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Parisienses criam método para fraudar o transporte público

20 ago 2010 - 15h53
(atualizado em 24/8/2010 às 10h04)
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Lúcia Müzell
Direto de Paris

Contrário à cobrança do transporte público, um grupo de parisienses criou um esquema para burlar ao mesmo tempo o pagamento de passagens e a multa por não pagar para viajar de ônibus e metrô. Formada principalmente por universitários e militantes de extrema-esquerda, a Rede pela Abolição dos Transportes Pagos (RATP) defende que o transporte público seja gratuito, assim como já acontece com a saúde e a educação.

Usuários criaram sistema para burlar o pagamento das passagens de metrô na capital francesa
Usuários criaram sistema para burlar o pagamento das passagens de metrô na capital francesa
Foto: AFP

Para poder usar o serviço de graça, eles criaram um sistema que segue o mesmo princípio de uma seguradora, Os aderentes pagam uma cota mensal e, em caso de "sinistro", apelam para o fundo para arcar com as despesas ocasionadas. A diferença é que a "seguradora" em questão é para socorrer usuários fraudadores do transporte público parisiense, que, por convicção política - ou comodidade - decidiram não pagar mais pelo metrô ou o ônibus na capital francesa.

Os organizadores se escondem por codinomes, e novos inscritos são aceitos mediante a indicação de um membro existente. A motivação da maioria deles, declarada em sites na internet, é a de que a carga de impostos na França, uma das maiores do mundo, é suficiente para garantir transporte gratuito para a população.

"As receitas oriundas da venda de tíquetes de metrô são mínimas se comparadas ao custo necessário para pagar os funcionários e manter o metrô em funcionamento. Este custo já é pago pelo governo", afirmou Christophe, um dos fundadores da RATP (sigla que é uma alusão irônica às iniciais do serviço municipal que mantém o metrô parisiense). A organização opera desde 1998 e no início foi criada para defender a gratuidade para pobres e desempregados.

Desde 2006, essa reivindicação foi atendida, mas a RATP não se contentou. Hoje, defende a gratuidade para todos os usuários e reúne cerca de 50 "cangurus", como são chamados os passageiros que preferem pular as catracas dos metrôs do que inserir um tíquete, ao valor de 1,70 euro (R$ 4). "Nós pensamos que essa lógica de fiscalizar os passageiros existe muito mais para verificar a identidade das pessoas e a sua regularidade com a lei e os serviços de imigração do que para identificar quem está fraudando o metrô", alega o francês, preferindo manter o anonimato. Para ele, a iniciativa de formar ¿seguradoras antimultas¿ é uma forma de fortalecer o movimento e ser solidário aos que não podem arcar com os custos mensais de transporte. Um cartão mensal válido em Paris e na periferia próxima custa 55 euros (R$ 127).

As cotas mensais de adesão ao seguro-multa variam entre 5 e 10 euros (R$ 11,6 a 23), valor que parece compensar a tranquilidade de poder fraudar sem medo. Ao ser flagrado pela fiscalização, um passageiro sem tíquete validado recebe uma sanção de 25 a 50 euros (R$ 58 e 116) das autoridades francesas, a ser paga imediatamente.

Associados se avisam por celular
Como toda seguradora, essas também se preocupam com o baixo índice de "indenizações" a serem pagas aos aderentes do serviço. Por isso, cada membro é orientado a tomar algumas precauções - como evitar as estações de metrô mais movimentadas e, portanto, mais visadas pelos fiscais, ou aprender a reutilizar tíquetes encontrados ao acaso. Mas a tática mais moderna adotada pelos membros faz uso das novas tecnologias: os usuários que dispõem de smartphones são convidados a participar de redes online de prevenção de pontos de fiscalização, através do Twitter, do Facebook ou de fóruns privados na internet. Desta forma, quem circula por Paris conectado à internet recebe, pelo celular, avisos sobre "controle pesado na saída 5 de République" ou "evitar a linha 6 sentido Nation".

As seguradoras também impõem certos limites ao pagamento das multas dos clientes pegos no flagra, em especial quando o passageiro contesta a penalidade e afronta os fiscais, atitude que pode fazer o valor quase dobrar. Neste caso, a seguradora se exime de arcar com os custos.

A criação deste tipo de serviço não é novidade parisiense. Iniciativas semelhantes já vinham sendo realizadas em cidades como Amsterdã e Estocolmo, onde a fiscalização nos transportes é ainda menos frequente do que na França. Existe, inclusive, cooperação entre as organizações das diferentes cidades: quando uma está perto da falência em decorrência de um aumento das multas, as demais se solidarizam e cedem um empréstimo para equilibrar as contas.

O Sindicato dos Transportes de Ile de France - a região da qual Paris faz parte - não informa os dados relativos aos prejuízos acarretadas pelas fraudes, mas destaca que, a cada ano, são arrecadados 3,2 milhões de euros com tíquetes de transporte, o suficiente para expandir a infraestrutura necessária para acolher deficientes físicos nas estações de metrô.

Mas algumas cidades francesas, como Châteauroux, Compiègne e Vitré, concordam que o valor obtido com a venda de tíquetes é irrisório e decidiram implantar o sistema de transportes gratuitos. As prefeituras alegam que as receitas correspondiam a no máximo 14% das despesas, o que não justificaria a manutenção da cobrança.

Fonte: Especial para Terra
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