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Europa

Filho de mafioso entrega o pai para poder mudar de vida

16 dez 2011 - 07h10
(atualizado às 08h05)
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Quando Frank Calabrese Jr. era criança, em Chicago, nos Estados Unidos, não sabia o que o pai fazia para viver. Se perguntava, o pai dizia, "Diga que sou engenheiro".

Na verdade, Frank Calabrese, o pai, era um dos mais famosos mafiosos do país e viria a ser condenado por 13 assassinatos. Aos poucos, Calabrese Jr. foi sendo envolvido nas atividades do pai. Até decidir, já casado e pai de dois filhos, que não queria mais ser um criminoso.

Ele se tornou informante do FBI e, secretamente, gravou depoimentos do pai confessando seus crimes. Hoje, Calabrese, o pai, cumpre pena de prisão perpétua em uma cadeia americana. E o filho tenta reconstruir sua vida, consciente de que viverá para sempre com as consequências de sua difícil decisão: entregar às autoridades o pai que diz ainda amar.

Em entrevista ao programa Outlook, da BBC, Calabrese Jr. falou sobre sua jornada, descrevendo como foi aos poucos, ainda criança, envolvido nas atividades do pai.

Lições de crime

"Ele começou a fazer pequenos testes comigo", disse Calabrese Jr. Um dos testes foi pedir ao menino que lavasse seu carro. Júnior encontrou dinheiro escondido sob o tapete no carro e contou ao pai, que respondeu: "Você pegou algum dinheiro?". "Não", foi a resposta. Júnior calcula que passou naquele teste.

Outros testes se seguiram. O pai lhe pedia que fizesse pequenas tarefas para ele. "Eu pensava: Meu pai não me pediria para fazer algo que fosse errado". Gradualmente, Júnior disse, começou a gostar daquilo.

Um dia, o pai lhe pediu que matasse uma pessoa. O homem era um outro mafioso que trabalhava para o pai. O relacionamento não ia bem e Calabrese pai decidiu que o comparsa tinha de morrer.

Júnior disse que não questionou a posição do pai e estava pronto para cumprir a ordem. Mas seu tio, também mafioso, tentou dissuadi-lo. "Meu tio estava tentando me dizer, olha, uma vez que você cruza essa linha, você está dentro e não vai sair nunca mais", contou. "Aquele dia foi o começo da virada para mim. Me dei conta de que meu tio estava tentando salvar minha vida."

O tio acabou convencendo Calabrese pai a deixar que ele próprio matasse o comparsa. O percurso de Júnior para longe do crime, no entanto, seria longo.

Sem saída

"Quando eu era jovem, meu pai era um ótimo pai. Mas quando ele entrou no radar da máfia, começou a mudar. Ficou violento e cada vez mais paranóico. Isso começou a afetar o relacionamento da família".

O nascimento do segundo filho de Júnior foi outro marco importante. Ele decidiu em seu íntimo que não queria a vida de criminoso. "Eu não queria ganhar a vida enganando e ferindo as pessoas". Mas ele não sabia como sair das garras do pai.

Tentou conversar com o pai, disse a ele que queria arrumar um emprego e mudar de vida. "Mas meu pai nunca aceitava um não".

Viciado em drogas, Júnior decidiu formar sua própria operação criminosa. Com dinheiro que roubou do pai, decidiu abrir dois restaurantes e, com os lucros, financiar suas operações de tráfico.

Ele explicou que tinha a intenção de devolver o dinheiro. O pai, no entanto, descobriu o furto e passou a controlar seus movimentos, dizendo: "Agora eu sou seu dono".

O relacionamento entre pai e filho foi ficando cada vez mais difícil. Um dia, o pai o convidou para um café. "Pensei, ôba, esse é o pai legal. É que a essa altura, eu já tinha percebido que meu pai tinha duas ou três personalidades e eu nunca sabia com quem eu estava falando".

Mas o convite era uma armadilha. Em uma garagem escura, Calabrese pai colocou uma arma no rosto de Júnior. "Prefiro você morto do que me desobedecendo".

Convencido de que ia morrer, Júnior disse ter pensado em seus próprios filhos, que ficariam órfãos. Começou a chorar e suplicar: Calabrese não matou o filho, mas de volta ao caminhão, esmurrava seu rosto continuamente. "Eu estava dirigindo, meu rosto estava todo inchado mas eu nem sentia a dor. Não sabia o que fazer".

Prisão

Calabrese Jr. disse que, naquele momento, não era uma vítima. "Eu fiz coisas más, naquele ponto eu era igual a ele, andando por toda parte com uma arma no bolso. Então, decidi que queria ir para a prisão. Precisava da prisão porque precisava de uma mudança".

Para Júnior, a prisão oferecia a chance de um recomeço. Filho e pai foram condenados por chantagem. Antes de irem para a cadeia, no escritório do advogado, fizeram um pacto. Calabrese pai pediu que o filho abandonasse as drogas. Júnior declarou sua intenção de deixar o crime, pediu que o pai saísse da máfia ou que ao menos autorizasse sua própria saída.

"Na prisão, refleti profundamente sobre todas as coisas más que havia feito. E fiz um plano: eu ia mudar". Júnior também decidiu que em vez de fugir do pai, iria encará-lo de frente e tentar trabalhar no relacionamento dos dois.

Júnior passou entre quatro e cinco anos na prisão. Mas durante um período de oito meses, ele e o pai ficaram presos na mesma penitenciária. Pai e filho passavam horas juntos e conversavam longamente. Júnior decidiu colocar seu plano em ação.

"Resolvi usar o que ele tinha me ensinado. Quando você conversa com alguém, tente pensar como a pessoa está pensando, saber o que ela sabe. Pergunte a ela coisas para as quais você já sabe a resposta. Dessa forma, você saberá se a pessoa está mentindo".

"Durante aqueles oito meses, ele mentiu continuamente", contou Júnior. Sem esperanças de que o pai jamais mudasse de comportamento, Júnior teve de fazer sua escolha. "Muitas vezes, você tem de tomar uma decisão e todas as alternativas são ruins".

"E as minhas alternativas eram: cooperar com o FBI, um pecado capital na minha vizinhança, ou esperar até nós dois estarmos soltos e enfrentar meu pai. Um dos dois sairia morto. Provavelmente eu, porque meu pai era muito bom nisso".

Informante do FBI

"Isso não tinha nada a ver com o FBI. Tinha a ver com a minha família. Eu queria fazer a coisa certa, mas precisava da ajuda do FBI porque não tinha como fazer isso sozinho".

O FBI instalou equipamentos de escuta no corpo de Júnior para gravar as conversas entre ele e seu pai. A operação era perigosa, disse Frank. "Eu não tinha dúvida. Se meu pai desconfiasse do que estava acontecendo, eu seria um homem morto".

O objetivo de Júnior era incentivar o pai a falar de seus crimes. "Ele só se abriu comigo porque tinha esperanças de que eu assumisse o controle da operação quando saísse da prisão - eu ia sair antes dele".

Aos poucos, Júnior foi gravando depoimentos onde o pai narrava, em detalhes, cada um dos 13 assassinatos que cometera. O método preferido de Calabrese pai - um homem não muito alto, de corpo troncudo, violento e muito inteligente - era estrangular a vítima e, depois, cortar sua garganta para garantir que estava realmente morta.

Hoje, Calabrese pai está preso em uma prisão-hospital de segurança máxima nos Estados Unidos. "Há 12 presos lá. Dez são terroristas, os outros dois são meu pai e um mafioso da costa leste".

Júnior, por sua vez, vive no Estado do Arizona. Usando seu nome verdadeiro, ele acaba de publicar um livro contando a história de sua vida.

Ele não tem medo de que alguém venha acertar as contas com ele?

"Não sou de fugir ou de ficar me escondendo. Eu trago meu pai em mim e vivo todos os dias com as consequências da minha decisão. Amo meu pai, mas não gosto do jeito dele. Sei que fiz a coisa certa, mas todo dia penso que gostaria que as coisas tivessem sido diferentes".

O livro de Frank Calabrese Jr., Operation Family Secrets (em tradução livre, Operação Segredos de Família) é lançamento da editora americana Broadway Books.

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