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Mundo

Egito: transexual processa universidade 22 anos após expulsão

6 nov 2010 - 10h01
(atualizado às 12h43)
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Uma transexual egípcia declarou guerra à Universidade de Al-Azhar, a mais importante do islã sunita, e exige sua volta às salas de aula para concluir o curso de Medicina, após sua expulsão há 22 anos.

Sally Abdala Mursi declarou guerra à Universidade de Al-Azhar e exige sua volta para concluir o curso
Sally Abdala Mursi declarou guerra à Universidade de Al-Azhar e exige sua volta para concluir o curso
Foto: EFE

"Sally é uma pessoa normal que sofre de uma doença chamada transexualidade", explica Sally Abdala Mursi, 48 anos, que chega à entrevista da agência Efe coberta de joias e com um longo véu negro cobrindo seus cabelos. Ela nasceu com o corpo de um homem e se chamava Sayed até os 26 anos, quando se submeteu a uma cirurgia de mudança de sexo que a transformou na mulher que sempre quis ser, após anos de isolamento e discriminação.

"Meu problema começou aos 14 anos, quando estudava no liceu francês. Sentia-me sozinha e meus pais me levaram a uma psicóloga que, após muitas sessões, descobriu minha transexualidade", relata Sally. Pressionada pela sociedade egípcia, a família de Sayed tentou convencê-la a continuar como um menino e seu pai, confiante de que "o problema estava na educação", a transferiu para um colégio da Universidade de Al-Azhar, a instituição muçulmana sunita mais influente do mundo com sede no Cairo.

Entre os muros da faculdade de Medicina, o desejo de ser mulher cresceu. Sally lembra que, desde o primeiro dia, pesquisou livros sobre transexualidade na biblioteca.

A jovem foi protagonista de uma longa trajetória por consultas médicas e psiquiátricas nas quais chegou a receber eletrochoque, e por fim, decidiu iniciar um tratamento hormonal que durou três anos. "Sentia-me mulher e estava disposta a aguentar todas as consequências", narra Sally, que passou pela intervenção cirúrgica no dia 29 de janeiro de 1988, quando estava no terceiro ano de Medicina.

Dois meses mais tarde, já com o corpo de mulher e com novo nome, apareceu na universidade com a determinação de fazer parte da seção feminina. "Aí começou uma longa disputa que ainda não terminou", explica Sally, que foi expulsa das salas de aula pelo "comportamento inadequado" há 22 anos, e espera a decisão judicial do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, com sede na Tanzânia.

Diante do tribunal, Sally apresentou duas reivindicações: o cancelamento da expulsão de Al-Azhar e o reingresso na universidade - embora, por enquanto, a audiência do caso esteja um ano atrasada. "A Al-Azhar é uma universidade que discrimina e não representa o islã, porque Deus perdoa tudo", declara Sally, uma muçulmana que se considera feliz.

Formada em Arte na Universidade pública do Cairo, atualmente a egípcia estuda Direito, mas não abandonou o sonho de ser médica e se especializar em transexualidade para ajudar outras pessoas. Além de Sally, os médicos que a operaram sofreram perseguição e foram expulsos do Sindicato de Médicos, controlado pelo grupo islâmico Irmãos Muçulmanos.

Apesar de todas estas dificuldades, Sally lutou para levar uma vida normal após a operação, casou e se divorciou em duas ocasiões. Ela atribui a rapidez dos seus relacionamentos à impossibilidade de ter filhos. "Sempre tentei compensar com mais carinho e amor, mas percebo que não foram suficientes para meus maridos", aponta Sally, que se reafirma "100% mulher".

Depois de trabalhar como dançarina de dança do ventre, ela mostra outra arma em sua batalha contra a tradicional universidade: um documento de identidade no qual o Estado egípcio reconhece seu sexo. "A sociedade sempre atua do modo mais fácil e sábio. Se me sinto e me comporto como mulher, o povo me aceita como tal", diz enquanto ri e ajusta o véu.

EFE   
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