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América Latina

Chávez exalta religiosidade de olho na reeleição, dizem analistas

14 set 2011 - 06h29
(atualizado às 07h20)
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Desde que foi diagnosticado com câncer, o presidente da Venezuela Hugo Chávez incorporou a fé e a religião a seu discurso, mas para analistas ouvidos pela BBC Brasil, essa mudança de estilo responde a uma necessidade de recuperar popularidade.

Em suas escassas aparições públicas, a retórica de Chávez em defesa do socialismo tem cedido espaço ao misticismo. Especialistas afirmam que isto tem como objetivo a vitória nas eleições presidenciais de 2012, pleito no qual o presidente pretende ser reeleito.

"Com o favor de Deus, de nossos deuses indígenas, do manto da virgem e o espírito da savana, esse câncer não voltará nunca mais", disse Chávez durante um ritual indígena, realizado no último sábado no palácio de governo para, segundo os xamãs venezuelanos, curar o "grande cacique".

A Venezuela é um país de maioria católica, mas com forte crescimento no número de evangélicos - os venezuelanos também mesclam cultos africanos e indígenas em suas celebrações espirituais.

Em meio a essa diversidade, Chávez participou de um de um ritual africano, com tambores e cantos por sua recuperação. Ele também viu mais de cem jovens rasparem a cabeça em um ato ecumênico católico-evangélico em demonstração de "sacrifício a Deus", em troca da recuperação do presidente.

Para o analista político Nicmer Evans, professor da Universidade Central da Venezuela, a utilização da fé e do misticismo venezuelano é parte de uma estratégia eleitoral. "Chávez apela à fé para manter a conexão com a população, vínculo que se viu afetado por sua ausência no cotidiano", disse Evans à BBC Brasil.

Chávez, que acostumou a população à sua presença quase que diária na televisão e em atos públicos, teve de sair de cena em junho, para realizar o tratamento médico contra o câncer.

Prato principal

De família católica, Chávez - que foi coroinha de Igreja quando criança - nunca escondeu seu lado religioso vinculado ao cristianismo. Em consequência do câncer, o que mudou foi a "dose" de espiritualidade, na opinião do diretor da consultoria Datanalisis, Luis Vicente León.

O analista afirma que a cultura místico-religiosa durante o governo Chávez sempre existiu, porém, "sempre foi o tempero, não o prato principal".

"Agora, o prato principal, que era essa presença praticamente onipresente na comunicação desaparece, e ele (o presidente) tem de buscar um compensador místico-religioso para preencher esse vazio, que não é de poder, e sim, um vazio de Chávez", disse.

Em julho, durante uma missa em que recebeu a unção dos enfermos, Chávez - que mantém uma tensa relação com a hierarquia da Igreja católica - disse sentir-se "o coroinha que sempre fui" e leu trechos da Bíblía durante a cerimônia.

Neste mesmo período, Chávez prometeu entregar US$ 22 milhões para a construção de um templo católico, no Estado de Táchira, com capacidade para quase 30 mil pessoas.

Milagre

Nessa terça-feira, o presidente anunciou que se prepara para um quarto e talvez último ciclo de tratamento com quimioterapia e disse esperar estar "plenamente" recuperado da doença.

Parcialmente fora da cena política desde julho, Chávez admitiu, no entanto, que não poderá percorrer o país com o mesmo vigor colocado nas campanhas anteriores.

"Chávez recuperado, já como candidato, recorrendo o país, no ritmo que imponha as circunstâncias, mas também utilizando ao máximo a tecnologia que temos", disse o presidente.

Para Luis Vicente León, em uma campanha tão decisiva como as eleições presidenciais de outubro do próximo ano, "quanto mais místico, mais espiritual for o entorno do presidente agora, mais mágico será seu retorno".

"Chávez prepara o cenário da ressureição e envolve a todos seus simpatizantes (que rezaram por ele) no milagre", disse o especialista.

Popularidade

De acordo com pesquisas de opinião realizada pela consultoria Hinterlaces, a popularidade do presidente venezuelano aumentou nos últimos meses, ao atingir 58% em setembro.

Este índice contrasta com a queda em sua aprovação que vinha sendo registrada, cujos indicadores flutuavam entre 44% e 48%. O pior indíce dos últimos anos foi registrado em março de 2010, quando apenas 37% dos venezuelanos diziam apoiar o presidente.

O câncer, a moderação do discurso - voltado à classe média e setores empresariais - e a tentativa de dar uma nova roupagem à gestão do Executivo com o lançamento de um mega projeto de construção de moradia popular teriam alavancado a popularidade do presidente nos últimos meses.

"Chávez diminuiu o volume ideológico e se favoreceu. Tem se comportado mais como um predicador que como um líder político", disse o analista Oscar Schemel, diretor da Hinterlaces.

Para esses especialistas, os pre-candidatos presidenciais da coalizão opositora, por sua vez, também acabaram "contaminados" pela onda religiosa vinda de Miraflores.

Na semana passada, pelo menos sete pré-candidatos participaram de atos de celebração de uma das santas padroeiras da Venezuela, a Virgem del Valle.

"Todos acabam amarrados no tipo de liderança de Chávez e tentam ser como ele", afirmou o analista Nicmer Evans. "Chávez, apesar da doença, continua influenciando a atuação de seus opositores."

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