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Ásia

China libera doação de sangue por lésbicas, mas preconceito continua

24 jul 2012 - 11h11
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Fernanda Morena
Direto de Pequim

Visando combater os baixos estoques dos bancos de sangue nacionais, a China decidiu, a partir do dia 1º de julho, liberar a doação de sangue por lésbicas. Ativistas enxergam a medida um avanço, mas acreditam que o país ainda precisa evoluir. Homens gays permanecem de fora do grupo. A restrição, imposta em 2001, quando a China tirou o homossexualismo da lista de doenças mentais, não alivia, contudo, o preconceito no país asiático.

Xu Bin é diretora do grupo Lala (alcunha popular para definir lésbicas em chinês), com sede em Pequim
Xu Bin é diretora do grupo Lala (alcunha popular para definir lésbicas em chinês), com sede em Pequim
Foto: Fernanda Morena / Especial para Terra

"A liberação marca, sim, um avanço. Mas a atitude geral em relação ao homossexualismo tem muito espaço para se desenvolver", avalia Xu Bin, diretora do grupo Lala (alcunha popular para definir lésbicas em chinês), de Pequim. O Lala tem 50 membros e é responsável por uma série de eventos para a comunidade GLS (gays, lésbicas e simpatizantes), bem como palestras educacionais.

Se até 2001 o homossexualismo estava na lista distúrbios mentais, até 1997, ser gay era crime. A Organização Mundial da Saúde (OMS) fez a mudança em 1990. Segundo o governo chinês, a razão em listar homossexuais como doadores impróprios era o "estilo de vida" e a maior probabilidade em serem portadores do vírus HIV/Aids.

"Fizemos uma pesquisa com o Departamento de Controle de Doenças da China em maio e, das 300 lésbicas testadas, não houve nenhum caso de contaminão de HIV/aids", conta Bin. O estudo, ela disse, ainda não foi publicado. A proibição é também questionada por não abordar, por exemplo, chineses que tenham múltiplos parceiros sexuais ou que praticam sexo sem proteção.

Campanha pela doação
Em março de 2008, o grande terremoto ocorrido em Sichuan, no sul do país, lançou uma camapanha nacional pela doação de sangue. Foi na ocasião que Xu Bin e seu grupo Lala descobriram que homossexuais não eram aceitos como doadores. Foi então que ela criou a campanha para conseguir incluir a comunidade GLS na lista de doadores. Em 2009, uma petição foi assinada por 540 mulheres homossexuais pedindo o fim do banimento.

Em maio, o Lala lançou uma pesquisa em seu próprio portal, visando coletar histórias de lésbicas que tivessesm tentado doar sangue. Das 20 histórias coletadas, três contam que tiveram a opção "homossexual", marcada no formulário, alterada. "As pessoas que trabalhavam no posto de saúde não eram médicos. Eles disseram: 'Ah, na verdade não poderia doar. Então é melhor não colocar aqui' que você é lésbica. E então as atendentes mesmo alteraram o formulário", conta Bin. Outras mulheres tiveram sua doação rejeitada.

Homens que fazem sexo com homens não são aceitos como doadores, mas as histórias de homens homossexuais que doam sangue apenas para fazer um teste de HIV/aids são comuns. Pela lei, quem doa sangue recebe, em uma semana, uma mensagem no celular dizendo se a coleta foi ou não aceita depois que a amostra passa por exames. É uma forma de fazer um teste gratuitamente.

Conforme o Ministério da Saúde da China, 3% dos homens gays são portadores do vírus HIV, ao passo que a média nacional fica em 0,057%. Os dados oficiais são discutidos por muitos especialistas como irreais, que acreditam em uma taxa nacional muito maior.

Crise de sangue
O Ministério da Saúde lançou em 14 de junho, Dia Internacional da Doação de Sangue, um alerta nacional para a situação dos bancos de sangue do país. Ainda que o número de voluntários tenha chegado aos 2,99 milhões nos primeiros três meses do ano (representando um crescimento de 6,6% em relação às coletas realizadas em 2011), a China ainda está longe do ideal sugerido pela OMS.

De acordo com o órgão, países precisam que entre 100 e 300 pessoas a cada dez mil habitantes sejam doadores regulares. Na China, o número não ultrapassa os 90. Em 2011, o país teve um acréscimo de 430 milhões de casos de emergência e 11,24 milhões de internações em hospitais nacionais.

"Se toda a comunidade gay fosse aceita, esse número cresceria consideravelmente", aponta Xu Bin. A estimativa é de que existam 50 milhões de homossexuais na China.

Crise cultural de sangue
A ideia de sexo entre pessoas do mesmo sexo é ainda tabu no país, e a principal razão apontada por especialistas é o casamento. Xu Bin conta que há muitos casos de homens e mulheres gays em casamentos oficializados somente para que a família "não perca a face". Alguns dos pais sabem que se trata de uma união forjada e decidem ignorar; outros tantos acham que o casamento pode vir a "curar" o filho ou a filha.

"Há agora um grande debate na internet por causa de uma psicóloga que oferece tratamento para homossexuais. E ela é muito confiante no seu poder de cura", diz Xu Bin.

Um dos projetos desenvolvidos pelo Lala na comunidade GLBT chinesa é a educação. Elas promovem palestras e reuniões e convidam os pais de homossexuais para conversar e dividir angústias. "É um assunto ainda não muto aceito pela sociedade, mas os jovens estão cada vez mais abertos", aponta Bin. Uma pesquisa feita pelo site de relacionamentos Jiayuan (que tem 40 milhões de usuários registrados) em junho mostrou que mais de 80% dos chineses nascidos a partir da década de 1980 aceitam o homossexualismo. A pesquisa teve 85.439 respondentes com idades entre 20 e 50 anos.

Eventos promovidos pela comunidade GLS também ficam sob a mira da polícia nacional. Em 2010, a primeira edição do Mister Gay da China foi cancelada no dia em que o evento aconteceria. Em junho, um encontro de lésbicas promovido pelo Lala também foi cancelado na véspera. "Ainda é difícil realizar eventos públicos", diz Xu Bin.

Fonte: Especial para Terra
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