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Ex-prisioneiro conta como fugiu de Auschwitz com uniforme da SS

21 jul 2010 - 10h43
(atualizado às 10h46)
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Há exatos 66 anos, um jovem polonês católico fez algo que até hoje parece ser impossível de ter sido realizado: escapou do campo de concentração nazista de Auschiwitz, são e salvo, com a sua namorada. No dia 21 de julho de 1994, Jerzy Bielecki passou pelo guarda alemão ao lado de sua namorada, Cyla Cybulska. Após mirar o passe falso e observar os dois por um período que pareceu uma eternidade, a sentinela deixou os passarem apenas falando "Ja, danke" (Sim, obrigado).

Jerzy Bielecki apresenta uma foto sua, de 1944, e outra de Cyla Cybulska, em 1945, após deixarem Auschwitz
Jerzy Bielecki apresenta uma foto sua, de 1944, e outra de Cyla Cybulska, em 1945, após deixarem Auschwitz
Foto: AP

Bielecki e Cybulska se conheceram no próprio campo de concentração. Ele, um católico polonês fluente em alemão de 23 anos, tinha uma posição privilegiada entre os prisioneiros. Ela, uma jovem judia de 22 anos, estava condenada à morte. O primeiro encontro de ambos aconteceu em setembro de 1943, em um depósito de grãos, onde os dois recentemente tinham sido transferidos para trabalhar. Cybulska entrou no depósito acompanhada de um grupo de mulheres. "Pareceu-me que uma delas, uma bonita de cabelo preto, tinha piscado para mim", recorda Bielecki. Eles ficaram amigos e logo a amizade se transformou em romance.

Em suas memórias de Auschwitz, escritas em 1983, Cybulska diz que nos encontros eles contavam um ao outro suas histórias de vida e que "todo encontro era um evento realmente importantes para nós dois". "Era um grande amor", disse Bielecki, 89 anos, em entrevista à agência AP realizada em sua casa, localizada a apenas 85 km de Auschwitz. "Nós fazíamos planos de nos casarmos e de vivermos juntos para sempre". Ela tinha sido presa em 1940, então com 19 anos, ao lado de seus pais e irmãos. Em setembro de 1943, Cybulska era a única viva. O irremediável destino fatal fez eles apressarem os planos de fuga.

De um colega preso polonês, Bielecki conseguiu secretamente um uniforme da SS (tropa de elite nazista) completo e um passe. Usando uma borracha e uma caneta, ele mudou o último nome do passe de Rottenfuehrer Helmut Stehler para Steiner, para o caso da sentinela conhecer o verdadeiro Stehler, e o registrou para dizer que estava levando uma prisioneira para interrogação em uma estação policial próxima. "Amanhã, um homem da SS vai vir para levar você para um interrogatório. Esse homem será eu", disse Bielecki à sua namorada. Na tarde seguinte, vestido com o uniforme roubado, ele foi até a lavanderia para a qual Cybulska tinha sido transferida para trabalhar. Suando de medo, ele exigiu ao supervisor alemão que liberasse a mulher. Eles então rumaram ao portão principal, onde entregaram o passe e deixaram Auschwitz. "Eu senti dor na minha espinha, onde eu esperava ser atingido", conta Bielecki. Contudo, após alguns metros, eles olharam para trás e viram a sentinela em sua cabine.

Os dois marcharam por nove dias, cruzando florestas e rios. Em um ponto, extremamente cansada, Cybulska chegou a pedir para ser deixada. "Jurek não quis ouvir e continuou repetindo: 'nós fugimos juntos e vamos caminhar juntos'", diz uma memória dela registrada em um livro escrito por Bielecki. Após a nona noite, eles chegaram à casa de um tio dele, em um vilarejo próximo a Cracóvia. Para evitar ser presa novamente por soldados nazistas, Cybulska foi escondida em uma fazenda, enquanto ele decidiu se esconder em Cracóvia. Após o exército soviético tomar a Polônia, em janeiro de 1945, Bielecki retornou para encontrar a namorada, mas ela já tinha partido - a vila em que estava havia sido libertada três semanas antes.

Cybulska se casou e mudou-se para os Estados Unidos. Bielecki também constitui família na Polônia. O casal só voltaria a se encontrar após ela contar sua história para sua faxineira polonesa, que recordava ter ouvido a mesma história na televisão. "Eu conheço a história, eu vi um polonês na TV dizendo que conduziu sua namorada judia para Auschwitz", a faxineira disse a Cybulska, segundo Bielecki. Em uma manhã de maio de 1983 ele recebeu uma ligação. "Eu ouvi algumas risadas - ou choro - no telefone e então uma voz disse 'Juracku, sou eu, sua pequena Cyla'", conta Bielecki.

Algumas semanas depois, o casal de reencontrou no aeroporto de Cracóvia. Ele levou 39 rosas, uma para cada ano que permaneceram distantes. Ela o visitou na Polônia várias vezes, inclusive foram junto ao memorial de Auschwitz. "O amor começou a voltar", diz o ex-prisioneiro. "Cyla me dizia: deixe a sua mulher, venha comigo para os Estados Unidos. Ela chorou muito quando eu disse: olha, eu tenho uma criança muito boa, eu tenho um filho, como poderia fazer isso?", acrescenta. Ela então prometeu que não retornaria mais. Cybulska não voltou a entrar em contato e não retornou as cartas até 2002, quando morreu em Nova York.

Em 1985, o Instituto Yad Vashem de Jerusalém condecorou Bielecki por ter salvo Cybulska. "Eu estava muito apaixonado por Cyla, muito. Algumas vezes eu chorava após a guerra, por ela não estar comigo. Eu sonhava com ela de noite e acordava chorando. O destino decidiu por nós, mas eu faria tudo de novo".

Com informações da agência AP

Fonte: Redação Terra
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