recipiente de dois litros. Ele ficou chocado porque, nos campos de concentração, uma de suas tarefas era espalhar cinzas dos crematórios sobre o gelo e a neve para que os oficiais nazistas não escorregassem.

Os restos dos mortos tinham formado "uma grande montanha de cinzas", muito mais do que os punhados provenientes do corpo de Eichmann, explicou.

Meio século mais tarde, a maldade de Eichmann elude explicações. Mas seu legado é claro. Se um dia foi considerado assunto doloroso demais para ser mencionado, o Holocausto é hoje matéria compulsória em escolas israelenses.

Em cada dez estudantes da escola secundária em Israel, oito descrevem a si próprios como "sobreviventes do Holocausto". Os 50 anos do julgamento de Eichmann oferecem também uma oportunidade para que se discuta, em Israel, se as sombras do passado não estariam dificultando, ao país, alcançar a paz no presente e a prosperidade futura.

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