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Mundo

Futuro da pena de morte em países que mudaram governo é incerto

27 mar 2012 - 11h06
(atualizado às 16h29)
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MELISSA BECKER
Direto de Birmigham

As drásticas mudanças no cenário político do norte da África e do Oriente Médio e a violência contínua em países como Líbia, Síria e Iêmen tornaram difícil a coleta de dados oficiais sobre pena de morte na região, revela a análise anual sobre sentenças e execuções em 2011 da Anistia Internacional (AI), lançado mundialmente nesta terça-feira. Assim como o real número de execuções por parte desses Estados, o futuro desse tipo de punição nesses países é incerto - mas haveria esperanças de mudanças na região.

Veja o mapa da pena de morte no mundo em 2011

De acordo com o relatório, esperanças iniciais de que a derrubada de governantes de longa data - como o presidente iemenita Ali Abdullah Saleh e o coronel líbio Muammar Kadafi - conduziria a mudanças positivas em relação à pena capital ainda estão para ser compreendidas. Em entrevista ao Terra, o conselheiro do secretariado internacional da AI sobre a pena de morte Jan Erik Wetzel diz ver potencial para mudanças no norte da África e no Oriente Médio, principalmente na Tunísia. Para ele, o país, o primeiro a se mobilizar contra o regime no início da Primavera Árabe, mantém um debate vivaz sobre o assunto no momento e deve ser observado.

"Pela primeira vez, desde 2008, não apenas registramos nenhuma execução, o que é normal, mas também nenhuma sentença no país. O novo governo tem dado passos em direção a um afastamento do uso da pena de morte. A Tunísia passou a fazer parte do Estatuto Romano da Corte Criminal Internacional (ICC, na sigla em inglês), que rejeita a punição até mesmo para os piores crimes, como os de guerra ou contra a humanidade. O governo tem agido e protegido tunisianos no exterior, no Iraque ou em Mali, por exemplo, que estão sob sentença de morte. Em Mali, teve sucesso ao evitar a execução", exemplifica Wetzel.

No entanto, o conselheiro ressalta que o potencial existe, não há como fazer previsões. O pesquisador e professor de direitos humanos e justiça criminal Bharat Malkani, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, concorda que é sempre complicado antecipar como o cenário irá mudar.

"Quando a África do Sul saiu da era do apartheid, a pena de morte foi abolida, em parte porque era um símbolo daquele regime. Quando o Iraque saiu do domínio de Saddam Hussein, acredito que muitas pessoas tiveram esperanças de que o país iria, de forma similar à África do Sul, abolir essa punição como um gesto simbólico. Infelizmente, isso não aconteceu", observa Malkani.

Segundo as Nações Unidas, mais de 1,2 mil pessoas teriam sido sentenciadas à morte no país desde 2004 - um ano após a queda de Saddam. Já nos primeiros meses deste ano, as punições começaram a desenhar uma tendência de alta. Segundo a organização Human Rights Watch, um oficial do Ministério da Justiça iraquiano confirmou a execução de 14 prisioneiros por autoridades no dia 8 de fevereiro, totalizando 65 no ano, ao somar as 51 execuções de janeiro - e mais estariam previstas. O número parcial já se aproxima do total registrado oficialmente em 2011: 68 mortes, que deixaram o país em quarto lugar no ranking global das execuções, divulgado pela AI.

"É uma tendência muito preocupante, e é difícil dizer se esse aumento é temporário ou se a aplicação da pena capital no Iraque irá continuar aumentando", diz Malkani.

Levantes e execuções

O conselheiro da AI considera que afirmar uma conexão direta entre o aumento de execuções na região e os levantes da Primavera Árabe - como forma de reprimir o envolvimento de dissidentes com movimentos contrário aos governos - seria simplificar por demais a questão. No entanto, no Bahrein, realmente houve essa correlação.

"No ano passado, houve cinco sentenças de morte impostas no país, e todas em relação com assassinatos ocorridos durante o levante no país em fevereiro e março de 2011. Interessante que essas penas foram impostas a nacionais do próprio país pela primeira vez nos últimos dez anos, porque, em geral, eram aplicadas apenas a estrangeiros. No entanto, foram decididas em um tribunal militar, instalado durante os conflitos, e as cinco já foram revertidas em novo julgamento em cortes civis. Então, segue a tendência mundial de se usar menos a pena de morte", avalia.

Outro país que passou por mudanças e reduziu a aplicação da pena é o Iêmen, ainda um dos maiores executadores no mundo (com 41 mortes registradas em 2011). Para Wetzel, o país ao menos não está nadando contra a corrente, como Iraque e Irã.

Na Líbia - que, em 2010, estava em sétimo lugar, com 18 mortes -, a organização não encontrou dados disponíveis. Desde a queda de Kadafi, não houve mudanças na lei, mas não há conhecimento de sentença de morte, pondera o relatório. "Essencialmente, o sistema judicial não funcionou em 2011. Pode realmente não ter ocorrido nenhuma execução tradicional, mas talvez apenas porque não tiveram como ir aos canais adequados e, ao invés disso, podem ter revertido em execuções extrajudiciais", aponta Fred Abrahams, conselheiro especial da AI.

O Human Rights Watch confirma que, desde a queda do ditador, o governo de transição da Líbia nao tem executado pessoas,embora esse tipo de punição ainda exista. "Isso não reflete a decisao de uma política contra a pena capital, mas a falta de cortes funcionais e que aqueles que estavam no corredor da morte deste antes do conflito escaparam das prisões durante a guerra", afirma um pesquisador da organizacao na Líbia, por meio da assessoria de imprensa.

Já a Síria está entre os países que aumentaram o escopo de crimes punidos com morte, ao lado de Bangladesh, China, Egito, Índia, Irã e Nigéria. Em dezembro, o presidente Bashar al-Assad aprovou uma lei que permite a pena capital para quem providenciar armas (ou ajudar na obtenção) com o intuito de realizar atos terroristas. A medida enfocaria manifestantes contrários aos 40 anos do regime da família Assad. Tendo ficado, em 2010, em oitava posição no ranking da AI, com 17 mortes, o país não aparece na lista de 2011 também pela dificuldade de coleta de dados. Sabe-se que sentenças continuam sendo dadas, mas existem apenas relatos não confirmados de execuções.

Coreia do Norte

Fora da zona mais atormentada de 2011 no mundo, a Coreia do Norte também passou por mudança de governo, com a morte do líder Kim Jong-il, em dezembro, e a sucessão por seu filho, Kim Jong-un. "Eu não ficaria surpreso se as execuções no país aumentassem, caso o novo líder tentasse declarar categoricamente sua autoridade", opina Malkani.

Wetzel observa a tendência no país: "Temos informações de que, temporariamente, execuções aumentaram na Coreia do Norte, quando o governo mudou. Parece que a norma lá, quando há mudança de líder, alguns integrantes da velha elite política perdem aprovação e, devido a um sistema feudal, são executados. Se o novo líder vai conduzir o país a uma redução da pena de morte, isso ainda precisa ser visto".

Apesar de, oficialmente, ter caído pela metade - com 30 mortes em 2011, deixando o país em sétimo lugar -, esse número de execuções subestimaria grosseiramente a realidade da pena capital no país, observa a AI. A punição seria frequentemente imposta a crimes que não estão sujeitos à pena de morte dentro das leis norte-coreanas, em tribunais fora dos padrões internacionais de justiça. Acredita-se que execuções públicas foram realizadas ao longo do ano - assim como no Irã, na Arábia Saudita e na Somália -, inclusive dentro de campos de presos políticos. A organização observa ainda que haveria um alto número de execuções extrajudiciais na Coreia da Norte.

Fonte: Especial para Terra
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