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Oriente Médio

No Afeganistão como no Iraque, a nova espécie de comandante

23 jun 2010 - 11h28
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Dexter Filkins
Do New York Times, em Cabul, Afeganistão

Como seu chefe, mentor e amigo, general David Petraeus, o general Stanley McChrystal adotou um novo ideal para se tornar membro da nova geração de comandantes militares americanos: intelectual, aberto para com a imprensa e tão antenado politicamente quanto os políticos eleitos aos quais deve obedecer no exercício de suas funções.

Polêmica entrevista foi publicada na revista americana Rolling Stone
Polêmica entrevista foi publicada na revista americana Rolling Stone
Foto: Reprodução

Quanto a isso, os dois generais de quatro estrelas - Petraeus no Iraque, McChrystal no Afeganistão - personificam a convicção moderna de que os comandantes militares americanos precisam ser capazes tanto de promover publicamente suas estratégias quanto de executá-las.

E os dois o fizeram. Petraeus se tornou o rosto público da contraofensiva que o presidente George W. Bush iniciou no Iraque em 2007, enquanto McChrystal, ao tentar impedir uma derrota na guerra do Afeganistão, abriu seu quartel-general à imprensa e ao público de um modo que seria inimaginável para generais de gerações anteriores.

Com a publicação de algumas declarações pouco ponderadas feitas por ele e seus assessores na presença de um jornalista, McChrystal demonstrou o perigo que surge quando o público é autorizado a ver de muito perto os seus comandantes em uma guerra - e também as suas deficiências pessoais como administrador de uma imagem pública.

McChrystal, 55 anos, é um homem franzino e enérgico, e sua indicação apanhou muita gente de surpresa quando o presidente Obama o promoveu ao comando das forças americanas e da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) no Afeganistão, cerca de um ano atrás.

Ainda que os efeitos do 11 de setembro nos Estados Unidos tenham dado fama a numerosos generais, como Petraeus, McChrystal passou boa parte de sua carreira servindo nas sigilosas unidades de operações especiais do exército.

Por cinco anos, dos dias iniciais da guerra no Iraque até que os últimos reforços americanos chegassem àquele país, em 2008, McChrystal liderou o Comando Conjunto de Operações Especiais, a ala operacional mais secreta das forças armadas. O objetivo de sua unidade era matar terroristas e fazê-lo discretamente.

Ao chegar ao Afeganistão, McChrystal adotou uma política de acessibilidade, uma decisão especialmente notável para um homem cuja carreira sempre esteve envolta em segredo, e convidou repórteres americanos e ocidentais a participarem com ele de sessões de informações sigilosas e em viagens pelo país.

Como Petraeus, que tem um doutorado pela Universidade de Princeton, McChrystal, pesquisador da Universidade Harvard e do Conselho de Relações Exteriores, emprestou um intelecto formidável à intransponível complexidade da política étnica e tribal afegã. E se esforçou por explicar via imprensa, a um público cada vez mais cansado de guerra e desconfiado quanto aos esforços americanos no Afeganistão, o arrazoado que embasa sua estratégia de combate à insurgência.

Ele enfatizou a necessidade de conquistar o público afegão e de concentrar os combates nos territórios mais favoráveis ao Taleban, no sul. Retirou soldados de áreas periféricas e anunciou operações militares publicamente, muito antes que começassem.

"No exército, especialmente, se desenvolveu uma compreensão sofisticada do relacionamento entre civis e militares", diz Richard Kohn, professor de História na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. "Creio que mais e mais dos principais comandantes tenham evoluído e aprendido a reconhecer a importância de se comunicar com o público americano, por meio da imprensa americana".

De fato, como Petraeus anteriormente, o estilo simpático à mídia de McChrystal tinha vínculo direto com as perspectivas de sucesso em campo. No Iraque, Petraeus salvou o projeto americano da catástrofe menos por matar insurgentes do que ao se aproximar do público iraquiano e protegê-lo. Quando o fez, Petraeus se tornou uma espécie de herói folclórico - e chegou a ser alvo de muitos boatos como possível candidato à presidência.

No Afeganistão, McChrystal tentou fazer o mesmo, dizendo aos soldados em todas as unidades que visitava que matar os integrantes do Taleban acarretava custos, muitas vezes em forma de civis mortos, e que isso raramente tornava justificável empregar força esmagadora.

Ele promulgou ordens instruindo os soldados a dirigir seus Humvees e tanques de maneira cortês, e dificultou o recurso a ataques aéreos para matar insurgentes, porque isso aumenta o risco de baixas civis. Quando soldados sob seus comandados causam a morte de mulheres e crianças, McChrystal muitas vezes pede desculpas diretamente ao presidente afegão Hamid Karzai e ao povo do país.

Este mês, quando um repórter do grupo jornalístico McClatchy ouviu McChrystal se referir à cidade de Marjah como "uma úlcera inflamada", não parecia haver coisa alguma de especialmente notável quanto à afirmação.

Ao fazer uma série de comentários derrisórios sobre membros do governo Obama ao repórter freelancer Michael Hastings, da revista Rolling Stone, McChrystal foi bem além dos limites da franqueza aceitável, e ingressou no território do risco político.

Os motivos exatos para que o general e seus subordinados tenham se deixado descontrolar dessa maneira na presença de um repórter são difíceis de estimar. É possível que estivessem tão acostumados à presença de jornalistas que se esqueceram de que havia um deles por lá.

E essa talvez seja uma indicação da diferença entre McChrystal e seu mentor. Não se pode imaginar Petraeus dizendo esse tipo de coisas ou baixando a guarda e se deixando apanhar em situação semelhante.Pois se existe uma regra que essa nova geração de generais segue com rigor é a de que franqueza é bom, mas não demais.

Tradução: Paulo Migliacci

Fonte: Redação Terra
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