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Ásia

Grupo militante expande ataques no Afeganistão

16 jun 2010 - 14h40
(atualizado às 14h47)
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Alissa J. Rubin
Do New York Times, em Cabul, Afeganistão

Um grupo militante baseado no Paquistão e relacionado a ataques contra alvos indianos expandiu suas operações ao Afeganistão, infligindo baixas a indianos e afegãos igualmente, estabelecendo campos de treinamento e agravando a volatilidade no relacionamento entre Índia e Paquistão.

Menino passa em frente a casa destruída em atentado atribuído ao Lashkar-e-Taiba que deixou 18 mortos
Menino passa em frente a casa destruída em atentado atribuído ao Lashkar-e-Taiba que deixou 18 mortos
Foto: The New York Times

Acredita-se que o grupo, Lashkar-e-Taiba, tenha planejado ou executado três grandes ataques contra funcionários do governo e trabalhadores de organizações privadas indianos no Afeganistão nos últimos meses, de acordo com diplomatas e com agentes de inteligência afegãos e estrangeiros que operam em Cabul. O grupo continua a rastrear trabalhadores assistenciais, da Índia e outros países, para possível ataque, dizem.

O Lashkar foi responsável pelos ataques sincronizados contra diversos alvos civis em Mumbai, Índia, em 2008, nos quais pelo menos 163 pessoas foram mortas. Os estragos causados no Afeganistão são nova indicação das crescentes ambições do grupo quando a enfrentar a Índia mesmo fora da Caxemira, território disputado entre paquistaneses e indianos; o Lashkar foi originalmente criado pelas forças armadas e serviços de inteligência paquistaneses para operar na Caxemira, décadas atrás.

Oficialmente, o Paquistão afirma que já não apoia ou financia o grupo. Mas as atividades expandidas do Lashkar no Afeganistão, especialmente contra alvos indianos, provocam suspeitas de que ele se tornou uma das ferramentas do Paquistão para contrabalançar a influência indiana no país.

Isso oferece outra indicação de até que ponto os militantes paquistaneses estão influenciando o desfecho da guerra afegã, agora que se aproxima a data para o início da retirada das tropas americanas, marcado para julho de 2011.

Oficiais recentemente reformados das forças armadas paquistaneses dirigiram os ataques contra Mumbai, aparentemente, e alguns membros do Lashkar afirmam que não existe grande separação entre o grupo e seus antigos superiores hierárquicos nos escalões de comando das forças de segurança paquistanesas.

Alguns agentes de inteligência afirmam que é possível que algumas facções do Lashkar-e-Taiba, ou "exército dos puros", tenham se afastado de seus antigos superiores e estejam operando de maneira mais independente, ainda que as autoridades indianas e afegãos afirmem que o foco em alvos indianos esteja sendo interpretado como desafio direto vindo do Paquistão.

"Nossa preocupação é a de que ainda existam partes interessadas em usar o território afegão como local para uma guerra por procuração", disse Shaida Abdali, assessor de segurança nacional do governo afegão. "Esse tipo de ação vem sendo executada por certos agentes estatais como forma de combater seus oponentes".

Alguns especialistas dizem agora que o Lashkar representa maior ameaça que a Al-Qaeda, no Afeganistão, porque seus agentes são oriundos da região e é mais difícil identificá-los; além disso, eles causam menos ressentimentos entre os moradores locais do que os combatentes árabes que formam as unidades da Al-Qaeda. Três ou quatro anos atrás, existiam algumas células do Lashkar no Afeganistão, mas elas não tinham por foco alvos indianos; além disso, até recentemente a presença do grupo no país parecia estar diminuindo.

Um recente relatório do Departamento da Defesa ao Congresso dos Estados Unidos definia o Lashkar como uma das maiores ameaças extremistas no Afeganistão. Em depoimento ao Congresso por especialistas em assuntos paquistaneses, em março, o grupo foi descrito como tendo ambições que se estendem bem além da Índia.

"Estão ativos em seis ou oito províncias" do Afeganistão, agora, disse um agente sênior de inteligência da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan), que, como outras pessoas contadas, concedeu entrevista para este artigo sob a condição de que seu nome não fosse revelado, porque não estava autorizado a falar publicamente sobre o assunto.

"No momento estão mais interessados em alvos indianos aqui, mas podem negociar ataques a alvos internacionais em troca de dinheiro, influência ou acordos de aliança com outros grupos", afirmou.

As capacidades do Lashkar, dizem especialistas em combate ao terrorismo, se expandiram nos últimos anos, depois que o grupo transferiu muitas de suas operações às regiões tribais do Paquistão, onde troca informações, serviços de treinamento e conhecimentos especializados com outras organizações militantes, entre as quais Al-Qaeda, Talibã e a rede insurgente dirigida por Siraj Haqqani, mais uma organização que há muito serve os serviços de informações paquistaneses.

"Muitos dos militantes de linha dura deixaram o Lashkar e se transferiram ao Waziristão do Norte e ao Waziristão do Sul", disse um agente de inteligência paquistanês. "Existem diversas alas dissidentes do grupo que se tornaram mais radicais. O problema não é o Lashkar em si, mas os elementos da organização que se afastaram da ala dominante e encontraram espaço no Waziristão".

Naquela vasta região da fronteira afegão, dizem funcionários dos serviços de segurança, o poderio do governo está ausente e o Lashkar pode estar ajudando outros grupos militantes a planejar complexos ataques contra alvos afegãos e internacionais, possivelmente em troca de reconhecimento de alvos indianos por parte de seus aliados nos grupos militantes que têm agentes no Afeganistão.

Os alvos indianos são fáceis de localizar. Desde a derrubada do governo do Talibã por forças americanas e internacionais, em 2001, a Índia forneceu mais de US$ 1 bilhão em assistência ao desenvolvimento afegão, o que inclui a construção de um novo edifício para o Legislativo do país e diversos grandes projetos de estradas e eletricidade.

O país também revitalizou seus consulados em quatro das grandes cidades afegãs - Herat, Jalalabad, Mazar-i-Sharif e Kandahar -, o que alimenta temores paquistaneses de cerco por vizinhos hostis e suspeitas de que a Índia esteja empregando o Afeganistão como posto de escuta para seus serviços de inteligência.

"O que um consulado indiano faz, no Afeganistão, se não existe população indiana?", perguntou um agente de inteligência paquistanês, que alegou também que os indianos estavam fornecendo dinheiro, munições e explosivos para o Talibã paquistanês nas áreas tribais, e que esses suprimentos eram contrabandeados através do território afegão. Os indianos rejeitam as acusações.

"É uma crença inabalável, e uma ideia fixa no raciocínio paquistanês, a inferência de que a Índia aproveitará toda e qualquer oportunidade para colocar o Paquistão em desvantagem", disse Marvin Weinbaum, analista sênior do Middle East Institute, que depôs diante do Congresso em março sobre o perigo crescente representado pelo Lashkar.

A Índia apoiou uma aliança de combatentes do norte do Afeganistão contra o Talibã, quando o Talibã - aliado do Paquistão - governava o país, e mantém um relacionamento estreito com os antigos comandantes dessa aliança, disseram Weinbaum e outros observadores. O relacionamento agrava os temores paquistaneses de que a Índia passe a recorrer a aliados próprios no Afeganistão assim que as forças dos Estados Unidos partirem.

O Paquistão, enquanto isso, continuou a permitir que líderes do Talibã afegão e outros combatentes que enfrentam as forças da Otan mantenham bases em seu território. O objetivo parece ser o de reter conexões com organizações que podem um dia retornar ao poder no Afeganistão, ou exercer influência lá.

Uma indicação da presença do Lashkar no Afeganistão surgiu em 8 de abril, quando uma força de operações especiais composta por soldados americanos e afegãos matou nove militantes do grupo e capturou um combatente depois de uma batalha na província de Nangarhar, no leste do país. Todos eles eram paquistaneses "e havia uma concentração de integrantes do Lashkar", de acordo com um oficial de alta patente nas forças armadas americanas.

Acredita-se que o Lashkar tenha orquestrado o atentado com um carro bomba e dois outros ataques suicidas a duas casas de hóspedes em Cabul frequentadas por indianos, em 26 de fevereiro. Um ataque a um shopping center e banco no centro de Cabul, em janeiro, também sugeria influência do Lashkar.

Os dois ataques tinham pontos de semelhança com os ocorridos em Mumbai. Envolviam planejamento meticuloso e múltiplos alvos e, no caso das casas de hóspedes, alvos indianos. Além disso, as ações de múltiplos atacantes foram coordenadas por pessoas de fora do país, por meio de celulares, durante as operações.

Testemunhas disseram aos investigadores que os atacantes em uma das casas de hóspedes chegaram gritando: "Onde está o médico indiano?"

"O que sabemos ao certo é que a ação foi planejada, financiada e organizada fora do Afeganistão, e seus participantes também treinaram no exterior", disse. "Nos últimos seis meses, mais de quatro ataques realizados em Cabul envolviam terroristas suicidas equipados com telefones recuperados depois do ataque, que mostravam ligações para o Paquistão durante os atentados".

Diversos especialistas em questões de inteligência disseram duvidar que o Lashkar seja capaz de executar sozinho ações como os ataques contra as casas de hóspedes. Os agentes do Lashkar teriam de entrar no Afeganistão, encontrar lugar para se refugiar, receber armas, explosivos, veículos e a chance de realizar reconhecimento nos alvos, apontaram.

O mais provável parceiro, afirmam, seria a rede de Haqaani, que tem base no Waziristão do Norte, conexões com a Al-Qaeda e ao que se sabe já realizou ataques em Cabul.

O Lashkar, em companhia de grupos extremistas afegãos, também esteve aparentemente envolvido no ataque contra a embaixada indiana em Cabul em 8 de outubro de 2009, que causou a morte de 17 pessoas, e no ataque diante do hotel Heetal, em 15 de dezembro, que deixou oito mortos. No momento do ataque ao hotel, cerca de duas dúzias de engenheiros indianos estavam hospedados nele ou em um edifício ao lado.

The New York Times
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