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Ásia

Crimes de honra e justiça tribal ainda vigoram na Índia

18 fev 2012 - 10h10
(atualizado às 10h15)
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"Um rapaz que se casa sem permissão familiar não faz isso por amor, mas por desejo sexual. Que o faça, mas não em nosso povoado", disse à Agência Efe o chefe do maior e mais antigo tribunal de casta da Índia, um país onde os crimes de honra e justiça tribal ainda vigoram.

Na região agrícola de Haryana, no noroeste do país, as castas camponesas "jat" mantiveram durante séculos um sistema de conselhos rurais que se dedicam a praticar a justiça alheia à polícia e aos tribunais e reivindicam uma legitimidade paralela.

Porém, suas decisões se baseiam em tradições que aos olhos do judiciário indiano e da imprensa urbana são consideradas inaceitáveis, como os "crimes de honra", a proibição de casamentos entre pessoas do mesmo povoado e exílio para quem descumprir as leis.

O septuagenário Randhir Singh é o chefe do "khap panchayat" ("conselho de casta") de Meham, o "Chaubisi Ka Chabutra" ("Palanque dos 24"), uma congregação nascida há séculos para proteger 24 povoados em caso de guerra ou agressões militares.

Com o tempo, mais aldeias foram incorporadas à organização, que hoje é a maior da Índia e que para os "jat" funciona como um Tribunal Supremo, com a particularidade que seus conselhos auxiliam até cinco mil pessoas e que não há lei escrita.

No rígido e hierárquico sistema hindu de castas, ainda muito presente nas zonas rurais, a tradição manda que o casamento seja arranjado pelas famílias dos noivos, que levam em conta fatores tanto sociais como econômicos e religiosos.

As regras "jat" sobre o casamento estão entre as mais duras da Índia, e se baseiam em um complexo sistema de linhagens, os "gotras", que são 2.700 insígnias que marcam os descendentes de um suposto e distante antepassado comum.

Cada pessoa é portadora de um "gotra", e para os "jat" casar-se com alguém da mesma linhagem equivale ao incesto: "Para nós, o gotra é o sangue! Quando alguém não respeita estes princípios, o que faz é sujar a sociedade", exclamou.

Mas Singh e seus ajudantes negam a maior acusação: "Não somos nós que matamos. Quando duas pessoas se casam por amor, a família da moça se sente desonrada e decide matar o casal. Eles matam, não nós", se defendeu o chefe, vestido com um gorro de lã e um xale grande.

De vez em quando, os jornais indianos publicam algum caso de assassinato de um casal por razões relacionadas ao sistema de "gotras", mas também por casamentos entre castas diferentes ou, simplesmente, porque os noivos eram do mesmo povoado, o que também é proibido.

"Ninguém pode devolver-lhes a vida, então é melhor deixar em paz a família que comete um crime de honra. Um conselho ''khap'' somente imputaria uma multa financeira aos assassinos ou um trabalho social, como uma doação a um estábulo de vacas ou um hospital", disse Singh.

"O namoro é uma coisa da cultura ocidental. Isto não existe na cultura hindu. Aqui temos relações puras", continuou.

Os chefes tribais criticam ainda o críquete - "um passatempo inglês para marajás" -, a roupa apertada - "quanto mais pele é vista, mais casos de estupros" - e o telefone celular - "é preciso restringir seu uso, porque há quem o utilize para encontrar uma menina em um motel".

Também ressaltam que sua existência expõe os graves defeitos da justiça e da polícia indianas, frequentemente acusadas de não responder com eficácia e rapidez às necessidades da população, principalmente entre as camadas mais pobres.

Nas cortes indianas há pendentes milhões de casos sem resolução, e, segundo Singh a polícia em Haryana costuma ser corrupta e assediar as pessoas que recorrem a ela.

"Nos tribunais as testemunhas são compradas. Quando há um assassinato em um povoado, nem você nem eu nem a polícia sabe o que aconteceu. Mas os aldeões sabem. Para nós ninguém mente e sempre chegamos a uma conclusão", afirmou o "pradhan".

A Corte Suprema indiana declarou em 2011 que a atividade destes "khaps" era ilegal, mas a mesma instituição contribuiu com dinheiro para a construção de um local onde os aldeões podem se reunir para dar seus próprios vereditos.

Trata-se de uma pequena praça de mármore próxima à estrada, protegida do sol por duas árvores, ao lado de um lago seco junto ao qual pastam algumas vacas, onde no dia anterior a esta entrevista, os representantes dos povoados se reuniram para resolver um assassinato.

A polícia? "Quando alguém vem até nós, o primeiro que pedimos é que retire a denúncia, se existe, perante as autoridades. As pessoas que vem até aqui estão fartas da justiça oficial. Se os tribunais funcionassem bem, não receberíamos nenhum caso", comentou Singh.

Há pouco tempo, lembrou, teve que julgar um homem que se negava a acolher a nora em sua casa. "O que fizemos foi decretar que todos o ignorassem, inclusive não o convidassem para fumar cachimbo. Não demorou nem um dia para pedir perdão e aceitar a menina", contou.

EFE   
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