PUBLICIDADE

Oriente Médio

Embaixador: Turquia ocupa espaço político aberto pelo Ocidente

23 jun 2011 - 17h11
(atualizado às 17h26)
Compartilhar
Felipe Schroeder Franke
Moreno Osório

Consciente do seu papel histórico no mundo árabe, e cautelosa quanto à dinâmica do longo processo democrático, a Turquia vai, aos poucos, protagonizando importantes papeis na onda de protestos que, desde janeiro, abalam antigos regimes do Norte de África e do Oriente Médio. Para o embaixador brasileiro na Turquia, Marcelo Jardim, a Turquia escolheu uma "postura inicial de observação", mas isso não significa uma abstenção dos acontecimentos. Para Jardim, a Turquia se aproveita da sua proximidade cultural com os árabes e, em meio a um ambiente de descrédito das potências ocidentais, volta a ocupar um espaço de destaque na região.

Para Jardim, Turquia pode ocupar espaço aberto pelo descrédito do Ocidente no mundo árabe
Para Jardim, Turquia pode ocupar espaço aberto pelo descrédito do Ocidente no mundo árabe
Foto: AFP

Como o senhor enxerga a postura da Turquia ante a Primavera Árabe?

É uma postura inicial de observação, de acompanhamento. Por sua gravidade crescente, o caso atual da Síria - com a qual a Turquia tem uma longa fronteira, com mais de 600 km -, passou a impactar diretamente na segurança turca. Em função da repressão do governo sírio, sobretudo no oeste do país, milhares de cidadãos fugiram para a fronteira turca. A Turquia abriu suas fronteiras, instalou e preparou campos para abrigar refugiados, onde já estão mais de 10 mil pessoas. Istambul tem procurado dialogar com o regime de Damasco, procurando demonstrar a inviabilidade da repressão, pressionando pela realização de reformas que tenham caráter liberalizante. Até o momento, no entanto, sem grande sucesso.

A Turquia pode assumir um papel protagonista no mundo árabe, assumindo eventualmente um papel que era de países ocidentais?

Há um grande descrédito em relação aos países europeus e aos Estados Unidos. Há um espaço. E espaço na política, na diplomacia, nunca permanece por muito tempo desocupado. A Turquia, gradualmente, foi ocupando esse espaço, porque ela é um país onde 98% da população praticam o islamismo, e um país que tem estruturas democráticas sólidas.

A Turquia é um exemplo de democracia para a região?

O modelo turco de democracia, apesar de ser difícil de ser aplicado, tem sido estudado por muitos cientistas, autoridades de governo e parlamentares desses países árabes que foram alvo de manifestações expressivas em busca de liberdades políticas. A Turquia tem sido procurada como um modelo que pode servir de inspiração, que, com as adaptações necessárias em cada país, possa servir como um modelo a ser aplicado.

Alguns governos ocidentais já pediram explicitamente a queda de governos como o de Kadafi e de Assad. Isso é algo que podemos esperar da Turquia?

Eu tenho a impressão que não. Não é estilo. O que o governo turco atual tem feito é fazer sentir a estes governantes a importância de adotarem posturas mais flexíveis e mais liberais em resposta aos justos reclames de suas populações.

Em abril de 2010, Brasil e Turquia tentaram mediar uma solução para o impasse atômico entre o Ocidente e o Irã. Esse episódio pode ter minado o papel da Turquia na região?

Não, pelo contrário. O episódio terá inclusive ressaltado a importância da diplomacia. Em primeiro lugar, não foi propriamente uma mediação. O que houve foi um esforço das diplomacias do Brasil e da Turquia, junto ao governo do Irã, para destravar um impasse que surgia nas negociações sobre o programa nuclear iraniano, no âmbito da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea). Foram tomadas iniciativas de diálogo buscando encaminhar uma solução que pudesse convencer o governo iraniano a retornar à mesa de negociações, o que efetivamente foi obtido.

Até o início da Primeira Guerra Mundial, a área que hoje passa pela Primavera Árabe era possessão do antigo Império Otomano, do qual a Turquia é o Estado moderno remanescente. Esse passado imperial prejudica, hoje, a visão que os árabes têm sobre os turcos?

Não. A diplomacia turca tem sido muito atuante nestas antigas possessões do Império Otomano, mas, hoje, em dia, o que existe é que a Turquia procura desenvolver a sua ação diplomática nesses países, tanto no Norte da África como no Oriente Médio. Isso representa uma estratégia diplomática de exercer influência no entorno geopolítico. Como o discurso da diplomacia turca é um discurso de aproximação, essa tem sido uma postura que, longe de criar desconfianças, tem servido para realçar um certo protagonismo da diplomacia de Ancara junto às antigas possessões do império Otomano.

Isso seria o que é chamado hoje em dia de neo-otomanismo?

A expressão neo-otomanismo implicaria, digamos, uma conotação forte de busca de criação de esferas de influência. Não é esse propriamente o objetivo, até porque a diplomacia turca é competente o suficiente para se dar conta que qualquer ação mais forte em busca de influência, de exercer uma protagonismo, seria certamente rechaçada e tenderia a prejudicar, tanto no curto como no médio prazo, os objetivos de garantir estabilidade, segurança e paz, pelo menos na sua região mais imediata.

Fonte: Terra
Compartilhar
Publicidade