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Processo contra jornalista destaca acúmulo de riqueza pela elite de Angola

28 mar 2015 - 18h14
(atualizado às 18h14)
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Mary Harper

Foto: BBC Mundo / Copyright

BBC News

Quando um pequeno grupo de simpatizantes se reuniu em frente ao tribunal onde Rafael Marques, jornalista angolano e ativista de direitos humanos, foi a julgamento, eles foram presos.

Uma mulher foi espancada. Este é o preço que angolanos pagam por dissidência.

Marques pode pagar um preço muito mais alto por criticar sete generais do Exército, a quem acusou de cumplicidade em assassinatos, tortura e corrupção nos campos de diamantes de Angola.

Eles, por sua vez, o acusam de difamação e o processam em US$ 1,2 milhão (R$ 3,8 milhões). Se for considerado culpado, Marques pode ser condenado a nove anos de prisão.

Para os generais, esse montante não é nada. Eles fazem parte da pequena elite de Angola, que gira em torno do presidente José Eduardo dos Santos, de 72 anos, e que se tornou rico devido às reservas de petróleo e diamantes do país.

Após o conflito de quatro décadas ter terminado em 2002, a economia de Angola teve um boom. Segundo os auditores da Ernst and Young, foi o país com o crescimento mais rápido do mundo entre 2000 e 2010.

Mas a riqueza e o poder têm se concentrado nas mãos de pouquíssimas famílias, que se assemelham a nobres africanos.

Alegações prejudiciais

O livro que causou tantos problemas a Marques, Blood Diamonds: Corruption and Torture in Angola (Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola, em tradução literal), alega que o Exército e empresas de segurança privadas estariam envolvidas em crimes cujos detalhes são surpreendentes.

Mineiros seriam enterrados vivos, executados em massa e forçados a saltar para a morte de veículos em movimento. Marques diz que os mineiros foram forçados a pular em intervalos para "dispersar a evidência de suas mortes". Os generais negam as acusações.

O livro alega que membros do círculo mais próximo ao presidente ocupam vários cargos ao mesmo tempo.

Servem, simultaneamente, como altos oficiais no Exército, acionistas de empresas de mineração de diamantes, e coproprietários de empresas de segurança privada contratadas por grupos de mineração para proteger os campos de diamantes.

A elite angolana vive num mundo quase totalmente desconectado do resto da população, de 20 milhões de pessoas. Mora na Ilha, um trecho de areia que se curva para fora de Luanda, onde há moradias de luxo, restaurantes à beira-mar e casas noturnas chamativas.

Os ricos e belos gastam em coquetéis de US$ 60, andam de Porsche e desfilam com pesados Rolex.

Galinha: US$ 200

Os preços são astronômicos. É como se eles tivessem sido deliberadamente colocados no alto só para que as pessoas pudessem mostrar o quão ricas são. Por que mais um supermercado cobraria US$ 100 por uma melância ou US$ 200 por uma galinha?

Olhando para Luanda a partir da Ilha, é difícil acreditar que esta é a capital de um país que há pouco mais de 10 anos enfrentava uma guerra civil violenta: grandes iates luxuosos desfilam no mar e diversos arranha-céus são vistos no horizonte.

É aqui que se começa a ouvir sussurros de "Isabel": "Esta casa noturna pertence a Isabel", "Este restaurante é de Isabel", "Este negócio é de Isabel, aquele também, aquele, aquele".

Isabel é a filha mais velha do presidente José Eduardo dos Santos, considerada pela revista Forbes a mulher mais rica da África, com uma fortuna estimada em US$ 3,4 bilhões.

Enquanto isso, cerca de 70% da população de Angola sobrevive com menos de US$ 2 por dia - 90% da população de Luanda vive em favelas.

Há grandes esforços para remover os pobres das áreas dos hiper-ricos de Angola e barracos são demolidos regularmente. Os chineses construíram para eles uma nova cidade satélite chamada Zango, a dezenas de quilômetros de Luanda.

É a população urbana pobre que mais preocupa a elite angolana. Forças de segurança têm contido um número crescente de pequenos protestos contra o governo.

Mbanza Hamza mora em uma favela e optou por enfrentar as autoridades - e, por isso, tem uma grande cicatriz na cabeça.

"Os homens chegaram no meio da noite e me bateram", diz ele. "Eles usavam roupas simples, mas eu sei que os enviou."

Bomba-relógio?

Dinheiro é a ferramenta mais eficaz para lidar com a resistência. O governo garante um preço baixo para a cerveja local - menos de US$ 1 por garrafa.

O governo patrocina, também, clubes de futebol e apresentações de música pop, e incentiva as igrejas - qualquer coisa para distrair os pobres.

Bebidas e camisetas de graça foram o bastante para garantir que, na véspera de um protesto de oposição, uma grande marcha pró-governo fosse realizada.

Angola é uma bomba-relógio prestes a explodir?

O governo não pode mais usar a guerra como uma desculpa para não agir pela saúde, educação e redistribuição da riqueza. Autoridades trouxeram os chineses para construir estradas e ferrovias, mas a população começa a reivindicar mais.

É improvável que casos como o de Marques sejam capazes de forçar uma pressão internacional para que Angola faça mais sobre direitos humanos e combate à corrupção.

O presidente, que está no poder há 35 anos, não é imortal. A questão é se o seu sucessor, ainda desconhecido, terá habilidades para manter o dinheiro e o poder "na família".

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