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América Latina

Guerra contra drogas leva rota da cocaína de volta ao Peru

15 jun 2010 - 10h46
(atualizado às 10h48)
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Simon Romero
Do New York Times, em Tingo Maria, Peru

O cultivo de coca está voltando a crescer nestes remotos vales tropicais, como parte de um grande reposicionamento do mercado de drogas andino que está transformando o Peru num candidato a superar a Colômbia como o maior exportador de cocaína do mundo.

Os grupos mexicanos e colombianos de tráfico de drogas estão ampliando seu alcance até o Peru, onde duas facções da guerrilha Sendero Luminoso já competem pelo controle do comércio de cocaína.

Os traficantes - protegidos pela demanda persistente de cocaína nos Estados Unidos, Brasil e partes da Europa - estão frustrando os esforços de combate ao ressurgimento da droga no Peru e ampliando o espectro de violência num país já assolado por anos de guerra.

"A luta contra a coca pode ser comparada a deter o vento", disse o general Juan Zarate, que lidera as campanhas de erradicação da coca no país.

O aumento no Peru fornece um olhar sobre um dos aspectos mais vexatórios da guerra contra as drogas na América Latina financiada pelos Estados Unidos, que começou quatro décadas atrás. Quando as forças antinarcóticos têm sucesso em um lugar - como tiveram recentemente na Colômbia, que recebeu mais de US$ 5 bilhões em ajuda americana nesta década -, o cultivo muda para outro canto dos Andes.

Isso aconteceu nos anos 1990, quando o cultivo se transferiu para a Colômbia após projetos bem-sucedidos de erradicação no Peru e na Bolívia. Mais recentemente, os cocaleiros se mudaram para dezenas de novas áreas na Colômbia após outras áreas terem sido pulverizadas. Estudiosos da guerra da droga nos Andes chamam isso de efeito balão, tendo em mente um balão que incha em uma área enquanto outra é espremida.

"A política de intervenção de Washington orientada para a oferta inevitavelmente otimiza a eficiência e habilidades empreendedoras dos traficantes", disse Paul Gootenberg, que escreveu o livro "Andean Cocaine".

O efeito balão - e suas consequências - está fechando o seu ciclo nos vales selvagens do Peru central, o célebre berço da indústria da cocaína.No final de abril, uma facção do Sendero Luminoso, o grupo rebelde considerado responsável por dezenas de milhares de mortes de 1980 a 2000 em sua guerra contra o governo, matou dois exterminadores e um policial no centro do Peru.

É a mesma região que vivenciou o primeiro boom da cocaína no século 19, após químicos alemães desenvolverem uma fórmula para produzir cocaína a partir da folha de coca, abastecendo um mercado legal nos Estados Unidos e na Europa. Sigmund Freud esteve entre os primeiros usuários.

Nos anos 1970, com a cocaína ilegal por aqui e o governo do Peru proibindo boa parte das novas plantações de coca no país, os senhores da droga colombianos botaram em funcionamento outro boom, exportando a folha da coca peruana para laboratórios de cocaína do outro lado da fronteira.

Depois, colunas do Sendero Luminoso protegeram agricultores que cultivavam coca na região, consolidando o Peru como o maior produtor de coca do mundo.Na década de 1990, o presidente Alberto Fujimori militarizou a região e esmagou o Sendero Luminoso, diminuindo os níveis de cultivo. Hoje, muitos agricultores estão novamente plantando coca. "A coca nos permite alimentar nossos filhos", disse Jacinta Rojas, 45 anos, plantadora nas proximidades de Tingo Maria, explicando que a coca pode ser colhida até cinco vezes no ano, em comparação a outras plantações como o cacau, que tem uma ou duas colheitas anuais.

O retorno do comércio de cocaína no Peru é evidente em Tingo Maria, uma cidade tumultuada que sofreu com a queda do cultivo de coca nos anos 1990. Agora, legiões de moto-táxis infestam as ruas e pequenos hotéis e restaurantes abastecem agricultores gastadores.

Clubes noturnos apresentam bandas peruanas que cantam a cumbia, música folclórica transplantada da Colômbia, com letras que celebram e lamentam o trabalho dos cocaleros.

"Cocalero, a panela está vazia; cocalero, sua mulher está chorando", diz um trecho da banda local de cumbia. "Mas continue plantando mais coca, que o dinheiro vai brotar."

O aumento do cultivo no centro do Peru contrasta com a situação na Colômbia, onde ele caiu 18% em 2008, de acordo com as Nações Unidas. No Peru, o cultivo cresceu 4,5% naquele ano, fechando uma década cujas áreas plantadas aumentaram 45% desde 1998. A plantação também cresce na Bolívia, embora o país continue no terceiro lugar em produção total.

Apontando para os esforços de interdição anêmicos do Peru, especialistas antinarcóticos na capital Lima argumentam que o país já pode ter ultrapassado a Colômbia na exportação de cocaína. Uma análise das interceptações de cocaína na Colômbia e no Peru de Jaime Antezana, analista de segurança da Universidade Católica do Peru, revelou que, na Colômbia, que ainda cultiva mais coca e produz mais cocaína do que o Peru, as autoridades confiscaram cerca de 198 t da droga em 2008, em comparação a apenas 20 t no Peru. Isso permite que os traficantes no Peru exportem 282 t de cocaína, quase 50 t a mais do que a capacidade estimada de exportação da Colômbia, explica.

"Se a atual tendência de plantio continuar, podemos ultrapassar a Colômbia como o maior produtor de folha de coca do mundo em 2011 ou 2012, o que nos colocará de volta ao lugar que ocupávamos nos anos 1980", disse Antezana.

O principal conselheiro para políticas de drogas do presidente Barack Obama, R. Gil Kerlikowske, anunciou em maio um plano que privilegia a prevenção e o tratamento nos Estados Unidos. Mas o governo praticamente não mudou o financiamento de projetos de erradicação nos Andes, a despeito do debate sobre se tais esforços podem realmente restringir a oferta de cocaína ou aumentar significativamente seu preço nos Estados Unidos no longo prazo.

O pacote antinarcóticos americano para o Peru foi de US$ 71,7 milhões neste ano, um pouco mais do que os US$ 70,7 milhões do ano passado. Oficiais antinarcóticos americanos operam numa recentemente expandida base da polícia peruana em Tingo Maria, supervisionando equipes peruanas que se espalham nos vales próximos para arrancar manualmente os arbustos de coca.

"Vemos o tráfico de drogas no Peru como parte de um fenômeno global e regional", disse Abelardo A. Arias, diretor da seção de narcóticos da embaixada americana em Lima. "Em resposta às pressões de fiscalização em uma área, os cultivadores da droga e os traficantes levam as operações para novos territórios."

O Peru usa parte do auxílio americano para comprar capacetes e roupas de proteção contra minas terrestres instaladas pela facção local do Sendero Luminoso, que está competindo contra outra facção guerrilheira local por áreas de plantio, de acordo com militares peruanos. Outra parte da ajuda americana vai para empresas americanas contratadas, como a DynCorp, que faz a manutenção dos helicópteros que operam em Tingo Maria.

De um helicóptero, o general Horacio Huivin, diretor da polícia antidrogas peruana, observava os campos de coca localizados a minutos de Tingo Maria. "Caímos num círculo vicioso", disse, "porque estamos erradicando nos mesmos lugares que estávamos erradicando no ano passado ou nos anos anteriores".

Tradução: Amy Traduções

The New York Times
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