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Ásia

Paquistão explora fracassos americanos no Afeganistão

25 jun 2010 - 16h12
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Jane Perlez, Eric Schmitt e Carlotta Gall
Do New York Times, em Islamabad, no Paquistão

O Paquistão está explorando os problemas do esforço militar americano no Afeganistão a fim de promover um acordo político com Cabul que dará grande influência no país ao governo paquistanês, mas pode solapar os interesses dos Estados Unidos, declararam funcionários americanos e paquistaneses.

A demissão do general Stanley McChrystal quase certamente tornará mais ousados os esforços paquistaneses, porque os líderes do país estão detectando crescente incerteza da parte dos Estados Unidos, disseram funcionários do governo paquistanês. O general Ashfaq Parvez Kayani, comandante do exército, preferia McChrystal ao sucessor deste, o general David Petraeus, a quem ele vê mais como político do que como estrategista militar, disseram pessoas que tiveram contato recente com Kayani.

O Paquistão está se apresentando como parceiro viável ao governo do presidente Hamid Karzai, no Afeganistão, que está insatisfeito com os americanos. Funcionários do governo paquistanês se declararam capazes de oferecer às autoridades afegãs um acordo para compartilhamento de poder com a rede de Sirajuddin Haqqani, um aliado da Al-Qaeda que comanda parte importante da insurgência afegã.

Além disso, disseram autoridades afegãs, os paquistaneses estão pressionando diversos outros de seus aliados, e Kayani se ofereceu para intermediar pessoalmente um acordo com a liderança do Talibã.

Washington vem acompanhando com algum nervosismo o deslocamento de Kayani e do tenente-general Ahmad Shuja Pasha, o comandante dos serviços de espionagem afegãos, entre Islamabad e Cabul, para dizer a Karzai que concordam com sua avaliação de que os americanos não serão capazes de vencer a guerra e que depois do final do conflito o governo afegão teria de incorporar a rede de Haqqani, que há muito tempo opera em combinação com as autoridades paquistanesas. Em sinal de que a situação está mudando, a próxima visita dos dois líderes paquistaneses a Cabul está marcada já para a segunda-feira, de acordo com a TV afegã.

A despeito das 11 visitas que McChrystal fez a Kayani em Islamad nos 12 últimos meses, os paquistaneses não têm se interessado muito por revelar detalhes sobre as conversas dos dois últimos meses, o que torna as ações paquistaneses ainda mais preocupantes para os Estados Unidos, disse um funcionário do governo americano que está envolvido nas deliberações com o Afeganistão e Paquistão.

"Eles sabem que isso cria uma brecha ainda mais larga entre nós e Karzai", disse o funcionário americano.

Ainda que encorajado por Washington, o degelo agrava o risco de que os Estados Unidos se vejam isolados daquilo que pode vir a ser uma paz separada entre afegãos e paquistaneses, a qual não garantiria necessariamente o objetivo primordial dos americanos na guerra - negar um refúgio seguro ao Taleban.

A situação também oferece outra indicação da maneira pela qual o Paquistão, ostensivamente aliado dos Estados Unidos, vêm trabalhando para satisfazer diferentes interesses de maneira a salvaguardar seu objetivo primordial: o de ter um Afeganistão que acomode suas necessidades e não receba influência da Índia, vizinho e inimigo mais ferrenho dos paquistaneses.

A rede de Haqqani, que serve aos interesses do Paquistão há muito tempo, não sofreu qualquer pressão das autoridades paquistanesas em seus redutos no território do país, em áreas tribais ao largo da fronteira afegã, a despeito das pressões americanas por uma ofensiva contra ela.

Kayani resistiu aos apelos dos Estados Unidos, afirmando que seus soldados estão ocupados demais combatendo o Taleban paquistanês em outras áreas da região tribal.

Mas há muito existem suspeitas entre funcionários afegãos, americanos e de outros governos ocidentais de que os paquistaneses estão mantendo a rede de Haqqani como reserva exatamente para um momento como esse, quando pode ser usada como instrumento de barganha para produzir um desfecho favorável ao Paquistão para a guerra.

Em repetidas ocasiões, o Paquistão usou combatentes da rede de Haqqani para atingir alvos indianos no interior do Afeganistão, de acordo com agentes dos serviços de inteligência americanos. Os comandados de Haqqani também atacaram alvos americanos, um possível sinal dos paquistaneses aos seus supostos aliados de que interessaria também a eles fazer um acordo.

Petraeus disse em depoimento ao Congresso na semana passada que os combatentes da rede de Haqqani respondiam por alguns dos grandes ataques recentes em Cabul e base da força aérea dos Estados Unidos em Bagram, no Afeganistão, acrescentando que já havia informado Karzai quanto a isso.

Richard Holbrooke, enviado especial do governo Obama ao Paquistão e Afeganistão, declarou em visita a Islamabad na semana passada que era "difícil imaginar" que a rede de Haqqani se envolvesse em um acordo no Afeganistão, mas acrescentou que "tudo é possível".

Em briefing conduzido esta semana na sede da principal organização de espionagem paquistanesa, o Serviço de Inteligência Combinado, analistas paquistaneses expressaram uma visão da guerra que se enquadrava às dúvidas expressas por Karzai. Pintaram um retrato sombrio de uma campanha militar americana "fadada ao insucesso" no Afeganistão.

Disseram que o Talibã vinha ganhando força. A despeito da chegada iminente de reforços norte-americanos, concluíram que "a situação de segurança vai se tornar muito mais perigosa", resultando em uma erosão da vontade de combater americana.

"É por isso que Karzai está tentando negociar agora", disse um dos analistas de mais alta patente presentes ao briefing.

Pasha, o comandante dos serviços de inteligência do Paquistão, fez uma rápida visita a Cabul logo antes da partida de Karzai para uma viagem a Washington em maio, disse um funcionário do governo dos Estados Unidos.

Nem Karzai e nem os paquistaneses conversaram com os americanos sobre a incorporação da rede de Haqqani à estrutura de poder do Afeganistão no pós-guerra, disse o funcionário.

O Paquistão já conquistou aquilo que vê como importante concessão em Cabul, a renúncia, este mês, de Amrullah Saleh, o chefe do serviço de inteligência afegão, e Hanif Atmar, o ministro do Interior. Os dois funcionários eram vistos de modo positivo por Washington, mas o Paquistão sempre os considerou como obstáculos à sua visão de uma incorporação do núcleo mais duro de combatentes do Talibã a um acordo geral de paz no Afeganistão, ainda que as circunstâncias em que foram demitidos não revele qualquer conexão para com o Paquistão.

Além de seus interesses estratégicos, os paquistaneses alegam que o momento para abrir negociações com Karzai foi decidido com base em uma sensação de incerteza, no governo Obama, quanto à guerra do Afeganistão, mesmo antes da queda do general McChrystal - "parece que lhes falta determinação de vencer", disse um paquistanês.

"O cronograma americano para retirar as forças dos Estados Unidos do país torna mais fácil para o Paquistão desempenhar um papel de alta visibilidade", disse o major-general Athar Abbas, porta-voz do exército paquistanês.

Ele estava se referindo a julho de 2011, a data que Obama decretou para iniciar a retirada de forças de combate americanas.

A oferta paquistanesa de incluir a rede de Haqqani na solução para o conflito afegão agora foi incorporada à política básica do país, disse Rifaat Hussain, professor de relações internacionais da Universidade de Islamabad e confidente de alguns dos principais generais do país.

"A elite acredita que, sem a participação de Haqqani, os esforços para estabilizar a situação do Afeganistão estarão fadados ao fracasso", disse Hussain. "Haqqani conta com forças de combate numerosas e atrai-lo a um acordo de divisão do poder poderia fazer com que fosse evitado grande derramamento de sangue".

As recentes visitas de Kayani e Pasha a Cabul eram parte do "esforço para conseguir que isso aconteça", disse.

Funcionários afegãos disseram que Kayani se havia oferecido para intermediar um acordo com o mulá Muhammad Omar, o líder do Talibã, e que ele envia enviado a Cabul emissários de outro líder rebelde e veterano aliado paquistanês, Gulbuddin Hekmatyar, para apresentar uma proposta de paz de 15 pontos, em março.

A rede de Haqqani, que tem combatentes em todo o leste do Afeganistão, inclusive em Cabul, está preparada a romper com a Al-Qaeda, disseram representantes das forças armadas e serviços de inteligência paquistaneses.

O Talibã, incluindo o grupo de Haqqani, está pronto para um acordo quanto à Al-Qaeda, disse um importante funcionário paquistanês próximo ao exército. O grupo de Haqqani poderia forçar a Al-Qaeda a se transferir, porque a protegeu por nove anos, desde o 11 de setembro, disse.

Mas ele reconheceu que a rede de Haqqani e a Al-Qaeda eram "conectadas demais" uma à outra para que uma separação completa ocorresse. As organizações fornecem combatentes, dinheiro e outros recursos uma à outra há muitos anos, afirmou.

Tampouco parece haver ideia quanto a onde enviar as forças da Al-Qaeda, e nenhuma resposta quanto à entrega de Osama bin Laden e seu segundo em comando, Ayman al-Zawahri, às autoridades pela rede de Haqqani, disse o funcionário.

A rede de Haqqani pode estar jogando em separado com seus patrocinadores, os paquistaneses, disse Hussain.

"Muita gente acredita que a disposição da rede de Haqqani para reduzir contatos com a Al-Qaeda seja uma medida tática, para impedir as ações que o exército paquistanês pretende realizar no Waziristão do Norte", afirmou.

Paulo Migliacci

The New York Times
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