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Por que há uma crise de imigração sem precedentes na fronteira entre França e Inglaterra?

1 ago 2015 - 11h59
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Os governos da França e do Reino Unido se encontram sob crescente pressão para enfrentar a crise migratória em Calais, na França, de onde milhares de pessoas tentam diariamente cruzar o canal da Mancha para chegar à Inglaterra.

Governo francês estima que 3 mil imigrantes vivam em Calais
Governo francês estima que 3 mil imigrantes vivam em Calais
Foto: AFP

A situação se agravou nesta semana depois que um homem morreu enquanto pelo menos 1,5 mil imigrantes tentavam atravessar o túnel sob o Canal da Mancha.

As tentativas de chegar ao Reino Unido ocorrem de diversas formas: enquanto alguns tentam entrar em embarcações, outros já chegaram até a pegar uma carona sem autorização em carros particulares cruzando o canal em balsas.

Mais recentemente, as investidas se deslocaram para o Eurotúnel. Os migrantes tentam se esconder em caminhões que pegam a via submarina que faz a ligação entre França e Inglaterra, ou saltar as cercas de seguranças para se esconder nos trens que atravessam o túnel.

São, principalmente, incursões noturnas, com grupos de centenas de migrantes tentando furar a segurança ao mesmo tempo.

A BBC responde abaixo questões que ajudam a entender essa crise sem precedentes.

Desde quando isso ocorre?

Apesar de o número de migrantes estar atualmente no ponto mais alto, o fenômeno não é novo.

Em 1999, foi aberto em Calais o polêmico campo de refugiados de Sangatte, que atraiu milhares de aspirantes ao asilo e, também, traficantes de pessoas.

Seu fechamento, em 2001 e 2002, por ordem do então ministro do Interior francês Nicolás Sarkozy, provocou distúrbios. Desde então, os migrantes continuam chegando a Calais, onde construíram acampamentos improvisados perto do porto.

As autoridades francesas estimam que cerca de 3 mil pessoas vivem atualmente nos campos conhecidos como "a selva". Mas há estimativas bem mais altas.

O tema voltou a ser notícia em setembro do ano passado, depois que um ferry com destino ao Reino Unido foi ocupado por 235 imigrantes sem documentação.

O Ministério do Interior britânico calcula que os agentes fronteiriços de seu país e as autoridades francesas, juntas, impediram mais de 39 mil tentativas de cruzar o canal ilegalmente entre 2014 e 2015, mais que o dobro do número do ano anterior.

No Eurotúnel, foram bloqueadas 37 mil tentativas desde janeiro passado, segundo o governo britânico.

A Câmara de Comércio de Calais é a encarregada da segurança do porto. No último trimestre do ano passado, o governo britânico prometeu mais de US$ 19 milhões nos próximos três anos para ajudar a França a lidar com o problema.

No início deste mês, o Reino Unido anunciou cerca de US$ 3 milhões adicionais para estabelecer em Calais uma nova zona de segurança para os caminhões que cruzam o canal.

Semanas depois, confirmou que daria mais US$ 11 milhões para medidas de melhoria da segurança em Calais e na entrada do túnel.

O Reino Unido também está enviando uma cerca, conhecida como "National Barrier Asset", para ser colocada ao redor do terminal em Coquelles.

O porto é protegido por uma cerca de cinco metros coberta com arame farpado e câmeras de segurança. As portas e a área externa são vigiadas por agentes fortemente armados da polícia antidistúrbios da França.

O Eurotúnel já gastou mais de US$ 14 milhões em segurança nos primeiros seis meses de 2015, incluindo o dinheiro para cercas, câmeras, detectores infravermelhos e guardas adicionais.

O que a polícia francesa está fazendo?

A polícia francesa foi muito criticada por tirar os migrantes dos caminhões, conduzi-los a poucos quilômetros de distância e os liberar, o que permite que voltem a Calais.

Mas muitos imigrantes ilegais são detidos. Estima-se que foram mais de 18 mil no primeiro semestre de 2015.

O problema, segundo a polícia, é que eles são muitos para que todos sejam detidos.

A polícia também afirma que seu foco na rodovia que conduz ao Canal da Mancha é a segurança, e por isso tirar pessoas desta via é a prioridade. Em todo caso, cerca de 120 policiais adicionais foram empregados em Calais para fazer frente ao volume de imigrantes.

As autoridades francesas também estão tentando impedir que migrantes continuem cruzando ilegalmente sua fronteira com a Itália, onde acredita-se que mais de 60 mil pessoas tenham chegado de barco da África apenas este ano.

Por que o Reino Unido é o objetivo?

A situação em Calais é parte de uma crise maior de migração na Europa, causada em grande medida pelo deslocamento de pessoas de países em guerra como Síria, Afeganistão e Eritreia, assim como o norte da África.

Muitos querem solicitar asilo no Reino Unido. Outros querem entrar no país de forma incógnita e permanecer como trabalhadores ilegais.

Natacha Bouchart, prefeita de Calais, diz que os imigrantes ilegais veem o Reino Unido como um bom local para receber benefícios sociais e um lugar melhor para encontrar emprego que a França - apesar da existência de estudos que não comprovam isso.

A Cruz Vermelha britânica diz que a maioria dos migrantes quer cruzar o canal porque acredita que há mais chances de encontrar emprego no Reino Unido ou porque fala inglês e quer usar o idioma.

Outros têm família no Reino Unido, ou têm a impressão de que há melhores condições de vida e de educação no país.

Mas o Reino Unido não é o principal destino dos migrantes na Europa.

Segundo as estatísticas da Eurostat, a Alemanha foi o país que mais recebeu pedidos de asilo em 2014 (quase 203 mil), seguida por Suécia, Itália, França, Hungria e, só depois, Reino Unido.

De onde vêm os imigrantes?

O representante da França no Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), Philippe Leclerc, disse que a maioria dos migrantes em Calais foge da violência de países como Afeganistão, Eritreia, Síria ou Somália.

Segundo dados da Acnur, a Eritreia encabeça a lista dos países de origem de pessoas que solicitaram asilo no Reino Unido entre janeiro e março de 2015, seguida por Paquistão e Síria.

Quantos imigrantes conseguem chegar ao Reino Unido?

Ninguém sabe. A ministra do Interior britânica, Theresa May, admitiu que "um número" de imigrantes consegue entrar, mas não deu cifras concretas.

O Ministério do Interior diz que não tem dados oficiais ou estimativas sobre o número de migrantes que cruzam ilegalmente o Canal.

Houve, por exemplo, 25.020 pedidos de asilo entre abril de 2014 e março de 2015, mas os dados não discriminam os pontos de entrada. Dessa forma, não é possível saber quantas dessas pessoas que solicitaram asilo vieram por Dover, porto de entrada no Reino Unido quando se cruza o Canal da Mancha.

Um porta-voz do Ministério do Interior disse que isso não era feito por razões de segurança.

As autoridades do condado de Kent também dizem que não têm informações oficiais, mas a autoridade máxima do local diz que o departamento de serviço social se encontra sob uma "enorme pressão" devido à quantidade de crianças não acompanhadas solicitando asilo assim que chegam ao porto de Dover.

O condado cuida de mais de 600 menores de 18 anos, de acordo com o líder da Câmara, Paul Carter.

O que é a operação Stack?

A Operação Stack é um procedimento de emergência utilizado pela polícia de Kent para estacionar veículos de carga na rodovia, transformando-a essencialmente em um estacionamento gigante de caminhões.

É utilizada desde 1996 cada vez que os serviços de cruzamento do canal são interrompidos, geralmente como resultado da atividade de migrantes, mau tempo ou greve.

A rodovia é fechada em três fases, de acordo com a quantidade de espaço necessária. Pode permanecer assim durante dias, com milhares de caminhões com destino a Calais parados.

Entre 1996 e o final de 2007, a operação ocorreu 95 vezes, o que gerou interrupções durante 145 dias.

Desde 2007, ela foi usada de uma forma intermitente, mas raramente por mais de algumas horas e mais de dois dias por vez.

Porém, entre junho e julho deste ano, seu uso "não tem precedentes", de acordo com a Associação de Transporte de Carga.

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