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Europa

Padre combate máfia Ndrangheta com abrigo para deficientes

12 jul 2011 - 15h58
(atualizado às 16h08)
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Dom Giacomo Panizza é um padre de aparência frágil e muito discreto, mas é corajoso - uma qualidade que serviu a ele para conseguir que uma comunidade de pessoas portadoras de deficiência passassem a morar num prédio confiscado à temida máfia calabresa, a Ndrangheta, apesar das ameaças.

O edifício, de quatro andares, situado na estrada que leva ao aeroporto da cidade de Lamezia Terme, berço de várias "famiglias" da máfia calabresa, fica num lugar sem graça, insignificante.

Impossível imaginar que há nove anos alojava uma enorme sala de jogos, "Odisea 2000", um dos múltiplos negócios milionários do crime organizado, para lavar o dinheiro proveniente do tráfico de droga.

"É um edifício de construção ilegal, apesar de estar numa estrada importante", conta à AFP Don Panizza.

A batalha para ocupá-lo surgiu depois de o governo adotar, há 30 anos, na Sicília e em Campania, e mais recentemente na Calábria, una política para o uso dos bens confiscados aos mafiosos.

Tirado da "famiglia" Torcasio de Lamezia, o imóvel foi entregue em 2002 à prefeitura e, dois anos depois, à associação Projeto Sul de Don Panizza.

"A prefeitura pensou, primeiro, em instalar ali a polícia municipal, mas desistiu. Depois, fez uma proposta aos ciganos, que se negaram a participar", conta Nunzia Coppedé, paraplégica, e que está entre as primeiras pessoas a se mudar para o prédio, com sua cadeira de rodas.

"Dissemos a Don Panizza: se aceitar o desafio, vamos apoiá-lo", lembra ela, contando que, no começo, todos tinham medo.

As obras para adaptar as dependências para os portadores de deficiência também não foram fáceis de realizar: "ninguém queria fazê-las", lembra o religioso, que foi ameaçado e sabotado durante todos estes anos.

"Disseram que iam fazer explodir a casa com todos nós dentro", relata Nunzia, mencionando os danos provocados intencionalmente às caminhonetes da comunidade e as intimidações sofridas.

O padre, que enfrentou a Ndrangheta, autor de um livro sobre sua experiência, com prólogo do escritor Roberto Saviano, autor de "Gomorra", sobre o império econômico da máfia napolitana, vive sob escolta policial.

"Don Panizza conta com o apoio da polícia porque é importante que os bens da máfia sejam usados. É um sinal para que a população entenda que o Estado é mais forte que a máfia", comenta Maria Gaetana Ventriglia, subdelegada de Lamezia.

Além de alojar a comunidade, o edifício abriga várias organizações não governamentais, tem um apartamento para seis paraplégicos que vivem como em uma só família, um banco ético e uma cooperativa agrícola para mulheres.

No entanto, apesar dos "pesadelos" que o impedem de dormir algumas noites, o religioso está orgulhoso de ter dado um duro golpe à máfia com outras armas.

"O mais belo de tudo é que o consegui ao lado de pessoas muito frágeis, em cadeiras de rodas, desarmadas, pequenas e sem títulos, que se revelaram mais fortes entre os fortes", comenta.

Graças a seu exemplo, outras associações passaram a ocupar bens confiscados, fundando uma rede para combater a extorsão da máfia a comerciantes e empresários.

"São movimentos que devemos impulsionar, porque muita gente está presa à resignação e ao medo", sustenta Don Panizza, convencido de que a sociedade civil está despertando, também, na Calábria, como aconteceu na Sicília.

AFP Todos os direitos de reprodução e representação reservados. 
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