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Oriente Médio

Síria: governo e oposição se acusam de violar o cessar-fogo

12 abr 2012 - 16h22
(atualizado às 17h05)
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O cessar-fogo na Síria foi anunciado, mas se encontra seriamente comprometido pelos atos de violência registrados apenas uma hora depois de sua entrada em vigor, às 0h (de Brasília), e a oposição e o regime se acusam mutuamente de colocá-lo em perigo, apesar de o autor do plano de paz, o emissário Kofi Annan, considerar que o fim das hostilidades parece estar sendo respeitado. O Conselho Nacional Sírio (CNS) anunciou em Genebra que, segundo as informações recebidas do principal grupo de oposição no terreno, cinco pessoas, sendo quatro civis, foram mortas e dezenas de pessoas presas, após o início do cessar-fogo.

Vendedor de frutas espera por clientes em uma banca em Damasco no primeiro dia de cessar-fogo na Síria
Vendedor de frutas espera por clientes em uma banca em Damasco no primeiro dia de cessar-fogo na Síria
Foto: AFP

Luta por liberdade revoluciona norte africano e península arábica

Segundo o CNS, os mortos foram contabilizados na região de Hama e dezenas de prisões foram efetuadas em Aleppo, Homs e Dera. "Constatamos, com provas, que armas pesadas ainda estão sendo utilizadas em áreas povoadas. Algumas simplesmente foram reposicionadas", acrescentou a porta-voz rebelde Basma Kodmani. Ela também relatou o aparecimento de muitos pontos de controle adicionais fortemente armados.

O Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), por sua vez, informou sobre um civil morto em Hama (centro). Já a televisão pública síria anunciou que o militar morto - citado pelo CNS - é um oficial do Exército. Além dele, 24 outras pessoas ficaram feridas em Aleppo, norte da Síria, em um ataque comandado, segundo as autoridades, por um "grupo terrorista armado".

De acordo com a TV oficial síria, um ônibus transportava oficiais para seu local de trabalho e foi alvo de uma carga explosiva colocada por um grupo de terroristas armados perto da ponte do aeroporto de Al Nairab em Aleppo, segunda cidade do país. O ministério sírio do Interior, por sua vez, fez um pedido aos refugiados que fugiram da violência para que retornem ao país e também anunciou uma anistia para todos os homens armados que "não tenham sangue nas mãos", anunciou a tv pública.

"O ministério do Interior apela aos homens armados que não têm sangue nas mãos que se apresentem à delegacia mais próxima para entregar suas armas. Eles serão liberados e não serão processados", afirma o anúncio. O regime sírio, que reprime de forma sangrenta a oposição, anunciou mais cedo a suspensão das operações militares, mas advertiu que suas forças responderiam a qualquer ataque "terrorista", em referência aos rebeldes, que também prometeram respeitar 100% a trégua.

"O regime anda com rodeios, enquanto que nós nos comprometemos 100% com o cessar-fogo. O regime não nos provocará, não aceitaremos que nos provoque e não responderemos a suas provocações", indicou o coronel Kassem Saadeddin, porta-voz do Exército Sírio Livre. "O fim das hostilidade na Síria parece estar sendo respeitado", afirmou, por outro lado, o emissário da ONU e da Liga Árabe, Kofi Annan, acrescentando, no entanto, que o presidente Bashar Al-Assad deve "implementar completamente" seu plano de paz de seis pontos.

"Estou animado com os informes segundo os quais a situação na Síria está relativamente calma e que o cessar das hostilidades parece respeitado", declarou Annan. "Todas as partes envolvidas têm a obrigação de aplicar integralmente o plano de seis pontos para resolver a crise no país", enfatizou.

Annan também pediu que o Conselho de Segurança exija a volta do exército de Al-Assad para os quarteis que os militares deixem as cidades em conflito. Segundo Annan, o Conselho igualmente deve enviar uma missão de observadores para vigiar a aplicação do cessar-fogo.

A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, avaliou que o cessar-fogo é um "passo importante", desde que seja respeitado. "Se for respeitado, o cessar-fogo é um passo importante, mas é só um elemento do plano" de seis pontos do enviado especial da ONU e da Liga Árabe para a Síria, Kofi Annan, disse Hillary à imprensa, à margem da cúpula do G8, que reúne ministros das Relações Exteriores em Washington.

Não se trata de que o presidente sírio, Bashar al Assad, "faça uma seleção e eleja" o que gosta neste plano, insistiu Clinton. "O plano de Annan não é um menu com opções, é um conjunto de obrigações", explicou.

Em videoconferência celebrada nesta quinta-feira, o presidente americano, Barack Obama, e o colega francês, Nicolas Sarkozy, "pediram ao regime sírio para respeitar escrupulosa e incondicionalmente seus compromissos em relação ao plano do enviado especial da ONU e da Liga Árabe. O regime será julgado por seus atos", informou a presidência francesa em comunicado.

"Com aliados, em particular árabes, concordaram em intensificar seus esforços, inclusive no Conselho de Segurança (da ONU), para o fim definitivo da repressão brutal contra o povo sírio, para que seja fornecida ajuda humanitária urgente e que o povo sírio possa escolher livremente seu destino", diz o comunicado.

O plano de Kofi Annan ainda é considerado pelo Conselho Nacional Sírio como "a última chance para uma solução pacífica", reiterou sua porta-voz, Basma Kodmani. A organização de oposição afirma que existe disposição em trabalhar com Annan "para certificar de que os observadores internacionais serão enviados o mais rápido possível".

O CNS pede que especialistas em direitos humanos façam parte desses observadores para medir corretamente a especificidade da situação no terreno. "O teste real será se haverá ou não disparos enquanto a população se manifestar", disse a porta-voz.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, afirmou, por sua vez, que espera pelo envio de observadores à Síria "o mais rápido possível". Por fim, o CNS convocou para esta quinta-feira novas manifestações pacíficas contra o regime.

"Convocamos o povo a manifestar-se e a expressar-se porque é um direito absoluto. As manifestações são um ponto essencial do plano do emissário internacional Kofi Annan", afirmou à AFP Burhan Ghalioun. Todas as manifestações dos opositores foram reprimidas pelo regime de Bashar al-Assad. "O cessar-fogo não tem nenhum valor se não permite ao povo manifestar-se, e o plano de Annan não tem nenhum valor se não permite a transição do país para um governo democrático e pluralista", completou Ghalioun.

Damasco de Assad desafia oposição, Primavera e Ocidente

Após derrubar os governos de Tunísia e Egito e de sobreviver a uma guerra na Líbia, a Primavera Árabe vive na Síria um de seus episódios mais complexos. Foi em meados do primeiro semestre de 2011 que sírios começaram a sair às ruas para pedir reformas políticas e mesmo a renúncia do presidente Bashar al-Assad, mas, aos poucos, os protestos começaram a ser desafiados por uma repressão crescente que coloca em xeque tanto o governo de Damasco como a própria situação da oposição da Síria.

A partir junho de 2011, a situação síria, mais sinuosa e fechada que as de Tunísia e Egito, começou a ficar exposta. Crise de refugiados na Turquia e ataques às embaixadas dos EUA e França em Damasco expandiram a repercussão e o tom das críticas do Ocidente. Em agosto a situação mudou de perspectiva e, após a Turquia tomar posição, os vizinhos romperam o silêncio. A Liga Árabe, principal representação das nações árabes, manifestou-se sobre a crise e posteriormente decidiu pela suspensão da Síria do grupo, aumentando ainda mais a pressão ocidental, ancorada pela ONU.

Mas Damasco resiste. Observadores árabes foram enviados ao país para investigar o massacre de opositores, sem surtir grandes efeitos. No início de fevereiro de 2012, quando completavam-se 30 anos do massacre de Hama, as forças de Assad iniciaram uma investida contra Homs, reduto da oposição. Pouco depois, a ONU preparou um plano que negociava a saída pacífica de Assad, mas Rússia e China vetaram a resolução, frustrando qualquer chance de intervenção, que já era complicada. De acordo com cálculos de grupos opositores e das Nações Unidas, pelo menos 9 mil pessoas já morreram desde o início da crise Síria.

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