PUBLICIDADE

Mundo

Decisão catalã não intimida adeptos das touradas na Europa

4 ago 2010 - 14h46
(atualizado em 6/8/2010 às 16h23)
Compartilhar
Lúcia Müzell
Direto de Paris

Enquanto entidades de defesa dos animais veem com otimismo a decisão catalã de proibir as touradas em Barcelona e outras cidades da região espanhola, outros países europeus que também apreciam a prática, como a França e Portugal, não parecem estimulados a seguir o exemplo. Nestes países, os defensores das touradas se dizem prontos a defender a cultura em todas as instâncias.

O matador francês Sebastian Castella se esquiva de touro, no festival de Nîmes
O matador francês Sebastian Castella se esquiva de touro, no festival de Nîmes
Foto: Reuters

"Essa interdição catalã é uma forma insuportável de censura, porque visa ao domínio cultural de um povo, de uma região", afirmou Daniel Valade, secretário de Cultura da cidade de Nimes, na França, um dos principais palcos de touradas no país. Para Valade, a tourada não é um ritual mais violento do que o que acontece em qualquer abatedor de animais. "A tourada é uma arte que não se decreta ou se retira. Ela simplesmente é uma arte, uma cultura milenar, enraizada nos países mediterrâneos".

É sob este argumento - o de que não se trata apenas do ato de matar um touro furioso, mas sim da arte em domá-lo, desenvolvida ao longo de séculos - que os chamados "aficionados" prometem se defender da bola de neve de críticas à prática que se formou a partir do anúncio catalão.

Na França, quatro regiões do sul e sudoeste - Aquitaine, Midi-Pyrénées, Languedoc-Roussillon e Provence-Alpes-Côte d'Azur - são autorizadas a praticar as touradas, nas quais em média seis touros são mortos, depois de sucessivas estocadas de espadas ou lanças. Cada ritual, visto por até 2 milhões de espectadores ao ano, dura cerca de 15 minutos.

O sentimento das organizações ligadas à prática é o de que o voto catalão foi mais um ato político de identidade contrária a do restante da Espanha do que uma convicção contrária à tradição. "É evidente que a tourada não está sequer perto do fim", afirma André Viard, presidente do Observatório Nacional das Culturas Taurinas. "E acho que os franceses são até mais apaixonados por esta tradição do que os próprios espanhóis. Eles só vão às touradas realizadas na sua própria cidade, enquanto o francês viaja por tudo para acompanhar o espetáculo".

Mas as pesquisas sobre a aprovação deste tipo de espetáculo demonstram que as touradas estão em baixa também na França. Na menos otimista delas, divulgada em julho, 71% dos moradores de uma região considerada "tauromaníaca" se disseram não apegados à tradição. Em outra, de 2007, a divisão dos franceses veio à tona: 50% afirmaram ser favoráveis à proibição das touradas, e 48% eram contrários.

Apesar da controvérsia, as três propostas de lei visando a proibir os eventos jamais foram discutidas no Parlamento francês - em decorrência do lobby realizado por deputados das regiões concernidas, conforme as associações antitouradas. Além disso, o próprio presidente Nicolas Sarkozy e vários dos seus ministros - inclusive o primeiro-ministro, François Fillon - já demonstraram apreço à tradição. Sarkozy foi flagrado nas arenas do sudoeste em diversas ocasiões, e em 2008 afirmou que "a tourada é uma tradição à qual nossos compatriotas de algumas regiões francesas são bastante ligados", e que "ignorar esta tradição seria considerado como uma afronta e uma negação das suas identidades". No passado, o pintor Pablo Picasso e o escritor Ernest Hemingway eram dois aficionados famosos que exaltaram a tradição em suas obras.

"Precisamos escolher se queremos evoluir a nossa sociedade ou se preferimos continua na Idade Média. Tudo que é maligno, mesmo que seja cultural, deve ser abolido", defende Isabelle Marcoux, presidente da Federação de Luta pela Abolição das Touradas. "Se não fosse assim, a lei do olho por olho ainda estaria em vigor e a poligamia ainda seria permitida. Com a tourada, não pode ser diferente. Chega de tortura e matança de animais, isso não diverte mais ninguém".

Portugal

Embora Portugal ainda preserve a tradição das touradas em cidades próximas à fronteira com a Espanha, o ato de matar o touro em cena é proibido no país desde a metade do século XVIII, e oficialmente a partir de 1928. A partir de então, à exceção da cidade de Barrancos - que conseguiu autorização para manter o ritual original -, os animais são abatidos em um local apropriado, ao abrigo do público.

Outra particularidade portuguesa é que o toureiro não entra a pé na arena: para a sua segurança, ele monta sobre um cavalo, de onde persegue o touro e defere os golpes no seu dorso. Resta aos chamados "forcados", oito ajudantes do toureiro, a tarefa de imobilizar o touro ferido e encerrar o combate contra o bovino.

Em Portugal, o futuro da prática também é questionado, ainda que o número de espectadores tenha aumentado 25% na última década, de acordo com o diário luso Jornal de Notícias, e que a importância econômica destes espetáculos continue expressiva nas regiões onde acontecem. Nos últimos anos, a onda de cidades ¿antitouradas¿, proibindo o ritual, assustou os produtores de touros e organizadores da festa. "É verdade que a oposição a estes espetáculos tem sido mais visível, isso é um fato", reconhece João Santos Andrade, presidente da Associação de Criadores de Touros de Lides. "Muita gente critica sem sequer conhecer. Mas enquanto houver apaixonados por esse espetáculo tão emocionante, a tourada não vai morrer", afirma.

Fonte: Especial para Terra
Compartilhar
Publicidade