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Estados Unidos

EUA: objetos pessoais documentam história de imigração ilegal

21 jan 2012 - 10h01
(atualizado às 10h14)
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Sapatos, mochilas, fotografias e outros objetos abandonados por imigrantes ilegais no deserto meridional dos Estados Unidos foram recopilados por uma equipe de antropólogos para documentar a difícil travessia que eles sofrem antes de chegar ao país.

"Esses objetos não são lixo para mim, fazem parte da história das grandes migrações", diz o professor Jason de León, da Universidade de Michigan, também diretor do Projeto de Migração Indocumentada.

Desde 2008, León e sua equipe conseguiram colher 10 mil objetos que, segundo ele, "são uma parte do patrimônio dos Estados Unidos e também do México, importante para os americanos entenderem a história de imigração dos mexicanos".

"O que eu queria é mostrar aos americanos como é o deserto, como é a caminhada e também os rostos das pessoas, os nomes, as experiências, que para a maioria são horríveis", explica o pesquisador.

Aproximadamente 1 milhão de imigrantes tentam a cada ano atravessar a fronteira no sul do Arizona, dos quais 90% são mexicanos e o restante provêm das Américas Central e do Sul. Além disso, calcula-se que cerca de 200 pessoas morrem por ano na tentativa por causas diversas, entre elas de frio.

É algo que, para este americano, de origem mexicana e filipina, não deveria passar despercebido. Por isso, após trabalhar vários anos como arqueólogo em Veracruz e em Jalisco (México), ele sentiu que deveria fazer algo por uma história que não lhe era alheia.

Durante as escavações no México, ouviu as histórias de alguns dos trabalhadores ajudantes nas tarefas de campo sobre como haviam imigrado aos EUA ou sobre suas intenções de fazê-lo. "Me relataram como se sofre no deserto, as coisas pelas quais passam", disse León, que pensou que, após muitos anos dedicado à arqueologia, queria mudar de tema de investigação.

Quando voltou à Universidade de Washington, em Seattle, onde dividia classes antes de iniciar o projeto e viu refletidas as histórias que lhe tinham contado no livro The Devil's Highway, viajou ao deserto para conhecer de primeira mão o que sucede.

Acompanhado de Robert Kee, membro da organização Samaritans que presta assistência humanitária e sanitária aos imigrantes que cruzam o deserto de Sonora (Arizona), encontrou os primeiros restos. "Foi para mim muito difícil porque é muito emotivo, ver coisas como sapatos de crianças, roupa suja, que às vezes tem marcas de sangue, de suor, são coisas muito difíceis de ver".

Nascido na Califórnia, viveu no sul do Texas, na fronteira com o México, no vale de rio Grande e conhece muito bem a odisseia da imigração. León considera que, de uma perspectiva científica, havia carências na documentação escrita até agora e, por isso, se fixou o objetivo de colher dados sobre o fenômeno social do cruzamento de fronteiras "utilizando a lente da antropologia para criar uma janela à realidade deste processo".

Para ele, as histórias das pessoas que cruzam a fronteira sul dos Estados Unidos são comparáveis às daqueles que atravessavam o Atlântico rumo ao país há um século, e a necessidade que os motiva a fazê-lo é mais poderosa que "um muro ou tecnologias de vigilância".

"Embora os políticos falem muito sobre imigração e muitas pessoas tenham opiniões muito fortes sobre a fronteira, a maioria não sabe nada sobre imigração ou como é a experiência. Não sabem como se sofre", lamenta o arqueólogo.

Entre os objetos encontrados também figuram documentos como certidões de nascimento, licenças de motorista e passagens de avião, mas nesses casos tentar enviá-los ao México para que sejam devolvidos a seus donos ou aos familiares.

O mais doloroso são as fotos e cartas pessoais e, por enquanto, as famílias ainda não tiveram contato direto com elas. "Não estou preparado", reconhece León. "Talvez no futuro".

A coleção interessou a instituição cultural americana Smithsonian. Espera-se que a primeira exposição seja realizada no Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México. León também promove pesquisas de campo em junho e julho para que os estudantes, utilizando métodos de arqueologia, possam colher objetos, configurar mapas do deserto e investigar mais sobre uma parte da história recente pouco conhecida.

EFE   
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