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Estados Unidos

Como foram as 36 horas que culminaram na saída de McChrystal

24 jun 2010 - 11h11
(atualizado em 25/6/2010 às 10h11)
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Mark Landler
Do New York Times, em Washington

Quando acordou, na manhã de quarta-feira, a decisão do presidente Barack Obama já havia sido tomada.

Obama renúncia de Mcchrystal, e indica o General David Petraeus (dir.) como novo comandante no Afeganistão
Obama renúncia de Mcchrystal, e indica o General David Petraeus (dir.) como novo comandante no Afeganistão
Foto: AP

Nas 36 frenéticas horas transcorridas desde que alguém lhe entregou um artigo da novas edição da revista Rolling Stone, que portava o preocupante título de "O General Desgovernado", o presidente vinha ponderando as consequências de remover do comando das forças americanos e aliadas no Afeganistão o general Stanley McChrystal, cujas declarações desdenhosas sobre funcionários do governo haviam deflagrado uma tempestade de protestos.

Obama, dizem seus assessores, consultou assessores - alguns, a exemplo do secretário da Defesa, Robert Gates, alertaram sobre os riscos de uma demissão; outros, como seus assessores políticos, acreditavam que era necessário afastá-lo. Também pediu conselhos a um veterano soldado e estadista, o general reformado Colin Powell. Identificou um sucessor que poderia assumir o comando da guerra no Afeganistão. E, ao final do processo, removeu McChrystal de seu comando, em uma reunião de apenas 20 minutos de duração. De acordo com um assessor, o general pediu desculpas, ofereceu sua resignação e não pressionou para manter o posto.

Depois de um debate extenso entre funcionários da Casa Branca, "chegamos a uma concordância geral de opiniões", disse Rahm Emanuel, o chefe da Casa Civil da presidência e um dos mais importantes participantes do processo.

"A situação não era boa para a missão, as forças armadas e o moral". Obama já havia forçado a saída de funcionários importantes, no passado, entre os quais Dennis Blair, diretor de inteligência nacional; o diretor jurídico da Casa Branca, Gregory Craig; e até mesmo o predecessor de McChrystal, general David McKiernan.

Mas a demissão do general é a mais complicada de sua presidência. O tempo transcorrido entre a primeira leitura do artigo da Rolling Stone por Obama e sua decisão de aceitar a renúncia de McChrystal permite vislumbrar como funciona o processo decisório do presidente em situações de estresse extremo. Ele pode parecer aberto a discussões e bastante ponderado, mas por fim se prova frio e decidido.

Em uma reunião subsequente com o seu conselho de guerra quanto ao Afeganistão, Obama repreendeu a todos, ordenando que seus assessores parassem de discutir entre eles.

"O presidente disse que não queria mais ver disputas mesquinhas; que não estávamos preocupados com personalidades ou reputações, mas com a situação de nossos homens e mulheres uniformizados", disse um importante funcionário do governo que, como outros dos envolvidos, aceitou falar sobre o que aconteceu nos dois últimos dias sob a condição de que seu nome não fosse revelado.

O drama começou na tarde de segunda-feira, quando o vice-presidente Joe Biden, que estava voltando para casa em um voo vindo do Illinois e que pousaria na base Andrews da força aérea, recebeu um telefonema perturbador do general McChrystal.

A qualidade da ligação não era boa, e a conversa mal durou dois minutos. McChrystal disse ao vice-presidente que havia um artigo a ponto de ser publicado do qual Biden não gostaria nem um pouco. Intrigado, Biden solicitou aos seus assessores que descobrissem do que se tratava e, quando o avião dele aterrissou, assessores lhe entregaram o artigo.

Depois de digerir o conteúdo em sua residência, em Washington, Biden ligou para o presidente Obama às 19h30min daquela noite. Horas antes, a Casa Branca também havia sido informada sobre o artigo, e um jovem assessor de mídia chamado Tony Vietor distribuiu cópias a todos os principais funcionários na equipe de segurança nacional de Obama.

O secretário de imprensa da presidência, Robert Gibbs, levou uma cópia à ala residencial da Casa Branca. Depois de ler os primeiros parágrafos - uma descrição sarcástica e repleta de palavrões sobre a repulsa de McChrystal quanto a ter de jantar com um ministro francês e informá-lo sobre a guerra -, Obama decidiu que havia lido o bastante, disse um importante funcionário do governo. Convocou uma reunião imediata de seus assessores políticos e de segurança nacional no Gabinete Oval.

Já estava claro, àquela altura, de acordo com o funcionário, que era provável que McChrystal não sobrevivesse. Obama estava inclinado a demiti-lo, revela outro funcionário do governo, embora este tenha dito que o presidente estava disposto a esperar que o general explicasse suas ações e as de seus auxiliares.

Na reunião no Gabinete Oval, segunda-feira, Obama solicitou que McChrystal fosse convocado a voltar de Cabul para Washington. Antes de partir do Afeganistão, o general já tinha realizado uma reunião previamente marcada com Susan Rice, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, que estava em visita a Cabul com outros diplomatas da ONU.

Em reunião pessoal com o presidente na terça-feira, Gates, que havia sido o principal proponente da promoção de McChrystal ao comando no Afeganistão, apelou a Obama que ouvisse o que o general tinha a dizer, disse um funcionário. Alertou que demitir o comandante causaria séria perturbação no esforço de guerra. Gates estava especialmente preocupado com "continuidade, ímpeto e relacionamentos com aliados", disse um funcionário importante que participou da sucessão de reuniões.

Ainda assim, enquanto Gates defendia McChrystal, o Departamento da Defesa já tinha começado a montar uma lista de possíveis substitutos. Obama, disse o funcionário citado, se sentiu imediatamente atraído pela ideia de recorrer ao general David Petraeus - renomado arquiteto de estratégias de combate a insurgências, líder militar experiente em questões políticas e um substituto que atenderia às preocupações de Gates.

Por coincidência, Petraeus estava por perto. Naquele dia, ele havia viajado a uma localização secreta no norte da Virgínia para participar de uma reunião do Conselho Executivo de Combate ao Terrorismo, um grupo de líderes militares e dos serviços de inteligência que realiza encontros regulares para debater operações.

O posto não foi oferecido a Petraeus antes que ele visitasse a Casa Branca na quarta-feira, pouco depois da reunião entre o presidente e McChrystal, disse um assessor importante da Casa Branca.

Na terça-feira, enquanto McChrystal realizava o voo de 14 horas para voltar a Washington, a Casa Branca conduziu uma série de reuniões sobre o que aconteceria a ele. Além de Gates, dizem funcionários envolvidos, quatro outros funcionários importantes do governo influenciaram a decisão: Biden; o assessor de segurança nacional do presidente, general James Jones; o chefe do Estado-Maior Conjunto das forças armadas, almirante Mike Mullen; e Emanuel.

A opinião de Emanuel e as de outros assessores mudou diversas vezes, de acordo com um funcionário importante envolvido no processo. Obama estava inclinado a demitir o general, mas decidiu ouvir primeiro as questões em debate. Quando chegou a noite da terça-feira, dizem funcionários, os participantes decidiram que a melhor solução seria que o general renunciasse.

Enquanto isso, McChrystal estava ocupado fazendo telefonemas para pedir desculpas a pessoas que haviam sido mencionadas de maneira desdenhosa no artigo. Um dos telefonemas foi para o senador John Kerry, presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado.

"Ele se mostrou muito respeitoso e pediu desculpas, e creio que tenha genuinamente compreendido que havia cometido um erro; ele não ofereceu justificativas vãs", disse Kerry em entrevista, acrescentando que McChrystal não havia apresentado quaisquer argumentos em defesa de reter seu posto. "Foi muito franco e direto".

McChrystal teve alguns defensores importantes, entre os quais o presidente afegão Hamid Karzai.

Mas por fim, Obama decidiu que o general teria de sair. Depois da reunião com McChrystal, ele se reuniu por 40 minutos com Petraeus, participou de uma sessão mais ampla com seu conselho de guerra e depois saiu ao gramado da Casa Branca para explicar sua decisão ao público.

"Ele gosta de Stan e acha que ele é um bom sujeito, um bom general e um bom soldado", disse Emanuel. "Mas, como o presidente afirmou em seu comunicado, a questão em jogo era mais importante que quaisquer considerações pessoais".

Tradução: Paulo Migliacci

The New York Times
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