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Oriente Médio

"Nunca imaginei que tantos morreriam na revolução", diz sírio

15 mar 2012 - 14h47
(atualizado em 10/5/2013 às 15h29)
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Um ano após o início do levante popular, no dia 15 de março, dois sírios voltaram a falar com o Terra sobre seus dramas, o que mudou desde então e o que esperam da revolução na Síria, cada vez mais próxima de uma guerra civil.

"Sabia que seria difícil, mas a violência fugiu ao controle dos dois lados", conta Fezzo no balanço do um ano de conflito
"Sabia que seria difícil, mas a violência fugiu ao controle dos dois lados", conta Fezzo no balanço do um ano de conflito
Foto: Tariq Saleh / Especial para Terra

Os sírios Mohamed Fezzo, 32 anos, e Jamil Saeb, 35, eram pessoas comuns quando viraram ativistas depois que os habitantes de várias cidades na Síria foram às ruas protestar contra o governo há um ano. Quando os encontrei, naquela tarde quente de julho em Antakia, no sul da Turquia, a "revolução" já durava quatro meses e não havia sinais de que os protestos pacíficos até então teriam o adicional de conflitos armados entre tropas do governo e milícias da oposição, hoje o conhecido Exército Livre da Síria.

"Nunca imaginei que tantas pessoas morreriam na revolução. Sabia que seria difícil, mas a violência fugiu ao controle dos dois lados", disse Mohamed Fezzo, por telefone, do vilarejo turco de Guvaçi, na fronteira com a Síria.

Na época, com quatro meses de protestos, cerca de 2 mil pessoas já haviam morrido devido à repressão do governo contra os manifestantes. Hoje, segundo a oposição síria e agências humanitárias internacionais, são cerca de 9 mil os mortos. O governo sírio alega que combate "terroristas e gangues armadas" e que mais de 2 mil membros de suas forças de segurança já morreram.

"Na época, achávamos que poderíamos derrubar o regime com protestos pacíficos e chamando a atenção da comunidade internacional. Acho que éramos ingênuos, não sabíamos da dimensão e importância da Síria dentro do jogo de interesses na região", salientou Jamil Saeb.

Vivendo no limbo

Não era difícil chamar a atenção da mídia internacional naquele verão do ano passado no sul da Turquia. Com o acesso de jornalistas estrangeiros sendo restringidos pelo governo sírio e as rotas ilegais à Síria ainda muito vigiadas pelo Exército, a única possibilidade era rumar para fronteira turca.

Na época, mais de 10 mil refugiados recém haviam fugido para a Turquia após as tropas do governo tomarem cidades do norte da Síria. Os dois, Fezzo e Saeb, estavam entre eles e logo começaram a ajudar aqueles que precisavam de comida, medicamentos e outras necessidades. "Éramos ativistas pró-democracia e agentes humanitários ao mesmo tempo. Não éramos profissionais em nenhuma das duas áreas, mas fazíamos o que estava ao nosso alcance", falou Saeb.

O sul da Turquia era a grande notícia para os jornalistas: refugiados, ativistas e alguns desertores do exército sírio, que buscaram refúgio em pequenas cidades ao longo da fronteira turca. Esses mesmos desertores, muitos oficiais, formariam o Exército Livre da Síria para combater as tropas governamentais e que, hoje, abriga os comandantes mais graduados do grupo.

Um ano depois, Mohamed Fezzo contou que os refugiados foram esquecidos e vivem, hoje, em uma espécie de "limbo". "O governo turco tenta controlar tudo que entra e sai dos campos de refugiados, e dificulta a entrada de jornalistas".

Para Saeb, com a militarização do levante popular antigoverno na Síria, o foco passou a ser o conflito e jornalistas passaram a se preocupar em ter acesso ao território sírio. Ele explica que, hoje, jornalistas vão ao sul da Turquia para se encontrar com líderes militares da oposição e rumam para o lado sírio usando rotas de contrabando ou das milícias.

"Claro que isso é importante, estar lá dentro, ver de perto o que está acontecendo em cidades como Homs e Idlib. Mas os refugiados foram esquecidos, tanto pelo governo turco quanto pelo resto da comunidade e mídia internacionais", disse.

Saudade

Na vida de Mohamed Fezzo pouco mudou em relação ao ano passado. Na época, sua esposa e seus dois filhos pequenos haviam acabado de deixar a Síria para se juntarem a ele na Turquia. Naturais da pequena cidade de Kherbet al-Loz, no norte sírio, a família mora em Guvaçi, na fronteira, de onde Fezzo continua olhando a Síria do alto de uma colina e ajudando ativistas, que chegam da Síria trazendo informações para serem repassadas à mídia e organizações de direitos humanos.

"Optei por continuar meu trabalho de ativismo, não acho que eu tenha a coragem para entrar no exército rebelde e lutar contra tropas do governo. Ainda acredito na queda do regime e não desistiremos", enfatizou.

Para Saeb, o conflito que cresce na Síria é motivo de muita preocupação, já que há alguns meses o objetivo era a derrubada do governo e a união dos diferentes grupos para um processo de transição. "Sinceramente, já não sei mais o que pensar. Me preocupa essa divisão na oposição de forma política. E me preocupa a falta de comando central do exército rebelde. O futuro é incerto agora pra Síria. O único objetivo que continua é derrubar Bashar al-Assad e seu regime".

Tanto Fezzo quanto Saeb tiveram que fugir às pressas da Síria há um ano, com medo de serem presos e torturados pela polícia secreta do governo. Os dois têm histórias parecidas, de ativismo, de medos, de superação. Mas diferem em apenas uma coisa: Fezzo tem a companhia de sua esposa e filhos.

Quando me despedi de Saeb no verão do ano passado, ele lamentava a saudade que sentia de sua namorada Alia, que morava em Latakia, na costa da Síria, também sua cidade natal. Os pais dela eram a favor do presidente Assad e eram contrários ao namoro dos dois. Apenas alguns telefonemas escondidos aplacavam a dor de não estarem juntos. As palavras da namorada, que dizia sentir orgulho de Saeb, o deixava mais forte para seguir em frente.

"Um ano depois, continuo sem vê-la, falamos pouco, ainda menos do que antes. Sinto demais a falta dela. Mas, talvez, isso seja secundário diante de tanta morte, violência e destruição na Síria. Ainda tenho fé que vou reencontrá-la".

Fonte: Especial para Terra
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