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América Latina

Argentina: analistas dizem que acidente foi tragédia anunciada

23 fev 2012 - 14h59
(atualizado em 24/2/2012 às 15h20)
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Um dia depois do acidente de trem que deixou 50 mortos e mais de 700 feridos em Buenos Aires, aumenta a indignação na Argentina pelas condições da rede ferroviária do país e pela falta de controle do governo sobre as empresas concessionárias do transporte.

O trem acidentado pertence à rede administrada pela TBA, propriedade dos irmãos Claudio e Mario Cirigliano, um dos grupos de transporte mais poderosos do país, relacionados pela imprensa local com o ex-secretário de Transporte Ricardo Jaime, investigado por corrupção.

A justiça investiga as circunstâncias do acidente e as possíveis causas, enquanto aumenta a polêmica sobre a necessidade de apurar responsabilidades para evitar que a tragédia se repita no futuro.

O comboio havia estado dois meses parado por problemas técnicos, segundo dirigentes sindicais, tinha entre 40 e 50 anos de uso, transportava cerca de 1.500 passageiros e, como é habitual na rede ferroviária de Buenos Aires, fazia seu percurso com várias portas abertas, segundo testemunhas.

Uma situação comum para os usuários da ferrovia argentina, acostumados a trens desvencilhados, sem portas ou sem guichês, sujos, velhos e, com frequência, com deficiências técnicas.

Nem sempre foi assim. A Argentina chegou a ter uma das melhores redes ferroviárias latino-americanas, mas as privatizações maciças do governo de Carlos Menem (1989-1999) desmantelaram o sistema público de transporte e deixaram a rede nas mãos de empresas privadas que recebem suculentas subvenções.

"Nas privatizações está a essência desta tragédia", denunciou o economista Leopoldo Markus, partidário de apontar responsabilidades aos sucessivos governos argentinos pela falta de controle sobre as empresas privadas e os subsídios.

"Sem investimentos colocamos o usuário em perigo. Não funciona o sistema de controle", ressaltou o dirigente da União Ferroviária, Rubén Sobrero. Sobrero divide a responsabilidade entre as empresas privadas e o Executivo porque "ninguém neste governo pode dizer que desconhece a realidade".

"Desde o momento em que uma formação sai com as portas abertas, todos os dias milhares de pessoas viajam com risco de morte", alertou o ex-promotor Eduardo Mondino. Segundo sua opinião, "isto não é um acidente, tem responsabilidades políticas e funcionais".

No meio da polêmica, Roque Cirigliano, da empresa TBA, afirmou hoje que o trem "estava em boas condições" e não descarta que o acidente tenha sido causado por um "erro humano" dado que "é pouco provável que fique sem freios".

Cirigliano esteve na estação Once, local da tragédia, no coração de Buenos Aires, e teve que sair rapidamente no meio da indignação generalizada dos passageiros.

Para o auditor geral da Nação, Leandro Despouy, "estão dadas as condições para que o Estado possa proceder a rescisão da concessão" da TBA, porque o acidente foi "consequência direta do descumprimento de normas básicas".

Despouy, em declarações à Radio Continental, lembrou que a Auditoria Geral da Nação realizou em 2008 um relatório sobre "as deficiências que apresentava o serviço" nessa linha e afirmou que "a situação era desastrosa", especialmente as condições do sistema de freios. Desde então, denunciou, o estado dos trens da linha Sarmiento "não mudou mais para evitar este tipo de situações".

As críticas atingiram também o governo de Cristina Fernández de Kirchner, e muito especialmente o secretário de Transportes, Juan Pablo Schiavi, que horas depois do acidente declarou que a tragédia foi mais grave pelo costume dos argentinos de viajarem nos primeiros vagões. "As pessoas não eram responsáveis por estarem ali, apertadas (...). A gravidade da tragédia é que ela estava anunciada", respondeu nesta quinta-feira o jornalista Ricardo Kirchbaum em um artigo no jornal Clarin.

Familiares consultam lista com o nome das vítimas do acidente de trem
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Foto: EFE
EFE   
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