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Mundo

Sem reformas, mudanças na Tunísia devem ser discretas

15 jan 2011 - 14h02
(atualizado em 17/1/2011 às 08h11)
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Tariq Saleh
Direto de Beirute

A renúncia do presidente da Tunísia, Zine Al-Abidine Ben Ali, nessa sexta-feira, foi um marco importante para o país do norte da África, mas as mudanças deverão ser discretas pois a elite dominante continuará no controle do país, disseram analistas ao Terra.

Uma série de protestos tomaram conta do país nas últimas semanas
Uma série de protestos tomaram conta do país nas últimas semanas
Foto: Reuters

Para eles, embora os protestos populares tenham um significado histórico em uma região onde prevalecem regimes autoritários e repressores, as mudanças só serão consumadas caso o governo provisório na Tunísia adote reformas que levem o país a uma democracia mais plena.

Para o jordaniano Mahjoob Zweiri, especialista em política no Oriente Médio da Universidade do Catar, os protestos na Tunísia foram uma novidade dentro do cenário político do mundo árabe. "Inegavelmente que devemos louvar a capacidade de um levante popular ter tirado um ditador do poder na Tunísia. Mas serão as próximas semanas ou meses que dirão se houve de fato uma revolução ou foi apenas algo passageiro".

O presidente da Tunísia, Zine Al-Abidine Ben Ali, renunciou após um mês de protestos contra o desemprego, a inflação e a corrupção no governo.Horas antes de deixar o país com sua família, Ben Ali, que estava no poder há 23 anos, dissolveu o governo e convocou eleições legislativas para dentro de seis meses em resposta à crescente turbulência no país. O anúncio da sua saída foi feita na TV estatal pelo primeiro-ministro, Mohammed Ghannouchi, que também declarou que assumia o poder para restaurar a ordem e a calma no país.

Candidatos
A onda de manifestações começou em dezembro, quando um jovem desempregado ateou fogo a si mesmo após ter sido impedido pela polícia de vender vegetais por não ter uma licença. Os protestos eram inicialmente direcionados contra o desemprego e o alto preço dos alimentos, mas depois passaram a representar a insatisfação popular com o presidente e com a elite governante.

Zweiri, no entanto, salienta que a elite dominante da Tunísia continuará cercando o poder, como o próprio primeiro-ministro, um aliado do ex-ditador Ben Ali. "Vários membros do governo ou possíveis futuros candidatos à presidência são do círculo do regime de Ben Ali", disse ele.

Relatos na mídia tunisiana listam três possíveis candidatos a liderar o país: o próprio primeiro-ministro, Ghannouchi; o até ontem ministro de Relações Exteriores, Kamel Morjane; e o líder opocisionista Najib Chebbi. "Chebbi é pouco conhecido fora do círculo de intelectuais e políticos próximos por causa do boicote da mídia imposto pelo governo. Ghannouchi simboliza o velho regime e não seria aceito pela oposição. Já Morjane talvez teria melhores condições pois já se declarou favorável a uma coalizão de unIão nacional", avaliou Zweiri.

O analista acredita que as reformas na Tunísia deverão ser lentas, pois a elite do país não abrirá mão de seu poder. No entanto, um novo governo terá que aprovar novas medidas econômicas e sociais para acalmar os anseios da população que foi às ruas e derrubou o presidente do país.

Mensagem clara
Imad Salameh, professor de Ciência Política da Universidade Libanesa Americana, disse ao Terra que a retirada de um ditador na Tunísia por um levante popular foi uma mensagem clara tanto aos outros regimes árabes, que certamente sentirão as repercussões entre suas populações.

"Aos governos autoritários da região, os acontecimentos na Tunísia foram um recado de que as massas no mundo árabe reacenderam um ativismo de décadas passadas, quando governos temiam a ira do povo. E o levante popular tunisiano poderá inspirar outros países na região em um futuro não tão distante", falou.

Salameh enfatizou que os tunisianos também mandaram uma mensagem aos países ocidentais, especialmente países europeus França e os Estados Unidos. Segundo ele, os governos ocidentais fecharam os olhos para a repressão e falta de democracia no mundo árabe. "Durante décadas, eles ignoraram o que estava ocorrendo na Tunísia, preferindo apenas falar em um país aliado na luta contra o extremismo e oportuno para negócios. Enquanto a elite tunisiana enriquecia, os resto da população sofria".

Para ele, a França passou por um grande constrangimento durante os protestos, já que Ben Ali era um aliado do governo francês e constantemente era elogiado por líderes do país e da Europa. "Os EUA também ignoraram os acontecimentos na Tunísia, como fazem com o resto do mundo árabe. E foram obrigados a fazer declarações constrangedoras de condenação quando viram que manifestantes estavam morrendo nas ruas".

Zweiri salientou que o recado maior dado ao Ocidente foi mostrar a hipocrisia da comunidade internacional, que foi rápida em condenar o governo do Irã na repressão aos protestos em 2009. "Naquela oportunidade, os países ocidentais deram apoio à oposição que protestava contra o regime iraniano. Mas quando a oposição na Tunísia era reprimida com tiros, alguns países como França e Estados Unidos se mantiveram silenciosos".

Tunísia enfrenta crise social e política

Desde as duas últimas semanas, a Tunísia vive uma tensão deflagrada nas ruas. Jovens e estudantes iniciaram protestos contra os altos índices de desemprego e falta de liberdade política, na maior onda de manifestações em décadas.

Em meio a pedidos de calma à população, o governo de Ben Ali anunciou o fechamento de universades e escolas. O exército também saiu às ruas para frear as manifestações, gerando confrontos com os manifestantes e um número ainda incerto de mortos, mas que poderiam passar de 50.

Críticos acusam o governo de corrupção e de usar a ameaça de grupos islâmicos e a necessidade de atrair investimentos estrangeiros como pretexto para manter políticas domésticas repressivas e violar os direitos civis básicos da população.

A crise social ganhou um novo episódio quando, nessa sexta-feira, o presidente Ben Ali abandonou o país, passando o controle do país para o Exército e o comando interino do governo para o primeiro-ministro, Mohamed Ghannouchi.

Fonte: Redação Terra
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