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América Latina

México: padre usa linguagem popular para atrair viciados à Igreja

19 jul 2010 - 17h56
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Marc Lacey
Do New York Times, da Cidade do México

Frederick Loos xingava como um marinheiro - uma surpresa, já que ele é um padre católico e seu discurso desbocado foi feito no púlpito para centenas de fiéis que se amontoavam diante dele.

O padre falou de Deus, da necessidade de servi-lo e como ele pode transformar vidas. Porém, o pároco usava o mais puro espanhol de rua, o que causou sorriso aos rostos de muitos dos membros de gangues, viciados e outros jovens que se apertavam para ouvir o religioso.

"Quando vamos à China, temos de falar chinês", explicou depois o padre, tirando as vestimentas religiosas. "Se você fala com crianças, usa as expressões delas. Não acho que Deus se ofende, desde que isso traga as pessoas para perto dele".

Os indivíduos enredados na cultura de drogas do México - usuários e traficantes - possuem uma relação pouco usual com a igreja. Cheirar cola e fazer o sinal da cruz aparentemente podem não combinar, assim como assassinato e catequese. Porém, param muitos fiéis do México dos dias de hoje, essas coisas podem combinar, sim.

A multidão de pessoas que aparece na Igreja São Hipólito no dia 28 de cada mês é composta de fiéis no mínimo pouco convencionais. Com piercings e tatuagens, os jovens vêm dos bairros mais problemáticos da capital, e muitos admitem envolvimento em gangues e uso de drogas. Na verdade, o consumo de drogas prevalece até diante da porta da igreja, onde a fumaça de maconha preenche o ar e a moda é cheirar cola.

No entanto, um santo do século I adorado por muitos jovens mexicanos também vem tendo um efeito capaz de alterar mentalidades. Milhares de jovens dos bairros mais duros e oprimidos recentemente começaram a realizar peregrinações mensais a São Hipólito, carregando velas, rosários e imagens de São Judas, o santo patrono das causas desesperadas.

"Quero me comunicar com Deus", disse um adolescente de óculos que segurava uma estátua de São Judas e cheirava cola, quando questionado sobre seu fervor religioso.

"É", disse o amigo, balançando-se, instável, também alterado por cheirar cola.

Os jovens chegam de metrô, ônibus e bicicleta das periferias da capital, ansiosos por obter suas bênçãos. A igreja, ainda que incomodada, está tentando canalizar esse fervor de massa não-ortodoxo. René Perez, popular pároco encarregado de manter a nova multidão de fiéis desordeiros sob controle, espera reinventar São Judas como o patrono local extra-oficial dos viciados.

"Não temos uma varinha mágica, mas queremos tirar vantagem desta fé que eles têm", disse Perez.

Como resultado, ele aceita drogas na cestinha de doações se os seguidores se comprometerem a abandonar o vício no local. Ele também trouxe Loos, 74 anos, americano que mora no México há mais de quatro décadas e cuja linguagem de rua o ajuda a se comunicar com os novos fiéis.

"É um fenômeno tremendo, ninguém entende", disse Loos, observando que o uso de drogas para na entrada da igreja. "Eles claramente precisam de ajuda para os vários problemas que têm. Carregam essas imagens de São Judas, algumas até maiores que eles mesmos. São Judas ficou próximo deles".

Na esperança de evitar que a fascinação dos fiéis por São Judas vire um interesse em Jesus Malverde, um foragido da lei do século 20 que vem sendo adotado como santo pelas pessoas envolvidas no tráfico de drogas, a igreja está buscando canalizar a fé dos jovens para a igreja estabelecida. Entretanto, alguns fiéis tradicionais não exatamente apreciam a linguagem obscena; recentemente, um grupo conversou com Perez para protestar contra as palavras do Pe. Loos.

Os jovens fiéis da Cidade do México não são, de forma alguma, os únicos a mesclar religião e vício. Poderosos traficantes de outras partes do país são conhecidos por fazer doações consideráveis para reparos em igrejas e outros projetos. Chamando os traficantes de "muito generosos", o bispo Carlos Aguiar Retes, presidente da Conferência de Bispos Mexicanos, gerou controvérsia, no ano passado, quando foi citado pelo jornal Reforma creditando aos traficantes a construção de igrejas, capelas e outros tipos de infraestrutura.

Em Michoacán, Estado no centro do México conhecido pelo cultivo de maconha e produção de metanfetamina, uma versão distorcida da Bíblia vem sendo adotada por uma gangue conhecida como La Familia.

"Peço a Deus força, que ele me dê desafios para me tornar mais forte", diz uma escritura. "Peço sabedoria e problemas para resolver. Peço prosperidade, e cérebro e músculos para trabalhar".

A escritura é assinada por Nazario Moreno, líder espiritual da Familia, que atende pelo apelido de "El Más Loco" (O Mais Louco).

Embora esta paróquia na Cidade do México esteja tentando persuadir jovens problemáticos a abandonar seus vícios, El Más Loco criou um culto no interior que usa a religião para justificar os meios sanguinários do seu grupo - seja o assassinato de policiais que tentam interromper seu negócio de tráfico de drogas ou a eliminação de rivais cortando suas cabeças.

"A maioria dessas pessoas que estão matando umas às outras são católicos batizados", disse Loos. "Como eles podem fazer isso? A violência é tão sádica. Como eles podem ir para casa à noite e abraçar seus filhos? Não consigo entender".

The New York Times
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