PUBLICIDADE

Oriente Médio

Com diminuição da violência, vida noturna renasce em Bagdá

22 jun 2010 - 11h39
(atualizado às 14h56)
Compartilhar
ANTHONY SHADID
Do New York Times, em Bagdá, Iraque

Não importa o quanto você proteste, ainda terá que entregar a sua arma na porta do restaurante. (Em troca, os clientes ganham uma ficha para retirar a arma mais tarde.) Seguranças de jeans apertado e camisas ainda mais apertadas vigiam a entrada, carregando o sinal de autoridade daqui: um walkie-talkie. Mesmo convidados indiferentes lançam olhares cautelosos pela estrada, à procura de um carro contendo uma bomba.

Pessoas jantam Lebanese Club, em Bagdá, estabelecimento em que foram investidos US$ 2,5 milhões
Pessoas jantam Lebanese Club, em Bagdá, estabelecimento em que foram investidos US$ 2,5 milhões
Foto: The New York Times

Antoine al-Hage, o equivalente do capitalismo a um mercenário, sorri para tudo - o perigo, o risco e, claro, a recompensa de trazer a vida noturna ao Iraque. "Onde há guerra", ele disse, "há muito dinheiro".

Vários novos restaurantes abriram na capital este ano, como Tomorrow and Tool al-Lail, Toast e City Chief, oferecendo um alívio para uma cidade espetacularmente escassa de atrações da vida noturna. Todos se adaptaram às condições da Bagdá contemporânea, cidade que possui alguns traços prosaicos, mas continua sendo um aglomerado de barricadas, com paredes explodidas e arame farpado. Ou seja, quase todos aqui se gabam por terem vidros antiestilhaço.

Mas existe uma badalação especial em torno do estabelecimento de al-Hage, inaugurado no mês passado. A pergunta que se ouve frequentemente na cidade hoje em dia é: "Ah, aquele restaurante libanês, você viu?"

O Lebanese Club é um lounge com toques de Beirute, Dubai e Miami, como em "Scarface", mas sem cocaína. "Um lugar de classe", al-Hage diz, e embora exista um indício de elogio maternal em sua opinião, ele está certo ao dizer que o clube não tem concorrência em Bagdá, em porte, ambição ou, mais certamente, decoração.

Tons de vermelho, ouro e marrom acentuam as colunas cromadas, de couro, vidro e pele de jacaré falsa. O mármore veio do Líbano, o assoalho de Dubai e os móveis da Indonésia. Há uma televisão de tela grande fixada nas janelas de dois andares que dão para um pátio de três deques. Lá, os clientes têm uma vista do Trigris, outrora a propriedade em que se localizavam os palácios da esposa e cunhado de Saddam Hussein.

À noite, al-Hage se socializa com os clientes, sempre o anfitrião. "Prefiro falar francês", ele se voluntariou.

Al-Hage, que é libanês com orgulho, exala uma desenvoltura autoconsciente que celebra o shatara - a palavra árabe para esperteza e malícia com um toque de dissimulação. (Um exemplo de shatara que ouvi por acaso em Beirute: "Não vou te engana", um senhorio disse a um inquilino potencial. "Bom, eu vou te enganar, mas não muito") Ele também tem um talento para ganhar dinheiro aonde quer que vá, a despeito da falência do Estado.

Um dos sócios iraquianos do clube, Jumaa al-Musawi, parecia gostar do entusiasmo de al-Hage. Sua preocupação, justificada, era de que o restaurante fosse uma aventura arriscada, mas ele disse que tinha valido a pena tentar.

Compare o risco ao que estava em jogo para al-Hage. "Há muito dinheiro aqui", ele exclamou. "Demais! Muito mesmo!"

Al-Hage, 51 anos, é a versão mais atual de uma história libanesa antiga, de uma diáspora conhecida por seguir os negócios aonde quer que levem. Simplificando, durante uma década, ele seguiu a trilha das empreitadas imperiais da América. Depois de ajudar a construir um aeroporto em Kandahar, no sul do Afeganistão, ele fez paradas no Tajiquistão e Uzbequistão. Durante seis anos, ele voltou ao Iraque diversas vezes, um país em que muitas fortunas foram feitas através do governo americano, na construção e prestação de serviços.

"Onde os americanos estão, nós estamos", ele disse. Então ele sorriu, de modo brincalhão. "Em breve", ele disse, "estamos planejando ir para o Irã".

A construção do Lebanese Club custou US$ 2,5 milhões, e seus investidores, iraquianos e libaneses, calculam que podem recuperar o dinheiro em um ano. Mesmo numa noite de dia de semana, o lugar tem grande movimento, com al-Hage no comando de uma equipe de 150, 25 deles libaneses. (O chef libanês ganha o maior salário, U$S 72 mil, com todas as despesas pagas.)

"Não tenha pressa", alguém disse a al-Hage, enquanto ele passava correndo de tarefa em tarefa. "Não terei. Não se preocupe", ele respondeu.

Seu celular tocou; ele começou a gritar ao telefone. "Não temos eletricidade?", ele perguntou a alguém que ligava da sua casa, escura devido a outra falta de luz. "Sem eletricidade? Por quê? Mande alguém aí para checar o disjuntor".

Ele reclama sobre as inconveniências dos vistos de saída - essencialmente, uma permissão exigida para qualquer visitante deixar o Iraque - e as temperaturas (a previsão para o domingo era de 45°C). A vizinhança, ele admite com relutância, é conservadora demais para permitir álcool no local. Mas para um homem que diz trabalhar 17 horas por dia, al-Hage consegue reter, e exibir, seu charme.

"Bonjour!", ele gritou a seis funcionários libaneses recém-chegados. Ele se virou para um assistente. "Veja se eles querem comer algo! Veja se eles querem beber algo!"

Da caixa de som, saía uma música antiga do cantor egípcio Abdel-Halim Hafez. "É uma longa jornada", a música dizia, "e nela, sou um estranho".

Bagdá hoje em dia parece desejar ter um alívio após anos fatigantes de toques de recolher, quando os estabelecimentos locais fechavam antes do cair da noite e as ruas ficavam desertas na escuridão. Ainda existe uma sensação de crise aqui, após meses desde a eleição em março sem um novo governo à vista.

Mas sempre resistente, a cidade dá sinais de vida. Adolescentes empinam suas motos pelas ruas de tráfego intenso, e os restaurantes ficam abertos até a meia noite. "Frère Jacques" tocava no brinquedo em um estabelecimento. Peixes nadavam na fonte de outro.

De longe, os carros mais luxuosos - Toyota Land Cruisers, Jeep Commanders e Hummers - estão estacionados na frente do Lebanese Club.

Desde que o clube abriu em 27 de maio, os embaixadores da França e do Líbano jantam aqui. Assim como o porta-voz do governo, o governador de Bagdá, o líder do comitê acusado de eliminar do governo os membros do partido Baath, e o ministro de segurança nacional. Alguns até evitam a sala VIP, com um anexo para seguranças, para se socializar com os clientes.

"Bagdá está mudando", disse Amir Razzaq, fumando um narguilé perto da grande TV. "Está muito mudada. Agora só falta eles formarem um governo".

Tradução: Amy Traduções

The New York Times
Compartilhar
Publicidade