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Mundo

Acusada de xenófoba, Liga Norte duplica de tamanho na Itália

15 abr 2010 - 12h17
(atualizado em 16/4/2010 às 07h58)
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Leandro Demori
Direto de Roma

São quilômetros quase infindáveis os que separam as margens dos rios Volga, na Rússia, das do Pó, na Itália. Nos anos 60, no entanto, um nome aproximou as duas correntes: Palmiro Togliatti, secretário-geral do Partido Comunista Italiano (PCI), que em 1964 viu a principal cidade do Volga mudar de Stavropol-na-Volga - nomenclatura que trazia desde o século XVIII - para Togliattigrado, aos moldes de Leningrado e Stalingrado. A homenagem concedida por Moscou a Togliatti desenhava os ares políticos da época: a Itália era o ponto mais importante além da cortina de ferro, ligação focal entre o regime comunista Russo e a Europa ocidental. O PCI tinha, em meados nos anos 70, 35% dos votos na península mediterrânea. O posto de maior partido comunista do ocidente, contudo, durou pouco: mais precisamente até o assassinato do premiê Aldo Moro, atribuído às Brigadas Vermelhas, milícias ligadas à esquerda nacional. O crime fez o sonho vermelho italiano ruir - os votos evaporaram no ar da história.

Umberto Bossi é secretário-geral e um dos fundadores da Liga Norte, na Itália
Umberto Bossi é secretário-geral e um dos fundadores da Liga Norte, na Itália
Foto: AFP

Mais de três décadas após a efervescência ideológica daqueles tempos, o cenário da política italiana de hoje soaria como apocalíptico para a maior parte dos italianos se contado como previsão do futuro à época.O antigo Partido Comunista é voz praticamente desaparecida, afundado juntamente com o voto ideológico. Entre jogos de cena e cartadas televisivas focadas em problemas cotidianos, a força em ascensão em 2010 chama-se Liga Norte (Lega Nord), partido fundado em meados dos anos 90 com tons separatistas, xenófobos, racistas e homofóbicos e que hoje exerce função de segunda força mais importante dentro do governo de Silvio Berlusconi.

A votação alcançada pela Liga Norte nas eleições regionais de março sedimentou o poder do partido: seu eleitorado dobrou em comparação às eleições regionais anteriores, realizadas em 2005, saltando de 6% para 12,7%. Posicionada, inclusive, à frente do Popolo della Libertà (PDL, partido de Berlusconi) no Vêneto, pela primeira vez na história a Lega assume a liderança de uma região - e faz melhor: vence em duas, além do próprio Vêneto, seu berço eleitoral, leva também o Piemonte.

As palavras do secretário-geral e fundador do partido, Umberto Bossi, no pôr-do-sol da mais recente abertura de urnas falam por si: "A Lega é um tsunami".

A ascensão do partido de Bossi causou arrepios em boa parte dos italianos e europeus. Motivos existem. A Lega foi denunciada pela Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância por "uso intenso de propaganda racista e xenófoba". Membros mais radicais do partido defendem posições duras como a expulsão de imigrantes e dizem que o homossexualismo é uma doença. A fama de racista, xenófoba e homofóbica vem sobretudo dos discursos e posições de um nome em particular: Mario Borghezio.

Membro fundador da Lega, Borghezio é deputado representante da Itália no Parlamento Europeu desde 2001 e protagonista de primeira ficha de episódios extremos: já fez comícios raivosos declarando uma "cruzada de honra contra o Islã" enquanto parte da multidão reduzia a chamas a própria bandeira italiana cantando "vamos queimar a tricolor", opondo a Itália à Padânia, país imaginário defendido pela Liga Norte, supostamente composto por regiões do norte e do centro da península.

Em setembro de 2007, Borghezio foi preso em Bruxelas em uma manifestação contra a "islamização" da Europa. Por conta de suas posições, o euro-parlamentar já foi agredido duas vezes. Em um delas, dentro de um trem, um desconhecido quebrou seu nariz com um soco.

Mesmo que não seja consenso entre seus pares, Borghezio continua a representar o partido no Parlamento.

Esquerda, direita, fascista?

Para entender a Liga Norte é preciso deixar na estante os velhos livros de teoria política. Ao mesmo tempo em que abriga extremistas acusados de xenofobia como Mario Borghezio, o partido defende posições historicamente consideradas "de esquerda".

Estão em seus discursos bandeiras como direitos dos trabalhadores (estes, por sua vez, ligados aos sindicatos) e investimentos nos pequenos empreendedores a despeito das grandes multinacionais. "É um partido fortemente ligado ao território local, exatamente como era o Partido Comunista Italiano", explica Maria Sofia Corciulo, professora de História das Instituições Políticas na universidade La Sapienza de Roma.

Acusados de neofascistas, os leguistas se defendem. Alegam que o fascismo era um movimento de motivações nacionalistas, justamente o contrário do que a Lega prega: regionalização da Itália, menos poder ao Estado central e mais força às comunidades. "Não são neofascistas, nem da direita tradicional", explica Giacomo Pacini, historiador dedicado à política italiana a partir dos anos 70. "A Lega, nos últimos anos, está crescendo e colhendo votos da esquerda e da direita justamente por ser um partido pragmático que não aposta em ideologias".

O fermento do movimento leguista parece estar na observação atenta das mudanças do mundo na última década. Pacini explica: "o voto ideológico desapareceu juntamente com as classes sociais no velho estilo monolítico. Hoje, as pessoas se preocupam mais com a própria carteira do que com os grandes ideais". Exemplo disso são os operários. Com o dissolução da "classe operária" - que votava maciçamente na esquerda - a Lega consegue colher votos dos próprios trabalhadores de fábricas, algo impensável em um passado não muito distante.

A estrutura da Lega deve ser seguida por outros grupos no país. O Partido Democrático (PD), maior força da esquerda, deve ser o primeiro. Cambaleante após as eleições regionais, o PD, que governava 11 regiões e ficou com sete depois da abertura de urnas, já discute a possibilidade de mudança. Na semana passada, o ex-premiê Romano Prodi declarou à imprensa que seu partido precisa se modernizar, descentralizando poder. Justamente uma das características mais fortes da Lega. "Seu poder está no investimento feito em líderes regionais", anota Maria Sofia Corciulo. "É um modelo que se provou vencedor e que muitos outros partidos deverão seguir".

O pragmatismo da Liga Norte pode ser facilmente compreendido em sua relação com o hoje premiê Silvio Berlusconi. Em 1995, Umberto Bossi, número 1 da Lega, comparou Berlusconi a Mussolini ao dizer que ambos faziam uso de monopólios televisivos para sustentar o próprio poder. Berlusconi, em resposta, declarou que "jamais se sentaria em uma mesa em que Umberto Bossi estivesse sentado". Dois anos depois, Bossi voltou a apontar os canhões contra Il Cavaliere, dizendo que havia provas de que o dinheiro que ajudou a formar o império financeiro de Berlusconi era investimento direto da máfia siciliana Cosa Nostra.

No começo dos anos 2000, parte da Liga Norte aliou-se à coligação de centro-esquerda liderada por Romano Prodi para derrotar Silvio Berlusconi. Como sinal do mar agitado da política italiana, em 2006 a Lega participou da coligação que reelegeu Berlusconi e hoje ocupa importantes ministérios. A primeira semana de abril deste ano selou mais uma fase emblemática do partido mais polêmico da Itália: após o sucesso nas urnas, Bossi e Berlusconi se reuniram reservadamente para decidir o futuro do país. Na pauta, federalismo fiscal (sonhado pela Lega), reforma da Justiça e presidencialismo (encampados por Berlusconi).

Sobre separatismo e sobre a Padania, nenhuma palavra. "A Lega não quer mais a Padania, isso é claro. Um que outro político ainda defende isso, mas o partido entendeu que quando parou de falar nesse assunto a se concentrou em temas concretos como trabalho e segurança seus votos se multiplicaram", aponta Pacini. A ideologia não é a luz a iluminar os salões do norte.

Fonte: Especial para Terra
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