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Professor: automação extrema de aviões pode levar a acidentes

1 jul 2009 - 12h42
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Fabiana Leal

Direto de Porto Alegre

Acidentes como a quedas da aeronave da Yemenia Air no Oceano Índico, na noite dessa segunda-feira (horário do Brasil), do voo 447 da Air France no Oceano Atlântico, em 30 de junho, e o desastre do voo 3054 da TAM em julho 2007, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, podem decorrer de uma característica específica dos aparelhos da Airbus, segundo o professor de Ciências Aeronáuticas da PUC-RS Hildebrando Hoffmann.

Segundo o engenheiro especializado em aviônicos (área que inclui eletrônica embarcada, sistemas de navegação, de controle automático de voo e comunicações), os pilotos têm mais dificuldade para operar manualmente um Airbus do que um Boeing ou avião da Embraer, por exemplo.

Conforme Hoffmann, a Airbus fez quase toda a automação como a dos outros fabricantes, como Boeing e Embraer, mas tem uma grande diferença: ela não dá feedback de posições para os tripulantes. Por exemplo, as manetes ficam sempre no mesmo local durante a aceleração e desaceleração dos motores, ao contrário de aviões de outros fabricantes, cujas manetes se movimentam automaticamente seguindo as instruções do computador.

Há a possibilidade de as aeronaves funcionarem com automação plena, na qual os computadores fazem tudo; na automação parcial, em que os tripulantes podem interferir, se precisarem, na conduta dos computadores; ou manual, em que os tripulantes assumem os controles do avião. O piloto fica mais restrito no comando de um Airbus, enquanto, segundo o professor, o controle é mais amplo em aviões de outros fabricantes.

Hoffmann acredita que a Airbus não vai rever essa questão. Pois isso é um conceito concebido e foi aceito e autorizado pelas autoridades de países em que o fabricante atua. "Hoje não tem nada comprovado (sobre as causas dos acidentes), são somente conjeturas. Pode acontecer que autoridades aeronáuticas dos diferentes países voltem atrás e comecem a questionar esse conceito. No entanto, acho que é uma situação muito remota devido aos grandes valores envolvidos."

Qual é o problema que está fazendo as aeronaves da Airbus caírem nos últimos tempos, visto que temos como exemplos recentes os acidentes com o avião da TAM, em Congonhas, em 2007, com a aeronave da Air France e o mais recente, com o da Yemenia Air?
É complicado dizer qual é o principal problema. Inicialmente, podemos ir pelo lado da coincidência. Em nenhum dos casos tem um fator que seja explicito e identificado. Existem apenas suspeitas. Seja no caso do TAM, da Air France ou da Yemenia. Não tem elementos positivos na mão. Mas uma coisa pode estar acontecendo. Em função do tempo de uso do avião, se a manutenção não for bem feita, ou se pilotos não forem muito bem treinados, face à grande automação, pode haver deterioração no resultado do voo.

As causas do acidente com o avião da companhia aérea Yemenia Air ainda são desconhecidas, mas se sabe que a aeronave passava por uma tempestade com ventos de mais de 60 km/h quando caiu, a cerca de 30 km de seu destino final. Embora seja só uma hipótese que nem mesmo investigações detalhadas sejam capazes de comprovar, caso não se encontre as caixas-pretas, as duas aeronaves passavam por tempestades quando caíram no mar. A Air France informou que seu Airbus entrou em uma zona de tempestade e enviou uma mensagem automática de falha no circuito. Uma tempestade tem potencial para derrubar uma aeronave desse porte - A310 e A330, respectivamente?
Realmente não tem. O que tudo leva a crer é que tenha outros elementos, entre eles, problema nos tubos de pitot (sensores de velocidade). A tecnologia hoje utilizada para essa detenção da velocidade aerodinâmica é bastante sofisticada. Eles são já sistema onde a pressão aerodinâmica do ar impacta em cima de elementos/sensores que fazem a conversão dessa ação mecânica em informação elétrica. São tipos de voltagens muito pequenas. Esses elementos têm seu comportamento, respostas, dependentes de uma série de fatores, como temperatura, vibração, direção da força de impacto, que vai ser transformada, e assim por diante.

A manutenção de aeronaves da Airbus é mais difícil do que a de um Boeing?
Em termos objetivos, a automação dos dois fabricantes são similares. Elas diferem nos conceitos. Um Boeing ou Embraer mantêm a autonomia plena do piloto. O Airbus diminui a autonomia. Os dois primeiros mantêm o feedback de controle. A Airbus retirou. Nos outros fabricantes, na aceleração e na desaceleração dos motores, as manetes ficam se movimentando automaticamente na medida que o computador dá as intruções. No Airbus isso não ocorre - a manete fica parada em determinado lugar.

Nos outros operadores, os tripulantes continuam com a integral autonomina no controle do avião. No Airbus, os computadores deixam os piliotos fazerem aquilo que as máquinas entendam que estão autorizadas a fazer. No Airbus, os pilotos não tem têm integral autonomia como ocorre com nas aeronaves dos outros fabricantes, porque os computadores foram desenvolvidos onde, em princípio, entendem que o piloto poderia levar o avião a uma condição de risco e o computador não deixa que isso aconteça.

Os profissionais precisam ser mais preparados para operar um Airbus?

Essa complexidade tecnológica embarcada nos aviões dá mais ênfase à importância de uma boa ou excelente qualificação dos profissionais pilotos. Hoje não tem mais espaço pra fazer pilotos à moda antiga. Onde a pessoa tinha competência relacionada a horas de vôo e não com sua qualificação ou conhecimento. Em todo o mundo, em especial em países desenvolvidos, apesar de as autoridades não exigirem a formação superior para ser piloto de linha aérea, as empresas, por vontade própria, preferem de maneira explícita, os profissionais que tenham formação superior, em especial, em Ciências Aeronáuticas.

Nos EUA, tem faculdade com até 13 mil alunos e o mercado absorve todos. Pelas projeções mundiais existentes, deverá haver falta de pilotos nos próximos anos, por mais que elas sejam parcialmente freadas pela crise econômica mundial ou por acidentes aéreos. Em 2007, tínhamos 17 mil aviões comerciais no mundo e a previsão para 2026, é que tenhamos na ordem de 34 mil aviões comerciais no mundo. Além dos tripulantes que envelhecem, o aumento de frota no mundo estaria exigindo formação de milhares de pilotos para atender a demanda. No Brasil, temos 350 aviões comerciais. Teríamos necessidade de preparar em torno de 300 pilotos de linha área por ano para atender a expectativa de crescimento.

A aeronave pode ser segura, mas profissionais despreparados para conduzi-la podem reduzir essa segurança do voo?
Evidentemente que profissionais despreparados contribuem para reduzir a segurança. Mas tudo está sendo feito no sentido de melhorar cada vez mais a qualidade desses profissionais.

Hoje está tudo muito automatizado na avião. As escolas de formação preparam adequadamente os pilotos para operar uma aeronave manualmente se for necessário em algum momento?
Com certeza. A Airbus, particularmente, mudou drasticamente os conceitos de voar. Todos os outros fabricantes ainda utilizam a idéia da coluna de comando e o volante (manche). Nos aviões de tecnologia não tão avançada esse processo de controle da aeronave ocorre através desse sistema para controle manual. Os aviões que não agrediram tanto a modernização - como Embraer e Boeing -, apesar da automação, mantiveram duas coisas elementares - uma é o fato que os pilotos continuam exercendo capacidade para controlar a aeronave quando necessário. E a outra é o fato de que todos os elementos de controle do avião, mesmo quando atuados automaticamente, são posicionados de forma correspondente como se tivessem sido movimentados manualmente. Isso é importante para o piloto visualizar o que está ocorrendo. Ele consegue, além de ver o que o avião está fazendo através das indicações, também pode visualizar através da movimentação dos controles.

Acredita que a Airbus possa voltar atrás e rever o seu conceito de automação?

Eu imagino que a Airbus não vai rever essa questão. Pois isso é um conceito concebido e foi aceito e autorizado pelas autoridades de países em que o fabricante atua. Hoje não tem nada comprovado (sobre as causas dos acidentes), são somente conjeturas. Pode acontecer que autoridades aeronáuticas dos diferentes países voltem atrás e comecem a questionar esse conceito. No entanto, acho que é uma situação muito remota devido aos grandes valores envolvidos.

A iniciativa das empresas de automatizarem as máquinas, desabilitando procedimentos manuais, aumenta os riscos em determinadas áreas no decorrer do processo?

O voo se subdive em várias etapas. Por exemplo, decolagem é uma, subir é outra, assim como manter em voo nivelado, descer, aproximar e pousar. Independentemente da fase, essas limitações podem ser prejudiciais. Pelos registros históricos, as duas fases que são mais críticas são a decolagem e a aproximação. Essas restrições são prejudiciais a qualquer momento que ocorra uma necessidade de intervenção do piloto. O piloto é quem está efetivamente sabendo o que é necessário fazer. Ele vive o cenário e o computador não tem total conhecimento desses obstáculos ou cenários.

Fonte: Terra
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