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África

Revolta popular no Egito pode pôr fim ao assédio às mulheres

12 fev 2011 - 06h03
(atualizado às 08h00)
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A revolta popular no Egito não está apenas impulsionando mudanças há três semanas no plano político do país, mas também nas ruas, onde "milagrosamente" o assédio sexual às mulheres diminuiu, ou pelo menos é o que parece. O local onde isso é mais evidente é na praça Tahrir, no Cairo, símbolo dos protestos antigovernamentais e onde homens e mulheres compartilham o espaço para manifestar-se, comer, dormir e rezar, sem que elas sofram assédio verbal ou toques indesejados.

Com um carrinho de bebê, mulher passa em frente a um caminhão queimado durante os protestos para derrubar Mubarak
Com um carrinho de bebê, mulher passa em frente a um caminhão queimado durante os protestos para derrubar Mubarak
Foto: AP

É o que confirma a estudante Maram Mahmoud, de 23 anos, uma das voluntárias que controlam os acessos a Tahrir para ter a certeza de que ninguém introduzirá armas na praça e também para evitar distúrbios. "Certamente não há assédio sexual", avaliou entusiasmada Naram, que usa o véu muçulmano, enquanto explica sentada no meio-fio de uma calçada. A jovem disse que nas últimas semanas uma multidão de egípcios participou das manifestações na praça e que "ninguém incomodou ninguém. Aqui o povo é mais responsável, é um paraíso". "E se há alguma pessoa que faz algo errado, sempre haverá alguém para lhe dizer que está equivocada", destacou maravilhada Naram, em referência à permissividade e indolência que muitas mulheres encontravam quando eram assediadas antes dos protestos populares.

Quem tem a mesma opinião é a dona de casa Yasmín T., que não quis dar seu nome completo e que foi à praça Tahrir acompanhada de seus filhos e várias amigas. "Os homens protegem as mulheres. O país está unido pela mesma razão. Os homens já não pensam no assédio, todos pensam na política", observou Yasmín. Para a dona de casa, o assédio sexual provinha da frustração dos egípcios com o futuro, mas agora "há esperança e otimismo, todo o mundo no Egito está mudando".

Apesar de a praça Tahrir ter se transformado em uma zona livre de assédio, um passeio por seus arredores e por outros bairros mostra que, embora este fenômeno tenha diminuído, ainda pode se observar algum homem assobiando para uma mulher ou chamando-a de "ishta", um dos apelativos mais comuns e que pode ser ofensivo dependendo do tom empregado. Nesse sentido, Naram reconheceu que "ainda há muito caminho por percorrer". "Digamos que o Egito não é o paraíso e que há muitas coisas que mudar", disse a estudante, que mesmo assim expressou sua esperança em que a revolta sirva para que as crianças de hoje tenham novas atitudes com relação às mulheres de amanhã.

Sobre o futuro, a escritora e feminista Nawal el Saadawi, de 79 anos, disse que "os revolucionários estão trabalhando para mudar a Constituição e ter um Estado laico, uma Carta Magna na qual homens e mulheres sejam iguais". Segundo sua opinião, o regime de Hosni Mubarak usou a religião e o assédio às mulheres para dividir e ameaçar os cidadãos. "Esta revolução é como um sonho", afirmou Nawal, para quem "em Tahrir não houve um só caso de assédio sexual contra mulheres desde o último dia 25", data na qual começaram os protestos.

Mais cauteloso sobre o futuro está o analista político e blogueiro Issandr al Amrani, que vê a ausência de assédio sexual na praça como "algo excepcional". O analista lembrou que antes do levante popular existia o sentimento generalizado de que o regime de Mubarak estava se perpetuando com a violência e de que havia corrupção em todas as partes. Para Amrani, "essa quebra moral do regime se refletia na sociedade egípcia", onde se aceitava o assédio sexual como algo normal e havia o aumento da intolerância religiosa e um pessimismo geral.

Em sua opinião, não está descartado que a revolta acabe com o assédio, porque, "embora no Egito não haja uma revolução política que tenha feito cair o regime de Mubarak, houve uma revolução na mentalidade, uma revolução sobre a maneira como os egípcios veem si mesmos". Tragam ou não o desaparecimento do assédio nas ruas do país, o certo é que os eventos dos últimos dias representam uma reviravolta na mentalidade dos egípcios. No mais, é como indicou recentemente o escritor Alaa al Aswany em um encontro com jornalistas, "a revolução torna as pessoas melhores".

Após 18 dias de protestos, Mubarak renuncia
Começou no dia 25 de janeiro - uma data que ganhou um caráter histórico, principalmente na internet, com o uso da hashtag #Jan25 no Twitter. Naquela terça-feira, os egípcios começaram uma jornada que durou 18 dias e derrubou o presidente Hosni Mubarak. Naquele momento, o líder que estava no poder há 30 anos ainda tinha poderes. No dia 28, ele cortou o acesso à internet e declarou toque de recolher. As medidas foram ignoradas pela população, mas Mubarak disse que não iria renunciar. Em pronunciamento, disse apenas que buscaria "reformas democráticas" para responder aos anseios da população.

No dia 29, uma nova administração foi anunciada. A medida, mais uma vez, não surtiu efeito, e os protestos continuaram. A repressão continuou, e Mubarak colocou a polícia antimotins nas ruas novamente. Nada adiantava. A população aderia em número cada vez maior às manifestações, e a oposição começava a se movimentar. A nova cartada do líder de 82 anos foi anunciar que não participaria das próximas eleições. Mais uma vez sem sucesso. No dia 2 de fevereiro, manifestantes pró e contra Mubarak travaram uma batalha campal na praça Tahrir com pedras, paus, facas e barras de ferro. Depois, houve perseguição a jornalistas.

Os dias subsequentes foram de diálogo e protestos pacíficos. No 17º dia de protestos, centenas de milhares receberam no centro do Cairo a notícia de que o líder poderia, finalmente, renunciar. O esperado pronunciamento se transformou em um balde de água fria quando Mubarak disse que não renunciaria, apesar de passar alguns poderes ao vice, Omar Suleiman. A fúria tomou conta da praça Tahrir, e ninguém levantou acampamento. Por fim, no final da tarde da sexta-feira, dia 11 de fevereiro, Suleiman, em um rápido pronunciamento na TV estatal, informou que Mubarak renunciava, abrindo um novo capítulo na história do Egito.

EFE   
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