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América Latina

Colômbia desconhece nº exato de sequestrados civis pelas Farc

28 fev 2012 - 08h32
(atualizado às 09h03)
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Leandra Felipe
Da BBC Brasil

O tabelião colombiano Vladimiro Bayona não vê o filho, Alexander, há quase 12 anos. O estudante tinha 24 anos, em março de 2000, quando foi sequestrado pelas Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc). Ele estava em uma fazenda próxima à sua universidade em Palmira, cidade no sudoeste do país, onde estudava Engenharia Ambiental.

"Alexander e seu colega de curso, Alberto González, estavam fazendo uma atividade da faculdade e foram levados pelas Farc. Oito dias depois, a guerrilha enviou uma carta para a universidade pedindo a construção de uma ponte para que os dois fossem liberados", conta o pai de Alexander.

Vladimiro Bayona conta que a ponte seria usada para transporte de suprimento para a guerrilha. Depois desse primeiro comunicado enviado à universidade, ele só teve notícias do filho um ano e meio depois, quando conseguiu falar com um comandante das Farc que havia sido preso.

"O guerrilheiro disse que meu filho estava vivo, mas que a universidade não havia construído a ponte e por isso eles não o libertaram. Então, o comandante me aconselhou a ir até lá, no acampamento, para resgatar meu filho. Não fui porque tive medo, achei que iam me sequestrar também. Isso já faz nove anos e não tive mais notícias", lamenta Bayona.

Enquanto o país espera o cumprimento da promessa do grupo armado de libertar os dez policiais e militares que ainda são seus reféns, os familiares dos sequestrados civis reivindicam providências em relação a esse tipo de vítima.

"Aqui na minha cidade há muitos sequestrados civis. Eu tenho três amigos com filhos sequestrados em épocas diferentes, em 2004 e 2007. Só que essa gente não aparece nas listas do governo. Por isso, nós temos medo de que fiquemos completamente esquecidos depois que liberarem os militares", desabafa Bayona, que vive hoje em Barbosa, cidade no departamento de Santander.

Após o anúncio das Farc de que liberariam os dez reféns e de que abririam mão da prática de sequestros extorsivos, a sociedade colombiana e organismos internacionais começaram a pedir ao grupo armado informações sobre os sequestrados civis. "Queremos que as Farc enviem a informação detalhada e provas de vida destes civis mantidos em seu poder", declarou Jordi Raich, delegado da Cruz Vermelha Internacional no país.

Números incertos
Atualmente as Farc não têm reféns políticos, mas além dos militares que devem ser libertados, o grupo mantém um número desconhecido de civis capturados para extorsão.

O governo colombiano e organizações da sociedade civil apresentam números diferentes sobre a quantidade de pessoas que ainda estão em poder da guerrilha. Algumas ONGs falam em cerca de 450 e o governo divulga que haveria cem civis em poder da guerrilha.

"Na verdade ninguém tem certeza de quantos são os sequestrados vivos em poder das Farc. Também porque durante o governo do ex-presidente Álvaro Uribe, houve uma queda, em parte pela política mais repressora, de outro lado pela manipulação de dados", ressalta o professor Carlos Medina Galleno, que já publicou pesquisas sobre o tema dos sequestros. "Em 2009, noticiaram a queda de 88% na quantidade de sequestros com fins extorsivos. Podemos dizer que houve queda, mas não dessa magnitude."

Ele alerta que mesmo hoje os números apresentados pelo governo tendem a ser menores que os das organizações civis. "Há exageros em algumas ONGs e falta de transparência da parte do governo. É difícil chegar à verdade", crítica Medina.

Segundo os programas anti-sequestro do Ministério da Defesa colombianos, no ano passado foram registrados 298 casos do crime no país. Desses, 187 foram para fins de extorsão econômica. Cerca de 40% são atribuídos à delinqüência comum, 36% às Farc e ao Exército de Libertação Nacional (ELN), 4% às "bandas criminais" (cartéis de drogas, apelidados de "Bacrim" pelo governo) e a paramilitares. O governo também estima que 258 vítimas já foram soltas ou morreram em cativeiro, mas outras 40 continuam em poder dos grupos ilegais.

Economia das guerrilhas
Segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, o sequestro extorsivo vem sendo usado historicamente como fonte de renda dos grupos armados em ação no país, antes mesmo do envolvimento com o narcotráfico nos anos 90.

"No caso das Farc, sabemos que a prática começou ainda nos anos 60, pouco depois de seu início", avalia o cientista político Ricardo García Duarte, diretor do Instituto para a Pedagogia, Paz e Conflito Urbano da Universidad Distrital IPAZUD.

Ele explica que não é possível quantificar a importância do sequestro econômico na economia das Farc. García afirma que as Farc abandonaram a prática porque viram que o custo político e humanitário era maior que o lucro.

"Na lei que foi revogada do Estatuto da Guerrilha, o comando chamava o sequestro de 'imposto dos ricos', numa maneira de justificar politicamente uma simples forma de obter recursos", diz. E completa: "Só que eles enxergaram que o custo humanitário e político, a rejeição da opinião pública e a pressão do governo saíam mais caros que os lucros da extorsão".

O pesquisador finaliza dizendo que a guerrilha sempre procurou atividades e regiões lucrativas. E que, agora, as Farc estão encontrando novas formas de renda, como o roubo de gado, falsificação de posse de terras agrícolas para venda e a mineração.

"Embora o narcotráfico seja a maior fonte de recursos, a mineração vem despontando. As Farc agem em duas frentes, assim como no caso do narco. Em uma, cobram impostos ou permissão para que as mineradoras, pequenas ou grandes, atuem em certa região. Na outra, eles mesmos estão explorando ilegalmente a atividade", comenta o analista.

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