PUBLICIDADE

Estados Unidos

Discurso de Obama reconhece a existência do outro, diz analista

20 jan 2010 - 12h03
(atualizado às 12h51)
Compartilhar
Moreno Osório

"Apresento-me a vocês trazendo a humildade que as tarefas que nos aguardam exige, a gratidão pela confiança que me foi dada e a consciência dos sacrifícios de nossos ancestrais." Com essa palavras Obama assumiu a presidência dos Estados Unidos, há exatamente um ano. Depois de uma campanha em que o "Yes, we can" (Sim, nós podemos) virou slogan mundial, o planeta inteiro ouviu com entusiasmo as palavras do primeiro negro a chegar à Casa Branca. De lá pra cá, Obama conseguiu, na maioria das vezes, manter o mundo acreditando na sua capacidade como líder mundial através da oratória - uma das exceções foi a Conferência do Clima COP-15, realizada em dezembro de 2009, em Copenhague, na Dinamarca, quando seu discurso foi recebido com desapontamento pela comunidade internacional.

Obama discursa em Washington durante as comemorações do Dia de Martin Luther King
Obama discursa em Washington durante as comemorações do Dia de Martin Luther King
Foto: Reuters

Mas o que faz de Obama um bom orador? Que mecanismos ou padrões ele utiliza para construir suas argumentações? Para responder a essas perguntas, o professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e autor de livros de análise de discursos Antonio Fausto Neto analisou, a convite do Terra, quatro dos principais discursos proferidos pelo presidente americano durante seu primeiro ano de mandato.

O especialista estudou as falas de Obama na cerimônia de posse (20 de janeiro), na Universidade do Cairo (4 de junho), no Senado, ao defender a reforma no sistema de saúde (9 de setembro), e na sua estreia em uma conferência das Nações Unidas (23 de setembro). As quatro estão disponíveis na íntegra nos links ao final desta reportagem. Todas estão ilustradas por uma nuvem de tags com os termos mais utilizados por Obama.

Obama orador

A partir da análise de Fausto Neto, é possível atribuir a capacidade oratória de Obama a dois aspectos principais. O primeiro remete à biografia do presidente e suas características pessoais. O segundo, mais técnico, está ligado à construção do discurso propriamente dito - como a fala é produzida a partir de condições impostas por cada uma das situações nas quais ela será proferida.

"O fato de Obama ter uma formação em Direito, ter tido uma posição de negociação política dentro do Partido Democrata, além de pertencer a uma etnia de dimensão universal, o torna uma pessoa com sensibilidade que envolve a América e que ao mesmo tempo transcende a América", afirma o pesquisador. Ele destaca o caráter multicultural de Obama (um americano nascido no Havaí que morou na Indonésia e tem parentes vivendo na África), uma das marcas dos Estados Unidos que conhecemos.

Se compararmos o "background" de Obama com o do seu antecessor, George W. Bush, um legítimo caubói do Texas, já dá pra ter uma boa ideia de onde vem parte do entusiasmo com os discursos do pai de Sasha e Malia. Mas além da biografia, Obama conta com uma assessoria eficiente. Os "homens do presidente", diz Fausto Neto, ajudam o líder americano a se posicionar frente aos desafios e, claro, são peças-chave para a elaboração dos seus discursos. São eles que municiam o presidente de leituras, conjunturas, agendas. Elementos necessários para a elaboração de uma fala com capacidade de coagir, convencer.

Mas as falas de Obama também são coagidas, influenciadas por variáveis que transformam cada vez que o presidente americano sobe em um púlpito em um momento único. É aí que entra uma das principais qualidades de Obama como orador e líder: o perfil conciliador, a capacidade de enxergar a existência do outro. Uma característica não muito desenvolvida em George W. Bush, por exemplo.

"Nem todo discurso político, apesar de reconhecer a existência do interlocutor, o trata com o reconhecimento apreciável. Há figuras que tratam o interlocutor com desdém, de forma autoritária: 'eu não preciso do outro para governar'. O discurso de Obama, ao contrário, conclama os parceiros e os adversários. É um discurso atravessado fortemente pela marca da negociação, é proposicional, mas ao mesmo tempo destaca os aspectos programativos: 'é importante fazer isso, mas como vamos fazer isso?'", explica Fausto Neto, autor do livro Desmontagens de sentidos - leituras de discursos midiáticos.

O "eu" pelo "nós"
Em um artigo escrito a partir das análises dos discursos de Obama (disponível nos links ao final do texto), Fausto Neto identifica nas quatro principais falas de Obama em 2009 as características singulares a cada contexto, a cada momento vivido por ele dentro da sua administração. O especialista divide os discursos em dois subconjuntos: o primeiro - na posse e no Senado - dirige-se à nação americana; o segundo - na ONU e no Cairo - à comunidade internacional.

Sobre o primeiro subconjunto, escreveu: "São dois tipos de discursos feitos - por forças de circunstâncias de agendas e do contexto da política interna americana - para interlocutores cujas condições de recepção daqueles discursos são norteadas por determinadas características de vínculos". Na posse, compartilhou sua vitória com todo o país. É possível notar essa celebração em algumas das palavras mais pronunciadas por ele naquela oportunidade: "homens", "mulheres", "mundo", "pais", "liberdade", "trabalho", "força", "povo", "momento", "confiança", "jornada". Já no Senado americano, Obama foi mais enfático e trocou a celebração pela convocação. Chamou o povo americano para responsabilidade de dar um novo rumo para o sistema de saúde do país. As palavras amenas da posse deram lugar a substantivos mais específicos, como "cobertura", "seguro", "americanos", "agora", "plano", "governo", "sistema".

No segundo subconjunto aparece novamente a adaptação da fala às circunstâncias e, mais do que nunca, o estilo de Obama de buscar a persuasão a partir do reconhecimento da situação dos seus interlocutores, às vezes colocando-se em uma condição parecida com as deles, situando sua existência naquele determinado grupo. Ao dirigir-se para o mundo muçulmano, no Cairo, Obama destacou sua biografia para convidar "a imensa e complexa comunidade árabe a aderir às questões suscitadas pela agenda do seu governo", como escreveu Fausto Neto. "Eu sou cristão, mas meu pai veio de uma família queniana que inclui gerações de muçulmanos. Quando garoto, vivi vários anos na Indonésia e escutava o chamado do azaan no romper da aurora e no cair da noite. Quando jovem, trabalhei em comunidades de Chicago onde muitos encontravam dignidade e paz em sua fé muçulmana", disse Obama, na ocasião.

"Obama vê um senso de oportunidade para aquilo que vem do mundo do outro, seja o cultural, o ético, o do povo americano ou o da religiosidade. Ele traz o reconhecimento dessas culturas. Ele traz o outro para o tabuleiro da argumentação. E isso faz diferença porque hoje tudo é mídia", afirma o especialista.

Ao pronunciar sua história de vida como uma maneira de buscar a identificação com seu interlocutor, Obama prepara o terreno para adentrar no discurso político - onde estão os interesses da potência mundial que ele lidera. Para isso, desloca-se "de uma posição distinta daquelas nas quais se encontram seus interlocutores para com eles compartilhar valores e proposições sobre as quais o discurso trata", nas palavras de Fausto Neto. Nesse momento, Obama troca o "eu" pelo "nós" e, baseando-se uma posição negociadora, "fala para parceiros e, principalmente, para aqueles a quem possa demover de posições de resistência em que se encontram, enquanto adversário", diz o especialista, no artigo.

Fonte: Redação Terra
Compartilhar
Publicidade