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Europa

Pelo sonho europeu, africanos viajam em contêineres de lixo

21 abr 2011 - 11h29
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Rafael Peña Soler
Da agência EFE

O desespero e a vontade de conquistar o sonho europeu empurram centenas de imigrantes a arriscar a própria vida para chegar à península. Ceuta é o ponto de partida em direção "ao novo mundo", mas se transforma no que eles denominam "uma prisão sem grades".

Autoridade espanhola detém imigrante; se não há infração não é possível mantê-lo preso, apenas identificá-lo
Autoridade espanhola detém imigrante; se não há infração não é possível mantê-lo preso, apenas identificá-lo
Foto: EFE

A estadia em Ceuta, à espera de resolver a situação irregular, empurra os imigrantes a idealizar fórmulas para sair o mais rápido possível desta cidade. Uma dessas maneiras é arriscar a própria vida escondido em contêineres de lixo para cruzar o estreito de Gibraltar. Há os que conseguem se esconder e outros, ao serem descobertos, são repatriados. É uma história quase diária.

Viagem a Cádiz entre resíduos urbanos

São 8h da manhã de um sábado no Monte Hacho de Ceuta, o dia nem bem amanheceu, o sol apenas está despontando no estreito. Nas imediações da planta de transferência de resíduos sólidos urbanos amontoam-se imigrantes subsaarianos escondidos nas áreas de florestas, escondidos para não serem descobertos pelas patrulhas da Guarda Civil que desde o início do ano aumentaram a presença na região.

Na manhã fria, dois imigrantes estão escondidos lado a lado. O objetivo deles é chegar ao velho continente. Diariamente, os contêineres de lixo são transportados de Ceuta a Cádiz para dar tratamento correto aos resíduos sólidos urbanos. Isso é necessário porque a cidade ceutense não tem local adequado para tratar o lixo.

Por este motivo, todos os dias, vários caminhões carregando contêineres saem de Ceuta em direção ao porto de Algeciras (Cádiz). A partir de lá seguem ao seu destino, uma planta de tratamento de Cádiz onde são destruídos.

Os imigrantes encontraram nestes caminhões um esconderijo perfeito para passarem despercebidos pelos controles que ficam cerca de quatro quilômetros à frente - no porto de Ceuta -, e são feitos pelas forças de segurança do Estado.

A viagem de contêiner é extremamente arriscada. Os aventureiros podem morrer esmagados pelo lixo, asfixiados pelo mau cheiro ou até triturados no momento da compactação dos resíduos. Qualquer das três hipóteses, entretanto, não assusta os dois imigrantes que naquele sábado estavam escondidos na montanha de lixo.

Tratava-se de Ibrahima Niang, 21 anos, do Senegal, e Michel Acalanto, 20 anos, natural de Camarões. Os dois entraram há cerca de três meses em Ceuta a bordo de uma balsa interceptada pela Guarda Civil antes de naufragar, por isso que conseguiram chegar ao Centro de Estadia Temporária de Imigrantes (CETI).

Tentativa frustrada
Ibrahima e Michel acabavam de completar o primeiro sonho. Atravessar a fronteira de Marrocos a Ceuta, mas agora resta o segundo passo: ultrapassar o estreito ilegalmente.

Os dois jovens têm perfis idênticos. Deixaram suas casas há três anos em busca de um futuro melhor. Ibrahima é natural da região de Louga (ao sul do país) enquanto Michel procede de Kribi, ambos são muçulmanos de religião e dizem que em seus respectivos países eram pescadores, mas que lá infelizmente não tinham "nenhum futuro", conta Ibrahima.

Em meio a pequenos risos e após comer cada um deles um pedaço de pão, os dois se despedem para iniciar a aproximação da unidade de recebimento de resíduos, da qual estão distantes pouco mais de cem metros. A tentativa é frustrada antes de chegarem à cerca que circunda a instalação, os dois foram vistos por uma patrulha da Guarda Civil.

Ibrahima e Michel fogem correndo, mas são interceptados e convidados a deixar o local. São 8h30 da mesma manhã e a tentativa, ao menos neste sábado, terminou. "Não vamos desistir, amanhã é outro dia", falam enquanto se afastam caminhando pela estrada.

A história de Ibrahima e Michel é similar a de outros imigrantes que nessa mesma manhã fizeram a mesma tentativa. Outros seis também foram rechaçados pela Guarda Civil.

Delegação do governo.
Apesar do esforço das autoridades, não há muito o quê fazer. Para o delegado do governo, José Fernández Chacón, é preciso intensificar a fiscalização na região. "Vamos continuar assim", declara à Agência Efe o agente sobre o fenômeno migratório.

Chacón conta o que faz para manter os controles de maneira aleatória na zona de acesso à planta e pelos locais onde os imigrantes podem entrar nas dependências. O policial diz que se o imigrante não cometeu infração não é possível prendê-lo, apenas identificá-lo.

A Guarda Civil diz que a maioria das pessoas que tentam fazer a arriscada travessia tem perfil comum. São jovens imigrantes com pouco tempo em Ceuta - menos de seis meses. Muitos tentam infiltrar-se por várias vezes, apesar de serem descobertos. "Há dias rejeitamos mais de 15", conta um integrante do instituto armado, quem revela que a maior parte destas pessoas é de Camarões.

Entre as motivações para arriscar a vida dessa forma, a Guarda Civil detalha, está o medo de uma repatriação para os seus países de origem, assim como os meses e meses que passam em Ceuta em meio à expectativa de saber se conseguirão chegar à Europa ou irão para um centro de internação e voltar aos seus países.

"Os resultados positivos de outros imigrantes que conseguiram embarcar e ligam dos celulares confirmando o sucesso da empreitada também os encoraja", diz o agente. Em grupos que variam entre três a cinco, os subsaarianos tentam entrar pelos fundos das instalações.

"Eles não têm medo de nada"
Em 28 de dezembro de 2010, um imigrante, o camaronês Paul Nlende, morreu porque estava escondido em um caminhão cuja carga tombou na saída da planta. Esta mesma cena de acidente envolvendo um caminhão se repetiu no início de março de 2011, mas os quatro subsaarianos que estavam no veículo conseguiram saltar a tempo e não se feriram.

Alguns dias depois, outros quatro imigrantes na mesma situação estiveram prestes a serem triturados, mas seus gritos desesperavam serviram de alerta e homens que trabalhavam na unidade conseguiram resgatá-los a tempo.

Essas histórias, no entanto, "não amedrontam quem está em busca do sonho europeu", conta um trabalhador da unidade de transferência. "A média é de entre oito e dez tentativas diárias de entrar em caminhões, eles não têm medo de nada", reconhece.

A empresa Urbaser, que administra o local, se viu obrigada a reforçar a segurança, mas nem com mais trabalhadores fiscalizando foi possível conseguir uma segurança eficaz.

Enquanto isso, Ibrahima e Michel retornam ao Centro de Estadia Temporária de Imigrantes (CETI) para comer. No domingo, com certeza, tentarão mais uma vez. Sabem bem o que ocorre e o que pode ocorrer, mas a vontade de sair de Ceuta é mais forte do que o temor de morrer na tentativa.

EFE   
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