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Mundo

Acho correto guardar minha intimidade, diz usuária de burca

13 jul 2010 - 09h19
(atualizado às 10h25)
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Lúcia Müzell
Direto de Paris

"É uma escolha." As três palavras, repetidas à exaustão pelas muçulmanas que portam burca, resumem a justificativa dessas mulheres para se esconderem do mundo debaixo de um pesado tecido preto, que nem o calor de 34ºC do verão francês é capaz de revogar. Na Europa, a vestimenta é mais vista na forma do niqab, o véu integral que deixa os olhos à mostra, ao contrário da burca, que permite a visão apenas através de uma espessa tela em tecido na região ocular. "Umas escolhem usar sapatos vermelhos. Outras, pretinhos básicos. Eu, escolho o niqab", disse Assia, 26 anos.

Mulher usando o niqab caminha pelas ruas de Lyon
Mulher usando o niqab caminha pelas ruas de Lyon
Foto: AFP

Às vésperas da votação da lei que visa a proibir, na França, o uso das controversas roupas islâmicas femininas, duas mulheres adeptas do niqab testemunharam ao Terra o desconforto que a intensa polêmica traz às suas vidas. Moradoras de Lyon, onde a comunidade muçulmana vem se tornando uma das maiores do país nos últimos anos, elas reclamam o direito de poderem usar o que quiserem, como qualquer francesa. "Ninguém fica perguntando para você porque você escolheu calça jeans e não um vestido", argumenta Haila, 31 anos, que, como Assia, completa o visual com luvas pretas até os cotovelos. "A minha leitura do Corão me leva a acreditar que o mais correto é guardar a minha intimidade, não mostrar o meu bem mais precioso, o meu corpo, para todo mundo. Pode ser que algum dia eu mude de ideia, mas, por enquanto, sou feliz assim", conta Haila, dona de casa e mãe de quatro filhos.

Os percursos das duas francesas de origem argelina são semelhantes. Ambas usavam roupas comuns na adolescência, mas cobriam os cabelos com um véu em respeito à religião. Haila decidiu adotar o niqab aos 18 anos - "queria me preservar dos olhares masculinos, achava aquilo uma invasão e um desrespeito comigo" - e Assia, logo quando encontrou o futuro marido e previa o noivado, aos 21 anos. Elas asseguram que a decisão foi tomada exclusivamente por elas e que nem a família, nem os maridos, as incentivam a se cobrir de tal forma. A opção, argumentam, é reflexo da devoção que mantêm por Maomé.

"É claro que a família influencia no sentido que desde a infância sempre ouvimos a palavra do Profeta porque nascemos muçulmanas. Mas a decisão de usar o véu, o niqab ou a burca pertence a cada mulher, e somente a ela", afirma Assia, por telefone. "É um grande engano pensar em contrário. Nós somos tão feministas quanto qualquer outra mulher engajada. Defendemos os direitos de todas as mulheres e somos contra violência, a opressão e o desrespeito." Para ela, a mulher muçulmana que escolhe vestir o niqab ou a burca é inclusive mais livre que as demais, na medida em que precisa enfrentar a sociedade para firmar a sua posição.

Elas admitem que os companheiros são "orgulhosos" por elas usarem o niqab, mas rejeitam com fervor a ideia de que cobrem o corpo apenas para agradar aos maridos. "Essa concepção da mulher muçulmana faz parte da propaganda contra o Islã, que vem aumentando cada vez no Ocidente", disse Assia.

Máscaras cirúrgicas

As duas temem que a lei interditando as muçulmanas de cobrirem os rostos prejudique a liberdade de ir e vir dessas mulheres e acham possível que muitas prefiram sair menos de casa por conta da nova norma. Haila destacou que, na internet, já existem muçulmanas incentivando as mulheres a adotar máscaras cirúrgicas para cobrir a face e, assim, poderem contornar a lei. "Vai ser um absurdo ter de fazer isso, mas duvido que o Estado consiga impedir alguém de proteger o rosto contra bactérias", ironiza.

Tanto Assia quanto Haila lamentam os preconceitos ligados à sua escolha de portar o niqab. "Nós pagamos nossos impostos, fazemos nossas compras, amamos, temos sentimentos, defeitos e sonhos como qualquer outra pessoa. Não fazemos mal a ninguém", disse Haila. "Mesmo se já estou acostumada com os insultos e olhares de reprovação na rua, ainda me magoa ser vista como um extraterrestre, sendo que há uma pessoa muito feliz embaixo destas roupas", afirmou Assia.

Elas argumentam que esses preconceitos as afastam da sociedade e das outras mulheres, promovendo exatamente o contrário do ideal de "integração" dos imigrantes e descendentes de imigrantes que o Estado francês deseja ao implantar a lei.

O projeto

O projeto de lei causa intensa polêmica na França há pelo menos dois anos, quando começou a ser elaborado pelo partido do presidente Nicolas Sarkozy, o UMP. A oposição, liderada pelo Partido Socialista e em princípio reticente à medida, acabou declarando apoio à lei, tornando a aprovação na Assembleia praticamente certa.

Depois de passar pela Assembleia, o texto será encaminhado ao Senado e deve ser votado após as férias de verão, em setembro. Em caso de adoção definitiva, a lei entraria em vigor a partir de abril de 2011 e proibiria o uso das vestimentas cobrindo o rosto em qualquer espaço público, sob risco de multa de 150 euros e obrigação de frequentar um "estágio de cidadania". O governo estima que cerca de 2 mil mulheres usam a burca ou o niqab na França.

Fonte: Especial para Terra
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