PUBLICIDADE

Ásia

Lei de direito à informação traz força aos pobres da Índia

14 jul 2010 - 13h24
Compartilhar
Lydia Polgreen
Do The New York Times

Chanchala Devi sempre quis uma casa. Não uma cabana de barro e madeira, como seu lar atual nesta desolada vila no estado de Jharkhand - rico em minerais e corroído pela corrupção -, mas uma casa de verdade, de tijolos e cimento. Quando ouviu que um programa do governo lhe daria cerca de US$ 700 para construir essa casa, ela imediatamente fez a solicitação.

Como uma pobre diarista de uma casta desmoralizada, ela era a candidata ideal para o privilégio. Mesmo assim, ela esperou por anos, vendo seus vizinhos mais ricos recebendo o dinheiro e construindo casas robustas - enquanto ela e seus três filhos dormiam sob um teto cheio de vazamentos, formado por três madeiras e telhas de barro aos pedaços.

Há dois meses, ela se aproveitou da poderosa e popular lei indiana do Direito à Informação. Com a ajuda de um ativista local, ela registrou uma solicitação num gabinete local para descobrir quem havia recebido as bolsas enquanto ela esperava, e por que. Dentro de alguns dias, um burocrata deu a boa notícia: sua bolsa havia sido aprovada, e ela logo receberia o cheque.

A boa sorte de Devi faz parte de uma revolução da informação que varre a Índia. O país pode ser a maior democracia do mundo, mas uma enorme e poderosa burocracia governa. Trata-se de um edifício imperial erguido sobre fundações feudais, e por grande parte da história independente da Índia a burocracia tem sido inexplicável. Cidadãos tinham poucos meios para exigir saber o que seu governo estava fazendo por eles.

Hoje, porém, ficou claro que a população de 1,2 bilhões da Índia foi recentemente fortalecida pela abrangente lei que lhes proporciona o direito de exigir quase qualquer informação do governo. A lei é reforçada por pesadas multas aos burocratas que segurarem informações, uma penalidade que parece estar assegurando uma rápida conformidade.

A lei não teve, como alguns ativistas esperavam, um grande efeito sobre a corrupção. Muitas vezes, como no caso de Devi, a burocracia resolve o problema para o indivíduo reclamante, mas raramente se responsabiliza por uma investigação mais ampla.

Mesmo assim, a lei se tornou parte da estrutura da Índia rural nos cinco anos desde sua aprovação, e começou claramente a alterar o equilíbrio de poder - há tempos inclinado na direção dos burocratas e políticos.

"O sentimento no governo sempre foi que as pessoas trabalhando no governo são os governantes, e o povo é o governado", disse Wajahat Habibullah, comissário-chefe de informações do governo central. "Essa lei deu ao povo o sentimento de que o governo deve prestar contas".

Rajiv Gandhi, um ex-primeiro-ministro, disse certa vez que apenas 15% das verbas para os pobres realmente chegavam a eles - o restante era desperdiçado ou desviado.

Esse número pode ter mudado nas décadas desde que ele se pronunciou, mas poucos indianos duvidam que uma boa fatia dos US$ 47 bilhões orçados neste ano fiscal para ajudar os pobres tenha se perdido.

A lei indiana do Direito à Informação deu aos pobres uma poderosa ferramenta para assegurar que eles recebam sua parte do bolo. A lei, aprovada depois de mais de uma década de agitação por ativistas governamentais, se tornou incrustada no folclore indiano. Nos primeiros três anos em que a lei estava em efeito, 2 milhões de pedidos foram registrados.

Aqui em Jharkhand, um estado oriental da Índia onde a corrupção e a incompetência são predominantes, abastecidas pela riqueza mineral e pelo caos político - que agarrou o estado desde que ele se separou do estado vizinho de BIhar, em 2000 -, os pobres rurais estão usando a lei para solucionar problemas básicos. Suas histórias de sucesso parecem com o menor dos triunfos, mas representam grandes melhorias de vida aos mais pobres da Índia.

Numa vila perto de Banta, uma clínica que deveria ter funcionários em tempo integral para diagnosticar doenças como malária e diarreia, além de proporcionar tratamento a bebês e mulheres grávidas, não tem uma equipe que aparece regularmente há anos. Um morador local apresentou um pedido para examinar os registros de presença dos trabalhadores. Em seguida, a funcionária médica começou a aparecer regularmente.

A funcionária, Sneha Lata, parteira assistente cujo salário governamental é de US$ 250 por mês, negou estar negligenciando seu posto. Ela disse que a lei da informação era uma perturbação. "Por causa dessa lei, preciso ouvir todas essas reclamações", explicou.

Mas agora, com os moradores observando, ela não se atreve a faltar no trabalho.

Numa cabana próxima dali, Ramani Devi costurava um cobertor para um neto nascido nove dias antes. Em anos anteriores, ela estaria nos campos, trabalhando por um punhado de moedas para conseguir pagar as contas. Como viúva e idosa, Devi (sem parentesco com Chanchala Devi) sabia que tinha direito a uma pensão mensal do governo no valor de US$ 9. O valor pode parecer pequeno, mas numa vila rural, essa é a diferença entre comer e passar fome.

Pessoas em cargos intermediários no gabinete do governo exigem propinas de US$ 20 para direcionar pedidos ao burocrata certo, e muitas pessoas inelegíveis para pensões as estavam coletando. Quando um ativista local apresentou um pedido para descobrir quais moradores estavam recebendo pensões, Devi, que é uma dalit - antigamente conhecidos como intocáveis -, finalmente recebeu sua pensão. Agora ela mostra orgulhosamente sua caderneta de poupança.

Simplesmente apresentar um questionamento sobre um cartão de comida perdido, um pedido de pensão ou de certidão de nascimento é, hoje em dia, o bastante para forçar a indigesta burocracia a entregar serviço, segundo ativistas locais.

Porém, uma burocracia mais atenciosa não é necessariamente menos corrupta.

Sunil Kumar Mahto, 29 anos, ativista em Ranchi, a capital de Jharkhand, disse ter aprendido rapidamente que é inútil usar a lei para expor a corrupção. Ele deu o exemplo de um projeto de rua. "O dinheiro foi gasto, mas não a rua não existe", afirmou Mahto.

Quando ele apresentou um pedido para descobrir o que havia acontecido, mais dinheiro foi apresentado e a rua acabou sendo construída. Porém, nenhuma ação foi tomada contra aqueles que poderiam ter embolsado o dinheiro original.

?O vínculo entre políticos, empreiteiros e burocratas é muito forte por aqui?, explicou Mahto. ?Conseguir uma ação contra alguém é muito difícil?.

Alguns críticos se perguntam se a lei é simplesmente uma válvula de pressão, permitindo que as pessoas obtenham necessidades básicas sem desafiar a situação. ?Temos tido muito sucesso em acabar com a corrupção pequena?, disse Venkatesh Nayak, da Commonwealth Human Rights Initiative. "Mas nossos mecanismos de prestação de contas são fracos, e a transparência não serve de nada sem a prestação de contas".

Mas Shekhar Singh, um ativista que lutou pela aprovação da lei, afirmou que, num país que se recupera de séculos de opressão colonial e feudal, combater a corrupção é algo secundário.

"Nosso maior objetivo era dar poder aos cidadãos", disse Singh. "A lei conseguiu isso - ela deu ao povo o poder de desafiar seu governo. Isso não é pouca coisa".

Hari Kumar contribuiu com a reportagem

The New York Times
Compartilhar
Publicidade