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Estados Unidos

Analistas: Obama fracassou no Sudão

1 set 2010 - 19h53
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Nicholas D. Kristof
Do New York Times

Quando presidente Barack Obama almejava a Casa Branca, ele criticou os republicanos por não fazer o suficiente em Darfur e insistiu que tornaria o Sudão uma prioridade.

"O que fizemos não tem sido suficiente", ele me disse numa entrevista em 2006, quando fui convidado para um segmento do programa "Charlie Rose" no Sudão. Obama acrescentou que Washington precisava de "um esforço diplomático contínuo para pressionar o Sudão".

Porém, hoje Obama está conduzindo uma política incoerente, contraditória e aparentemente fracassada em relação ao Sudão. Há um risco crescente de que o país africano seja palco para uma das guerras mais sangrentas do mundo em 2011, e talvez de uma nova onda de genocídio. Não é culpa dos Estados Unidos, mas eles também não estão usando toda sua influência para evitar que isso ocorra.

É verdade que Obama tem várias outras prioridades. É verdade que o Sudão é uma confusão sem nenhuma solução perfeita. Ninguém espera que Obama dedique muito tempo ao Sudão. Mas o problema não é que seu governo esteja ocupado demais para elaborar uma política em relação ao país africano, mas sim que ele tenha meia dúzia de políticas, a maior parte delas com objetivos cruzados.

Como relatado pela primeira vez pela Foreign Policy, recomendações conflitantes sobre o Sudão estão sobre a mesa de Obama, refletindo a discórdia dentro do próprio governo. Uma recomendação, da Secretária de Estado Hillary Clinton e do enviado de Obama ao Sudão, o major-general Scott Gration, aparentemente foca em contínuo incentivo e envolvimento. A outra, que demanda uma abordagem mais dura, vem da embaixadora americana para as Nações Unidas, Susan Rice, que tem, de longe, a maior experiência em lidar com o Sudão.

Cerca de 70 organizações enviaram uma carta conjunta ao presidente Obama, pedindo que ele trabalhe mais ativamente para evitar outra guerra no Sudão. No entanto, até agora ele não está comprometido e seu governo tem tido menos sucesso do que o governo de Bush em fazer com que o Sudão altere seu comportamento.

Conclusão: a intermitente guerra civil do Sudão, indo de norte a sul, pode recomeçar logo. Qual pode ser o pior cenário? Bem, a última edição dessa guerra durou cerca de 20 anos e matou dois milhões de pessoas. O ex-chefe de inteligência nacional de Obama, Dennis Blair, alertou neste ano que o local com maior risco de genocídio ou assassinatos em massa é o sul do Sudão.

Leitores assíduos sabem que eu não era fã do presidente George W. Bush. Mas um de seus feitos notáveis, superando todas as expectativas, foi um acordo de paz em 2005 que acabou com a última onda daquela guerra. O acordo deu margem a um referendo, que ocorrerá em janeiro, no qual o sul do Sudão pode escolher a separação.

Espera-se que os sudaneses do sul votem majoritariamente em favor da separação. No entanto, a região possui grande parte do petróleo do país e o norte está determinado a não perder seus poços de petróleo que movimentam a economia.

O governo de Obama tentou uma abordagem mais incentivadora em relação ao Sudão e está certo em envolver os dirigentes de Cartum, a capital do país. O governo voltou a emitir vistos americanos no Sudão e, pelo menos a princípio, esse empenho trouxe algum sucesso. Por exemplo, alguns grupos de ajuda humanitária que tinham sido expulsos de Darfur puderam voltar. E, por um período, Darfur ficou mais calma.

Porém, nos últimos meses o Sudão tem endurecido sua posição, talvez porque o país veja que não paga nenhum preço pelo mau comportamento (e também porque vê que não há limites para as recompensas que recebe por melhoras no comportamento). O Sudão tem atacado dissidentes e jornalistas, passando um rolo compressor sobre as eleições e, nas últimas semanas, restringindo o acesso humanitário a Kamla, um grande campo de refugiados de Darfur. O Sudão também freou a capacidade de agentes de paz da ONU de protegerem a si mesmos e a outros.

O mais preocupante é que o governo do Sudão tem atrasado as preparações para o referendo no sul e pode até estar direcionando armas para irritar facções dali. Ninguém espera moderação do presidente Omar Hassan al-Bashir, que enfrenta acusações de genocídio na Corte Criminal Internacional.

Apesar de todas as suas falhas, Bush herdou uma guerra no Sudão e conseguiu transformá-la em paz. Obama herdou uma paz que pode se transformar na guerra mais sangrenta do mundo no próximo ano.

O governo de Obama acaba de despachar um talentoso ex-embaixador, Princeton Lyman, para liderar uma equipe em terra no Sudão. Isso ajuda, mas Washington pode fazer mais. Pode apoiar agentes de paz da ONU e trabalhar lado a lado com China, Reino Unido, Egito e outros países para evitar outra guerra. Uma medida útil seria colocar o vice-presidente Joe Biden no comando pelos próximos seis meses, no mínimo.

A Assembleia Geral da ONU também precisa se ocupar do Sudão em sua próxima reunião, no mês que vem. Essa será a última chance para um envolvimento de alto nível antes do referendo.

Há muitas falsas razões para criticar a política externa de Obama, mas este é um motivo legítimo. Num lugar como o Sudão, a negligência diplomática americana pode levar a centenas de milhares de mortes.

The New York Times
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