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Mundo

Baltasar Garzón: "O processo contra Assange vai cair"

4 set 2012 - 20h25
(atualizado às 20h34)
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Daniel Ramírez
Direto de Bogotá

O renomado jurista espanhol Baltasar Garzón, que vive hoje na Colômbia, concedeu uma entrevista exclusiva ao Terra, na qual falou sobre seu novo papel como advogado de defesa do fundador do WikiLeaks, Julian Assange. Garzón afirma que o processo contra Assange está cheio de inconsistências que procuram desprestigiar o australiano com acusações de violência sexual e assegura que aceitou o caso porque considera que sua tarefa principal é a luta contra as violações dos direitos humanos.

Advogado de Julian Assange fala com exclusividade ao Terra:

Terra - Assange deve ser processado pela difusão de notícias por meio do WikiLeaks?

Baltasar Garzón - Acredito que ninguém que faça um trabalho como o que Assange tem realizado através do WikiLeaks deveria ser objeto de perseguição judicial ou policial, de nenhum país. É atacar gravemente o princípio da liberdade de imprensa, de informação, de expressão. Afinal de contas o que o WikiLeaks fez foi publicar documentos que não tinham nenhuma restrição do tipo jornalístico.

Portanto, não há sentido em focar uma eventual responsabilidade em uma pessoa apenas e não em todos aqueles que cumpriram com sua obrigação de publicar aqueles documentos. O que deveria ser investigado seria o conteúdo dos próprios documentos na medida em que, em alguns casos, revelam fatos que têm um caráter marcadamente ilícito.

Terra - Assange é um enigma para milhares de pessoas. Como ele é, pessoalmente?

Garzón - Creio que é um homem normal, que está sofrendo uma situação injusta. Se vê preso em uma embaixada, recebido em asilo diplomático, mas sem qualquer liberdade de movimento, quando em nenhum momento evitou a ação da Justiça no país que o reivindica para interrogá-lo.

Não é essa a razão pela qual ele está refugiado na embaixada do Equador, mas porque o próprio governo equatoriano reconhece, na concessão do asilo, a percepção, a demente convicção de que ele pode ser extraditado por motivos relacionados com sua profissão de jornalista.

À parte isso, é uma pessoa normal, creio que muito inteligente mas também muito centrado, (que se encontra) em uma situação física e psicológica que, apesar de agora ser boa, (eu) não poderia dizer quanto tempo se manterá, se isso se prolongar.

Terra - O senhor confia em uma vitória de Assange? Vê isso com clareza?

Garzón - O que vejo claro é que a razão está com Assange, mas nem sempre se reconhece quem tem razão. Digamos que, até o momento, um terceiro país que pouco ou nada tem a ver com Julian Assange reconheceu essas razões, esses argumentos, a ponto de conceder um asilo diplomático.

Quanto ao resultado final, evidentemente intervêm fatores, quase todos eles fora do alcance de Assange, tanto diplomáticos como jurídicos. No primeiro sentido, pelo acordo entre os governos afetados do Reino Unido e do Equador, e, no segundo caso, quando se propuser, entre os mesmos atores e na Corte Internacional de Justiça. São procedimentos longos, que esperamos sejam encurtados ou que haja um reconhecimento desse direito e o outorgamento do correspondente salvo-conduto.

Terra - O presidente do Equador, Rafael Correa, pode se apresentar como um defensor da liberdade de imprensa?

Garzón - Eu sou o advogado de Julian Assange, de mais ninguém. Falo do que afeta meu cliente. Eu não vejo nenhuma contradição no fato de o presidente do Equador e seu governo terem tomado a decisão de amparar uma situação claramente amparável.

Expressei meu agradecimento em nome de meu cliente ao governo do Equador e ao presidente Correa porque acredito que ampararam uma situação que, insisto, era digna de proteção. Nesse sentido, atuaram de acordo com as normas nacionais e internacionais, que dão preferência ao asilo de pessoas que estão em risco de violação de seus direitos.

Terra - O senhor confia que o governo britânico vá expedir o salvo-conduto a seu cliente?

Garzón - O Reino Unido se encontra em um dilema que, para mim, tem uma resposta clara, mas que não deixa de ser contraditória. Por um lado, tem que dar cumprimento a uma normativa europeia depois de uma decisão judicial; por outro, há um terceiro país que nada tem a ver: Equador. Tem que facilitar o asilo dado. A isso se soma que há certas discrepâncias sobre a natureza e o caráter do asilo.

(O governo britânico)terá que procurar fórmulas para que essa disputa se encerre, ao menos provisoriamente, até que se solucione o conflito. Nesse sentido, a única opção que vejo é a concessão de um salvo-conduto com as limitações que se possa acordar. Não entre quatro paredes, mas numa situação de liberdade, como corresponde.

Terra - O senhor falou de uma investigação secreta dos Estados Unidos contra Assange...

Garzón - Não é que eu tenha falado, essas são as notícias que temos. Foram publicadas, houve declarações e requerimentos nesse sentido. É verdade que não há um ato formal de imputação ou de processo de Julian Assange, ou não sabemos. Não podemos desqualificar a Justiça dos Estados Unidos, pela qual tenho o máximo respeito.

Mas o que o direito à defesa precisa conhecer é a situação em que processualmente se encontra, sobretudo quando as declarações e as informações são claramente incriminatórias. Considerar Assange como inimigo dos Estados Unidos e pedir um julgamento contra ele são acusações muito duras. Isso perturba, principalmente perante o desconhecimento do que está sendo produzido.

O que pedimos é que se abra o procedimento, que se conheçam os elementos e que Assange possa se defender. E, logo, o que tiver que acontecer acontecerá, mas não neste mar de cegueira.

Terra - O senhor participou de fatos de repercussão internacional, como as investigações dos crimes do franquismo e do ditador chileno Augusto Pinochet, e agora assume este caso. O que significa para o senhor, como jurista?

Garzón - Os casos que investiguei enquanto juiz foram casos que vieram, e não voluntariamente aceitos ou oferecidos. Investiguei-os com a mesma energia que qualquer outro assunto que enfrentei durante trinta anos.

No caso Assange há um ato voluntário de minha parte ao assumir a defesa. Não vejo contradição, como sugeriu a ex-chanceler (espanhola) Ana Palacio. Vejo absoluta coerência. Em um caso, é investigar crimes contra a humanidade e, em outro, é defender uma pessoa cujos direitos fundamentais foram gravemente atacados sem que ela tenha feito nada.

Terra - O senhor acredita que a comunidade internacional que divulgou o WikiLeaks agora está dando as costas a Assange?

Garzón - Há um desconhecimento do que está acontecendo neste caso. O senhor Assange foi apresentado como um agressor sexual e esta é uma desqualificação que está muito de acordo com o que se costuma fazer para desacreditar a pessoa que está sendo objeto de uma clara infração de seus próprios direitos.

Não é a primeira vez. Essa é a técnica de desprestigiar uma pessoa, atacá-la por todos e cada um dos lados para que depois, quando ela reivindique o que é realmente o fundo de sua situação, isso fique num segundo plano.

À defesa e às pessoas que estão próximas de Assange, e a ele mesmo, cabe explicar que não é assim. Estou dizendo desde o princípio que temos que enfrentar esse processo, devemos fazê-lo porque estamos seguros de que, por sua inconsistência, ele vai cair.

Fonte: Terra
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