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Mundo

Reforço de leis e invasão do privado: a Europa se protege do terror

4 set 2011 - 18h27
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Lúcia Müzell
Direto de Paris

Sorria, você está sendo está filmado, escutado, vigiado. Desde os atentados do 11/9, a vida dos europeus se transformou em um acompanhamento constante das atividades não apenas nas ruas, pelos olhos eletrônicos de câmeras de segurança instaladas por tudo, mas principalmente nos meios eletrônicos, onde a privacidade pode simplesmente desaparecer. Além disso, medidas nacionais polêmicas, como a proibição da burqa na França ou o direito de prender qualquer pessoa sem explicações no Reino Unido, se unem às tentativas de evitar novas ameaças, a exemplo dos atentados que abalaram a Espanha, em 2004, e a Inglaterra, em 2005.

Policiais fazem revista em estação de Paris, em 2010
Policiais fazem revista em estação de Paris, em 2010
Foto: Getty Images

Ao longo dos anos pós-11 de setembro, os principais países visados pelos extremistas na Europa modernizaram suas leis antiterrorismo, baseadas no monitoramento intensivo das pessoas. Câmeras públicas de segurança estão por todos os lados em metrópoles como Londres e Paris. Sob a permissão legal, os serviços policiais acompanham de perto os participantes de fóruns de discussão ou visitantes de sites considerados suspeitos. Por exemplo, é possível que a reportagem Terra tenha atraído a atenção dos serviços antiterrorismo franceses ao fazer pesquisas sobre o assunto para esta reportagem.

Uma vez identificada a atividade suspeita, as pessoas envolvidas têm a vida vasculhada: emails, ligações, mensagens e deslocamentos na cidade ou país são alvo de monitoramento policial constante. Um investigador francês ou britânico tem o direito de parar um trem para prender um suspeito ou pode obrigar as companhias telefônicas, bancárias e de transporte a darem detalhes sobre as atividades e movimentações de alguém que está sendo monitorado por planejamento terrorista. Além disso, a própria população é convidada a contribuir, denunciando pessoas com comportamentos estranhos, sem falar da instalação de uma nova geração de aparelhos de raio-x nos aeroportos, capazes de revelar os detalhes do corpo dos passageiros.

As autoridades atribuem a estes métodos o fato de que novos ataques de grandes proporções não terem voltado a ocorrer, e a cada ano prendem cerca de 200 pessoas sob suspeição de organizarem atentados em solo europeu. Mas, se a segurança aumentou, os abusos também aborrecem os serviços de proteção à vida privada da população.

A Anistia Internacional já advertiu o Reino Unido repetidas vezes sobre os exageros cometidos em nome da luta contra o terrorismo, do qual o maio símbolo foi a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, ocorrida em 2005. Para a organização internacional, a liberdade de a polícia fazer o que bem entende em nome da proteção contra os extremistas - inclusive o poder de despir um suspeito em público, se julgar necessário - fere os direitos dos cidadãos comuns. Na Grã-Bretanha, qualquer pessoa pode ser presa sem receber explicações. Também a Espanha já foi alvo de repreensão da AI, por exagerar nos métodos interrogatórios de presos preventivamente.

"As medidas aplicadas nos termos da lei relativa à prevenção do terrorismo no Reino Unido criaram uma justiça paralela, desigual e secreta para as pessoas suspeitas de atividades ligadas ao terrorismo", declarou a diretora do programa Europa da Anistia Internacional, Nicola Duckworth, no último 10 de agosto, quando pediu mais uma vez que o país alivie as leis de prevenção ao terrorismo.

UE sem lei comum

Na contramão, países como Alemanha, Itália e Holanda são reticentes em adotar medidas semelhantes e não ratificaram, por exemplo, a Convenção Europeia de Prevenção ao Terrorismo, formulada em 2006 no Conselho Europeu. O texto prevê regras bastante vagas sobre até onde as autoridades podem invadir a vida privada da população em nome da proteção contra o terrorismo. Também determina que as informações telefônicas e na internet trocadas pelas pessoas sejam preservadas por no mínimo seis meses e por até dois anos, o que fere as leis nacionais alemãs.

Sem consenso, a União Europeia não possui uma política comum de prevenção a ataques, embora trabalhe de forma integrada no combate ao problema, com o compartilhamento de arquivos e informações sobre grupos e pessoas suspeitas. Porém, os ataques cometidos por um extremista de direita na Noruega, em julho, reascenderam a polêmica e estes países menos rigorosos, como os nórdicos, estudam modificações legislativas para elevar a segurança.

Já França e Bélgica alargaram as formas de monitoramento de ações terroristas ao adotarem leis proibindo o uso da burca, o véu integral islâmico, e do niqab, o que deixa apenas os olhos à mostra. Por trás de argumentos de respeito à laicidade - que interdita símbolos externos de religiosidade - e de defesa dos direitos das mulheres, encontra-se também a preocupação com ataques.

"Hoje a ameaça terrorista é menor, mas está sempre presente. No entanto, a abordagem de uma 'guerra contra o terrorismo' se mostrou ineficaz e muito impopular, especialmente por causar uma estigmatização das populações muçulmanas. Seria mais correto simplesmente se falar de luta contra o crime", avalia o doutor em Direito e em Ciências Políticas francês Jean-François Daguzan, do think tank Fundação pela Pesquisa Estratégica e da Universidade Panthéon-Assas, além de consultor do Ministério da Defesa da França para as questões de terrorismo e relações estratégicas com os países mediterrâneos e do Oriente Médio.

O especialista, autor de 10 obras sobre o assunto, identifica algumas pistas que, na opinião de Daguzan, deveriam ser os focos das autoridades europeias daqui para a frente. "Na prevenção do terrorismo, acho que o trabalho de 'desradicalização' deveria ser intensificado ao invés da pura repressão. Também os esforços de cooperação transatlântica, principalmente com os países em desenvolvimento, pode acrescentar muito à segurança de todos."

Fonte: Especial para Terra
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