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Ásia

Sobreviventes de ataques com ácido têm longa jornada de reabilitação

25 mar 2012 - 11h52
(atualizado às 11h56)
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Melissa Becker
Direto de Birmingham

Ataques com ácido têm uma crueldade planejada. Raramente matam, mas provocam marcas indeléveis na vítima - físicas e psicológicas. Sobreviventes em países como o Paquistão que encontram tratamento enfrentam uma longa jornada para a reabilitação.

Identificada apenas como Zainub, mulher que teve o rosto desfigurado por ácido encara a câmera de frente
Identificada apenas como Zainub, mulher que teve o rosto desfigurado por ácido encara a câmera de frente
Foto: Asad Faruqi / Divulgação

Uma vez que a pele é destruída, não é possível uma recuperação perfeita e sem cicatrizes. Cabeça e tronco superior são os principais alvos no momento do ataque, na experiência do cirurgião plástico britânico Ronald Hiles - que já tratou cerca de 2 mil sobreviventes na Ásia por meio da Acid Survivors Trust International (ASTI) -, mas genitais e membros inferiores acabam por ser atingidos. O ácido pode dissolver orelhas e nariz, além de cegar. Na tentativa de proteção, mãos também são envolvidas.

"Se há possibilidade de tratamento nas primeiras oito horas, o dano é minimizado. Na maior parte das vezes, as pacientes não conseguem isso, porque a família as retém, ou moram em áreas rurais, ou os médicos que atendem não sabem como lidar com esses casos", observa Kamran Fazil, diretor de desenvolvimento internacional da Islamic Help, baseada em Birmingham, Inglaterra. A entidade promove cirurgias reparadoras para sobreviventes no Paquistão.

Nunca será como antes
Naieema ficou sem traços reconhecíveis. Ela e a filha de cinco anos receberam tratamento psicológico por meio da Acid Survivors Foundation Pakistan (ASF-P), o que ajudou a menina a compreender e aceitar o que ocorreu com a mãe, relata o site da ASTI. A filha menor, 3 anos, não vive com elas - fica muito assustada com a aparência da mulher, atacada pelo sobrinho da primeira esposa de seu marido. Não bastassem as dores físicas, sobreviventes muitas vezes passam a ser marginalizados na sua comunidade.

"O modo como os outros, famílias e amigos, reagem e comentam sobre qualquer cicatriz ou desfiguração residual é muito importante. Pode fazer toda a diferença entre a aceitação ou a intolerância do paciente sobre sua percepção quanto à própria aparência. Todos podem ajudar ou atrapalhar nesse processo", avalia Hiles.

No momento em que o ácido é lançado, há vezes em que o alvo é uma criança. Mais comumente, elas acabam envolvidas por acaso, ao estarem no colo da mãe ou próximas. Elas não escapam de bullying na escola. "Parte da reabilitação é fazer os sobreviventes aceitarem que nunca será como antes. Tentamos fazer o que for mais confortável e o melhor possível, mas é difícil para eles", explica Fazil.

Falta de estrutura
Cirurgião plástico renomado, com clínica na luxuosa região de Mayfair, em Londres, Mohammad Jawad tomou conhecimento do drama dessas mulheres ao fazer trabalho voluntário no seu país de origem após o terremoto que atingiu o Paquistão em 2005.

"Não pude fugir das minhas responsabilidades, do fato que ainda sou um paquistanês, com fortes raízes. Meu povo precisa de algumas habilidades que adquiri e preciso compartilhar", contou o médico em entrevista ao Terra, logo após voltar de Los Angeles, onde viu o documentário em curta-metragem Saving Face (que mostra sua atuação) receber o Oscar em sua categoria.

Naquele ano, Jawad aliou-se à Islamic Help. Desde que iniciou a campanha de cirurgias reparadoras, em 2005, a entidade realizou mais de cem procedimentos em cerca de 50 pacientes. As viagens da Inglaterra para o Paquistão ocorrem a cada três meses, e as operações são feitas em hospitais parceiros em Karachi e na capital, Islamabad, explica Fazil.

Falta de infraestrutura, medicamentos, recursos e material cirúrgico são os principais desafios - tenta-se fazer o melhor com o que se tem disponível. Além disso, há uma preocupação em treinar médicos locais para o procedimento nesses casos.

"Já tivemos algumas experiências com cirurgiões ocidentais, acostumados aos melhores equipamentos, mas que, em um país em desenvolvimento, não sabem improvisar. O que criamos com os médicos é sempre um elemento de treinamento, habilidades que serão transferidas para outros cirurgiões, porque alguns desses tratamentos nunca foram feitos nesses países", observa o diretor.

Agora, a Islamic Help soma esforços com a ASTI - que tem a ASF-P como parceiro local. Antes restrito à sala de cirurgia, a ação da ONG com sede em Birmingham pretende reintegrar as pacientes à comunidade por meio de oportunidades de trabalho.

A ASTI, por sua vez, já trabalha com um programa integral de apoio às sobreviventes, tratamento médico, suporte legal, educação e treinamento, além de atuar para reduzir o número de ataques. Presidente da entidade e fundador do parceiro local em Bangladesh, John Morrison afirma que o número de ataques naquele país sofreu uma redução de 500 em 2002 para cem nos últimos anos, e segue em declínio. A ASTI e seus parceiros já ajudaram mais de 3 mil pacientes em cinco países (Bangladesh, Cambodia, Uganda, Paquistão e Nepal).

Fonte: Especial para Terra
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