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África

Sobrevivente de sequestro no deserto conta história de torturas

Refugiado da Eritreia sofre sete meses de tortura por beduínos egípcios até sua família juntar dinheiro do resgate

21 mai 2013 - 06h22
(atualizado às 07h38)
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<p>Philemon Semere ainda carrega as marcas de seu período em cativeiro</p>
Philemon Semere ainda carrega as marcas de seu período em cativeiro
Foto: BBC News Brasil

Depois de sofrer sete meses de surras, queimaduras, choques elétricos e ameaças de morte, um refugiado da Eritreia foi finalmente libertado por seus sequestradores no deserto do Sinai, no Egito. Com o corpo coberto de cicatrizes, sofrendo de problemas respiratórios e ferimentos ósseos, Philemon Semere, hoje no Cairo, descreveu à BBC a sensação de estar finalmente em liberdade.

"Palavras não são suficientes para expressar quão bem me sinto agora. Estou tão aliviado após tudo o que passei. A morte estava tão perto de mim e por um momento toda a esperança se foi".

É difícil acreditar que este é o homem cuja história terrível foi manchete na Grã-Bretanha e vários países do mundo há alguns meses. Durante uma entrevista telefônica para a BBC em novembro do ano passado, petrificado de medo, Philemon balbuciou, em inglês precário: "Não tenho comida nem água suficiente. Me batem com paus, me queimam com fogo e eletricidade. Meu corpo está queimando. Por favor me ajude, por favor me ajude".

Os beduínos que o sequestraram forçaram-no a fazer chamadas telefônicas frequentes à família, dizendo que ele seria morto se não pagassem o resgate de US$ 33 mil. Com a permissão da família de Philemon, a BBC telefonou várias vezes - e sem sucesso - para o número de onde ele havia telefonado. Até que, finalmente, alguém atendeu.

Frieza e escárnio

Uma pessoa que não se identificou quis saber quem estava chamando e por quê. Após a resposta, houve um longo silêncio. Então Philemon pegou o telefone. Chorando, ele disse que sua família não podia pagar o imenso resgate e que temia ser morto em breve.

De repente, um outro homem pegou o telefone. Sua voz era fria e cheia de desprezo. "Se ele não tiver nenhum dinheiro, vou matar Philemon".

A reportagem perguntou ao homem - que mais tarde me disse ser o líder da gangue de sequestradores - se ele tinha matado outras vítimas por não haverem pago os resgates. Ele pareceu deliciado com a pergunta. "Matei muitas pessoas aqui". As evidências parecem confirmar isso.

Implorando por dinheiro

A ONU calcula que, em média, 3 mil eritreus fugiram para o leste do Sudão a cada mês no ano passado. Durante o percurso, muitos foram sequestrados, torturados e mortos por gangues de beduínos que praticam o tráfico de pessoas. Seus corpos são com frequência jogados no deserto do Sinai, península montanhosa e desértica do Egito.

Philemon contou que ele e um grande número de eritreus haviam sido aprisionados por sequestradores logo depois de cruzarem a fronteira do Sudão. No entanto, eles tinham conseguido fugir para o deserto. Morrendo de sede, tiveram de beber sua própria urina para sobreviver a quatro dias de calor intenso. Conseguiram, no entanto, chegar a uma pequena cidade, onde pediram ajuda.

Porém, em vez de ajudá-los, os moradores do vilarejo chamaram os sequestradores. Dentro de horas, acorrentados e amarrados, os refugiados foram jogados dentro de um caminhão e levados para o norte do Sinai.

"Quando chegamos lá, ficamos surpresos, porque a casa para onde nos levaram era bem bonita. Mas minutos depois, fizeram com que deitássemos no chão e disseram que morreríamos a não ser que nossas famílias pagassem US$ 33 mil", ele explicou.

Nos dias e meses que se seguiram, Philemon e outros 19 reféns eritreus foram obrigados a telefonar várias vezes para suas famílias e implorar para que conseguissem dinheiro para pagar seus resgates.

"Ela ouviu meus gritos"

Os sequestradores sabem que muitos eritreus têm parentes que trabalham em países ocidentais e podem apelar a eles por ajuda. Assim que os reféns recebiam os telefones, começavam as surras, as queimaduras e os choques elétricos. "Queriam que nossos parentes nos ouvissem gritar e chorar de dor. Assim, havia mais chance de que pagassem o resgate", explicou Philemon.

Ele descreveu o que aconteceu na primeira vez que telefonou para sua mãe. "Ela ouviu meus gritos e não conseguia parar de chorar. Eu também estava chorando. Nós dois choramos e choramos até que não sobraram mais lágrimas".

Philemon disse que nos primeiros dias após o telefonema da BBC foi mais bem tratado por seus algozes. Mas os espancamentos e a tortura logo recomeçaram. Apenas 11 do grupo de 20 reféns capturados sobreviveram àqueles sete meses de cativeiro.

"Havia morte todos os dias, bem diante dos meus olhos. O sequestrador que falou com você não estava mentindo. Ele matou muitas pessoas e ainda está matando muitas pessoas."

Os sequestradores finalmente concordaram em libertar Philemon após aceitarem que os US$ 13,2 mil que sua família - agora na penúria - havia pago eram tudo o que eles podiam oferecer.

Mas voltaram atrás e pediram que ele e outros dois reféns aprisionados junto com ele pagassem  US$ 10 mil adicionais. Várias semanas mais tarde, o dinheiro foi pago e os homens libertados.

Futuro incerto

Philemon seguiu para o Cairo, onde vivem outras centenas de vítimas de sequestros. Até o momento, no entanto, sua busca por uma vida melhor trouxe apenas horrores e deixou sua família ainda mais pobre.

E seu futuro é incerto. Ele não sabe se receberá permissão para trabalhar de forma a poder devolver parte do dinheiro. E também não sabe se receberá asilo político para poder viver no Egito. "Deus me tirou da mais profunda escuridão e somente ele sabe o que me espera agora".

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