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Mundo

Liberação da maconha para turistas gera discórdia na Holanda

18 nov 2012 - 10h35
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Marina Azaredo
Direto de Amsterdã

Sentada em uma cadeira de madeira e couro vermelho que quase lembra um trono no fundo do Bulldog Mack, um dos seis coffee shops da rede Bulldog de Amsterdã, Marja observa com atenção tudo o que acontece no ambiente. Um grupo de jovens de vinte e poucos anos começa a falar alto demais em torno da mesa de sinuca e ela levanta imediatamente. "Todos vocês estão bebendo alguma coisa? Vocês não podem ficar aqui sem consumir nada!", esbraveja ela, cabelos curtos e loiros, alguns quilos a mais, pochete na cintura e idade não revelada.

Além de manter a ordem no local, ela é responsável por cobrar 0,50 centavos de euro dos frequentadores que querem usar o banheiro. "Trabalho aqui há muitos e muitos anos, nem sei quantos. Sempre tem um ou outro baderneiro, mas maconha e estrangeiros nunca foi uma combinação problemática", disse ela ao Terra em 3 de novembro, dois dias depois de o prefeito Eberhard van der Laan anunciar que os coffee shops continuariam recebendo estrangeiros. A resolução contraria uma decisão do governo conservador nacional, que havia prometido que, a partir de 2013, apenas cidadãos holandeses seriam autorizados a comprar e consumir drogas nesses locais.

O Bulldog abriu as portas em 1975 no Red Lighst District - bairro também conhecido pela tolerância à prostituição - e foi o primeiro coffee shop de Amsterdã. Hoje é essencialmente turístico, atraindo gente do mundo inteiro. Na matriz, os tipos de maconha e haxixe ficam expostos em um balcão, em que os clientes podem "analisar" a erva e pedir dicas para o barman sobre a intensidade de cada tipo. Também é possível adquirir baseados já prontos ou apenas a erva. Lá, bebidas alcoólicas são proibidas, assim como cigarros "convencionais". Já no Mack, os clientes podem beber e fumar - maconha e cigarros apenas de tabaco. Sempre sob a atenta vigilância de Marja, claro.

O argumento da prefeitura para contrariar uma decisão do governo nacional é de que as restrições para os turistas provocariam um aumento da criminalidade em Amsterdã. "Com a exclusão dos turistas, todos os benefícios do sistema de coffeeshops seriam anulados", argumentou Van der Laan. De acordo com a prefeitura, esses benefícios seriam evitar desordem pública e o tráfico de drogas e ter mais controle sobre a qualidade das drogas leves e também sobre a idade dos consumidores. O prefeito afirma ainda que a venda de drogas para estrangeiros seria um problema nas regiões fronteiriças, mas não na capital. "Franceses, alemães e belgas cruzam a fronteira para comprar drogas leves porque é proibido nos seus países. Não é o caso de Amsterdã, onde o consumo de drogas leves é apenas uma das atividades dos turistas", diz o comunicado distribuído no dia 1º.

Os residentes de Amsterdã parecem estar satisfeitos com a decisão do prefeito. É o caso de Cecilia Teobaldi, guia de turismo que garante que, apesar de não usar as ditas "drogas leves", é contra a proibição para os turistas. "Se proibirem, o que vai acontecer é que os residentes vão começar a comprar drogas para vender na rua para quem vem de fora. Os turistas não vão parar de fumar", garante ela.

Segundo números oficiais, dos 7 milhões de turistas que visitam a capital holandesa anualmente, 1,5 milhão passa por algum dos 220 coffee shops da cidade. As autoridades de Amsterdã negam, no entanto, que a decisão seja baseada em questões econômicas. "Esse 1,5 milhão de turistas não está só visitando os coffee shops", disse o prefeito.

Mas a decisão de Van der Laan pode estar ameaçada. Um dia depois do anúncio de que turistas continuarão tendo acesso aos cofee shops, o ministério holandês da Justiça afirmou que talvez não consiga abrir uma exceção para Amsterdã. "O acordo da coalizão diz que os turistas serão barrados nos coffee shops de todo o país. A adequação que haverá para as exigências locais é algo que ainda não foi finalizado", disse um porta-voz. O empenho do prefeito contra a lei causou irritação em Haia, sede do governo nacional, onde é travada a disputa que irá definir o futuro da tolerante política de drogas adotada no país décadas atrás.

Se depender de Marja, a "guardiã" do banheiro do Bulldog, as coisas devem continuar exatamente como estão. "Conheço muita gente diferente e interessante enquanto trabalho. Onde eu estaria conversando com você se não fosse aqui?", questiona ela.

A repórter Marina Azaredo viajou à Holanda a convite do Ministério de Assuntos Econômicos, Agricultura e Inovação do país.

A capital holandesa tem 200 coffee shops em atividade
A capital holandesa tem 200 coffee shops em atividade
Foto: Getty Images
Fonte: Terra
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