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Oriente Médio

ONU alerta para difícil situação de cristãos no Iraque

22 dez 2010 - 15h05
(atualizado em 23/12/2010 às 10h57)
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Tariq Saleh
Direto de Beirute

O Alto-Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) alertou que milhares de iraquianos cristãos vêm deixando as províncias centrais do Iraque por medo de perseguições. O relatório, divulgado no dia 17 de dezembro, repercutiu entre as comunidades cristãs e a mídia no Oriente Médio, com pedidos de importantes clérigos cristãos e muçulmanos para que o governo iraquiano agisse para garantir a segurança das minorias no país.

Uma procissão acompanhou os caixões dos dois padres assassinados no último domingo em Bagdá
Uma procissão acompanhou os caixões dos dois padres assassinados no último domingo em Bagdá
Foto: Reuters

De acordo com o relatório, há um êxodo crescente de cristãos para a região norte do Iraque, controlada pelos curdos muçulmanos e relativamente mais segura do que o resto do país.

A agência de refugiados da ONU disse ainda que cerca de mil famílias deixaram a capital Bagdá e a província de Mosul desde o ataque a uma igreja, em outubro deste ano, que deixou 70 pessoas mortas. A agência também enfatizou que a fuga de cristãos para outras partes do Iraque ou o exterior se tornou um "lento, mas constante êxodo".

No relatório, a Acnur se mostrou decepcionada com os governos europeus, que estariam deportando iraquianos com pedidos de asilo para áreas do Iraque que a agência considera perigosas. "A Acnur reitera fortemente seu pedido para os países evitarem a deportação de iraquianos que originam das partes mais periculosas do país", disse a porta-voz da agência, Melissa Fleming.

Fugas

De acordo com o historiador brasileiro Roberto Khatlab, que há mais de 20 anos mora no Líbano e que se dedica ao estudo de religiões no Oriente Médio, os árabes cristãos sofrem o preconceito porque têm sua imagem ligada às forças militares que invadiram o Iraque, chamados de "cruzados".

"Grupos militantes exploram a ignorância da população e instigam a violência contra esses cristãos que são árabes como seus conterrâneos muçulmanos".

"O que está acontecendo nestes países, principalmente no Iraque, é uma desaparecimento de uma cultura que remonta a séculos antes do Islã. Esses cristãos, assim como muitos muçulmanos do Iraque, são descendentes dos antigos impérios da Assíria e Babilônia, depois convertidos ao Cristianismo e Islamismo. Portanto, são pessoas daquelas terras", disse Khatlab ao Terra.

Cristãos iraquianos fazem parte das igrejas orientais do Cristianismo e habitam a região que hoje se chama Iraque há cerca de 2 mil anos, com raízes que remontam à da antiga Mesopotâmia e arredores. A maioria deles pertence à Igreja Caldeana Católica, autônoma em relação ao Vaticano mas que reconhece a autoridade do Papa. Muitos destes cristãos ainda falam o aramaico, o idioma de Jesus Cristo.

Durante os anos do governo secular do ex-ditador Saddam Hussein, os cristãos viviam sob relativa segurança. O governo muçulmano sunita de Saddam não os perseguia como ocorria regiões curdas ou algumas partes de maioria xiita, e até reprimia qualquer violência contra os cristãos.

No entanto, o governo iraquiano seguidamente forçava a comunidade cristã a programas de relocações, especialmente de áreas ricas em petróleo, onde Saddam buscava aumentar a presença dos sunitas. Cristãos também chegavam a cargos importantes no governo, como o ex-vice-primeiro-ministro Tariq Aziz.

Antes da Guerra do Golfo, de 1991, a população cristã chegava a um milhão, mas na invasão do Iraque pela coalizão liderada pelos Estados Unidos, em 2003, seu número já havia caído para 800 mil. Com a deposição do governo de Saddam, a violência sectária no Iraque atingiu também os cristãos, às vezes acusados por militantes muçulmanos de colaborarem com os "cruzados", em referência às forças de ocupação americanas e britânicas.

Desde 2004, vários ataques e atentados forçaram pessoas a deixar o país ou fugir para outras regiões. Padres e outros religiosos que se negaram a fugir, foram alvos de sequestros e assassinatos.

Para Khatlab, que publicou o livro Árabes Cristãos? (Editora Ave Maria, 2ª edição, 2009), os desdobramentos políticos no Oriente Médio deterioraram a situação para as minorias e atingiram os cristãos não só no Iraque, mas em outros países como Egito, Síria e Jordânia, além dos Territórios Palestinos. "O Líbano é, talvez, o único lugar onde cristãos ainda têm certa segurança e poder".

Nos últimos anos, o Egito testemunhou um aumento nos incidentes contra os cristãos da Igreja Cóptica, com uma população de cerca de 8 milhões dos de um total de 80 milhões de egípcios. Na Síria, Jordânia e Territórios Palestinos, embora menores, há registros de incidentes.

Ataque

No dia 31 de outubro, 70 pessoas morreram depois que as forças de segurança iraquianas invadiram uma igreja católica em Bagdá para libertar dezenas de reféns. Vários militantes entraram na Igreja da Nossa Senhora da Salvação na capital iraquiana durante uma missa e mantiveram um sequestro que se arrastou por horas. O ataque ganhou enorme repercussão e expôs as dificuldades do governo iraquiano em controlar a violência contra as minorias religiosas e étnica no país.

Os ataques forçaram cristãos a imigrarem também para outros países como Síria e Líbano, a exemplo de muçulmanos com medo da violência, onde sofrem com desemprego e até prostituição, vivendo da ajuda de outras comunidades cristãs nestes países.

Em seu relatório, a Acnur informou que seus escritórios no Iraque vêm registrando um aumento no número de cristãos deixando Bagdá e Mosul e se dirigindo para as regiões do Curdistão e Nineva.

"Nós ouvimos muitos testemunhos de pessoas fugindo de suas casas depois de receber ameaças diretas. Alguns tiveram tempo apenas de levar uns poucos pertences", salientou Fleming, da Acnur.

Outros escritórios da agência na Síria, Jordânia e Líbano divulgaram dados de um aumento no número de iraquianos cristãos que chegam e contatam a Acnur para registro e ajuda.

Igrejas e ONGs já alertaram a agência de refugiados que mais pessoas devem chegar a estes países nas próximas semanas. A ONU disse que, embora o número de vítimas civis foi menor este ano, grupos minoritários estão ficando cada vez mais suscetíveis a ameaças e ataques no Iraque.

Fonte: Especial para Terra
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