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Estados Unidos

Sem alunos, escolas rurais no Alasca lutam contra extinção

26 nov 2009 - 13h47
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William Yardley
Do New York Times, em Nikolski, Alasca

A aldeia de Nikolski, localizada nas ilhas Aleutas, precisava de apenas 10 alunos para que sua escola evitasse um corte fatal na assistência fornecida pelo governo estadual. Mas mesmo que procurasse em todo o Alasca e até fora dele, só conseguiu nove.

Alunos da escola Nikolski, localizada na cidade de mesmo nome, fechada porque só tinha 9 alunos
Alunos da escola Nikolski, localizada na cidade de mesmo nome, fechada porque só tinha 9 alunos
Foto: The New York Times

Construída pelo Serviço de Assuntos Indígenas norte-americano em 1939, a pequena Nikolski School não será a última a fechar, no Alasca. Quatro outras fecharam as portas neste ano letivo, e outras 30 estão em risco devido à redução no número de matrículas. Uma delas, em uma região remota do sudeste do Estado, só conseguiu sobreviver ao publicar um anúncio no site Craigslist em busca de famílias com filhos em idade escolar.

"Perdemos uma ou duas a cada ano", disse Eddy Jeans, diretor de finanças escolares no Departamento da Educação do Alasca.

Enquanto o Alasca celebra o 50° aniversário de sua transformação em Estado, em meio ao destaque político recentemente conquistado e a aspirações de urbanizações, precisa enfrentar o legado de perdas em comunidades rurais como a de Nikolski, vinculadas às mais antigas áreas habitadas da América do Norte mas incapazes de sobreviver aos conflitos acumulados entre o novo e o antigo. Os indígenas do Alasca cada vez mais trocam aldeias pelas cidades. As mulheres jovens, especialmente, vêm partindo em largos números, e os índices de natalidade, que no passado eram bem mais elevados nas aldeias, caíram. Os empregos para jovens que decidam permanecer em suas áreas de origem estão em queda. Os anciões das aldeias têm menos companheiros com os quais conversar em seus dialetos. O óleo para aquecimento, a gasolina e os mantimentos podem ser caros, e os serviços médicos são mínimos.

O período anual de contagem de estudantes no Estado, concluído no mês passado, serve como recenseamento desse êxodo. Depois de décadas de crescimento, a população rural como um todo caiu em cerca de 4% desde 2000, e muito mais que isso em certas regiões. Nas Aleutas, a queda de população foi de 19%, para cerca de 4,5 mil pessoas. Poer volta de 20% dos 680 mil cidadãos do Alasca vivem em áreas rurais.

Os distritos escolares dessas regiões, desesperados por manter suas verbas, são conhecidos por transferir alunos entre escolas a fim de elevar o número de matrículas nos períodos de contagem, e alguns deles procuram por famílias dispostas a se transferir de outros Estados.

"Estávamos desesperados", disse Gordon Chew, cuja mulher dirige a escola de Tenarkee Springs, para onde duas famílias com um total de seis crianças se transferiram no começo do ano em resposta a um anúncio no Craigslist. "Isso nos salvou".

O declínio das escolas rurais tem posição central no debate mais amplo que está sendo travado no Alasca sobre o tratamento das comunidades nativas, que dominam a população rural do Estado.

Aqui nas Aleutas, os nativos conhecidos como unangans ou aleuts são descendentes de povos que percorreram a ponte terrestre que ligava a América do Norte à Ásia, sobre o estreito de Bering, mais de 10 mil anos atrás. Eles sobreviveram explorando o mar, produzindo embarcações com cascos de pele de foca e construindo casas de barro para servir de abrigo contra as constantes tempestades marinhas. Resistiram à violência e à conversão religiosa empreendidas por exploradores russos e, durante a Segunda Guerra Mundial, a uma evacuação forçada imposta pelas forças armadas dos Estados Unidos. Agora, precisam enfrentar os cortes de orçamento e as pressões da vida no Alasca moderno.

"Se incluídos no cálculo hoje usado para determinar a política pública, lugares como Nikolski provavelmente enfrentariam dificuldades para se manter competitivos", diz Byron Mallott, um líder tinglit que assessorou diversos governadores do Alasca quanto a questões indígenas. "Mas se considerarmos Nikolski no contexto do Alasca, no contexto dos Estados Unidos, perceberemos que se trata das terras ancestrais de um povo indígena, e deveríamos reconhecer o fato, e não esquecê-lo".

As preocupações quanto ao custo e qualidade da educação em áreas rurais há muito despertam tensões. Será que a preservação da vida de aldeia deve valer mais que preparar os estudantes para um mundo muito mais amplo? Uma decisão judicial nos anos 70 obrigou o Estado a construir escolas de segundo grau na maioria das aldeias, o que resultou em um dispendioso boom de construção. Mas, por volta de 1998, quando a alta nas receitas petroleiras se esgotou, o Legislativo estadual decidiu que as escolas com menos de 10 alunos estariam sujeitas a profundos cortes de verbas. Já que alguns dos pais estavam deixando as aldeias em busca de uma educação melhor, alguns legisladores alegavam que a manutenção das escolas era contraproducente.

"As escolas podem fechar, mas a verdade do caso é que a educação é nosso negócio", disse Gary Wilken, antigo senador estadual republicano por Fairbanks, que defendia a imposição de requisitos de matrícula ainda mais altos. "Nosso Estado precisa oferecer educação de qualidade a todos, e às vezes se pode fazê-lo melhor por meio da internet, com programas de ensino a distância ou em internatos regionais".

Para algumas pessoas, os resultados de testes padronizados recentes que mostravam mau desempenho da parte dos estudantes rurais e indígenas confirmaram o ceticismo quanto a investir nas escolas em declínio. Já outros observadores passaram a pressionar ainda mais para que as escolas fomentem culturas e idiomas nativos em decadência, ainda que no passado tenham sido banidos em nome da educação.

Georgianna Lincoln, antiga senadora estadual democrata e moradora da aldeia de Rampart, a noroeste de Fairbanks, até os nove anos de idade, foi um dos legisladores que combateu a ideia de um número mínimo de 10 matriculados para garantir a verba das escolas rurais. A escola de Rampart foi fechada pouco depois que o novo requerimento foi imposto.

Depois da votação, ela recorda, "eu disso a todo mundo que não me importava que eles trouxessem primos ou amigos. Não podemos deixar que a escola morra porque isso seria a morte da comunidade".

Larry LeDoux, comissário da Educação do Alasca, aponta que o Estado acaba de criar o posto de diretor de educação rural, mas também disse que isso não significava que o governo tentaria salvar as escolas das aldeias.

Nikolski, cerca de 1,6 mil quilômetros a sudoeste de Anchorage, é a última das cerca de 20 aldeias indígenas que existiam na ilha de Unmak. Algumas décadas atrás, tinha cerca de 80 habitantes; hoje são apenas 30.O número de matriculados locais caiu abaixo dos 10 no ano passado, mas o distrito escolar das Aleutas decidiu cobrir as despesas da escola com seu orçamento. Manter uma escola para 10 alunos custa entre US$ 400 mil e US$ 500 mil ao ano. No começo deste ano, o número de matriculados havia caído ainda mais, mas havia certo otimismo: Yuki e Maria Iaulualu, nativos da Samoa Americana, haviam concordado em se mudar de Seattle para Nikolski, com seus cinco filhos em idade escolar.

Joe Beckford, o superintendente do distrito, bancou as passagens aéreas da família Iaulualu, no valor de alguns milhares de dólares. Mas Iaulualu logo perdeu o emprego que lhe havia sido oferecido no governo local, e ficou claro que nem mesmo a chegada de sua família elevaria o total acima de 10 matrículas.

Por isso, disse Iaulualu, "vamos embora daqui". Grace Oomittuk, a enfermeira da aldeia, e seus dois filhos chegaram da costa norte já dois anos. Outro aluno, Ivan Krukoff, 18 anos, cujo pai vive em Nikolski, agora mora com a mãe em uma ilha vizinha, mas se matriculou mesmo assim. Caso Darin Krukoff, seu primo, tivesse se deixado convencer pelos esforços de Beckford, o número de matriculados teria chegado a 10.

Mas Darin prefere a ilha vizinha, cuja escola tem um time de basquete e outros atrativos, entre os quais meninas da sua idade. "É preciso viver a vida", disse. O que nos leva a Eric Willhite, 13 anos. Ele nasceu aqui, e descende de gerações de caçadores de foca e pescadores de salmão. "Não quero ir embora", diz.

Depois de se transferir com seus pais ao Missouri, anos atrás, Eric decidiu que preferia viver na aldeia, e voltou depois de um ano para morar com um tio e tia.

Ele havia ouvido as histórias das punições sofridas por seu pai quando falava unangan na escola. E diz compreender que é hoje a única criança que resta em Nikolski portadora de conexão direta com o passado.

O sonho de Eric é se tornar piloto, mas primeiro ele precisa concluir a oitava série. Depois de passar algumas semanas de incerteza quanto a ter ou não uma escola na qual estudar neste ano letivo, ele agora está matriculado em um programa de estudo doméstico.

"O ano é crucial para ele, e as coisas não vão bem", disse Scott Kerr, o tio e tutor de Eric. Kerr não é nativo, mas cabe a ele a responsabilidade por perpetuar as tradições locais na vida do menino - da caça e pesca à busca de paz no isolamento de Unmak.

"Eu disse a ele que, nada mais tivesse na vida, ao menos saberia que era unangan, que era aleut", afirmou Kerr. "E que isso era motivo de orgulho". As poucas pessoas que permanecem aqui ainda se reúnem à noite na rochosa praia da baía de Nikolski para pescar um peixe para o jantar, ou para salgar e preservar no inverno. Há vulcões nas redondezas, um ativo, um não. Águias voam sobre a baía. Lontras marinhas flutuam nas águas. Há gado nas colinas, animais agora selvagens que descendem de um rebanho comercial que existia na área muito tempo atrás e hoje servem como fonte de ótimas refeições. Raposas vasculham os restos no pequeno aterro sanitário.

Em uma das pontas da aldeia, os anciãos recentemente sepultaram os ossos de seus antepassados restituídos por diversas coleções. Na outra, os restos de um velho avião da Reeve Aleutian marcam a posição da pista de decolagem. O avião caiu em 1965, vítima de ventos cruzados na decolagem. A escola fica entre esses dois locais, e é a mais recente relíquia da aldeia."Aquela escola", disse Arnold Dushkin, presidente do conselho da aldeia de Nikolski, "é a principal razão para que a aldeia continue".

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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