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Mundo

Mudanças darão à UE mais força diplomática, diz autoridade

25 nov 2009 - 07h33
(atualizado às 08h08)
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Ligia Hougland
Direto de Washington

Desde maio de 2007, o português Álvaro de Vasconcelos é diretor do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, instituição sediada em Paris que contribui com o desenvolvimento da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) da UE. Autor e editor de diversas obras, incluindo Quais são as ambições da defesa europeia para 2020? e O Momento Obama (ambos títulos em tradução livre), sua opinião tem grande peso sobre o posicionamento da UE nas questões de segurança mundial e ajuda a formar as políticas externas do bloco. Durante uma visita recente a Washington, quando se reuniu com autoridades dos departamentos de Estado e de Segurança Interna dos EUA, Vasconcelos concedeu uma entrevista ao Terra e falou sobre o atual papel da UE no cenário mundial, Barack Obama, segurança e Oriente Médio.

Álvaro de Vasconcelos é diretor do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia
Álvaro de Vasconcelos é diretor do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia
Foto: Divulgação

Como o redesenho da UE, com a aprovação do Tratado de Lisboa e a recente eleição do presidente do bloco, o belga Herman van Rompuy, e da alta representante de política externa e segurança, a inglesa Catherine Ashton, coloca a UE no cenário internacional?

O que há de diferente neste desenho em relação ao passado é que o Conselho da UE não muda de presidente a cada seis meses e o alto representante de política externa também é vice-presidente da Comissão Europeia. Ou seja, ao conversar com outros países, agora a UE tem nas suas mãos instrumentos de política externa muito mais diversos do que antes tinha, pois também conta com instrumentos ligados à ação da Comissão Europeia junto a outros países. Outra coisa que muda é que os brasileiros, por exemplo, verão que o representante da UE em Brasília deixará de ser um representante da Comissão Europeia e passará a ser um embaixador da UE. As pessoas já chamavam o representante da Comissão Europeia de embaixador, mas não era embaixador porque a UE não era uma entidade legal do ponto de vista internacional. Agora o embaixador representa a UE, os Estados-membros e a Comissão Europeia, o que lhe dará credibilidade muito maior e mais força no diálogo com outros países.

Mas é preciso mudar não somente as pessoas, mas a política. A UE precisa entender que o mundo mudou consideravelmente. Já não existem apenas Europa e EUA. O mundo se multiplanizou; e o Brasil, a China e a Índia precisam ser integrados na visão de mundo da Europa. Isso, evidentemente, fica mais fácil com uma maior continuidade e coerência na ação externa da UE.

Qual foi a reação dos europeus à eleição do novo presidente e da alta representante de política externa?

Devido ao Tratado de Lisboa, foram criadas enormes expectativas em relação a estes cargos, mas foram escolhidas duas pessoas pouco conhecidas dos cidadãos europeus. Portanto, há um déficit de expectativas. Possivelmente o novo presidente do Conselho da UE é uma pessoa com capacidade de criar consenso. Se esta foi a razão pela qual foi escolhido, ele será capaz de projetar uma ação muito mais unitária da UE.

O meu problema em relação à eleição de Catherine Ashton é que não a conheço sob ponto de vista internacional e, como eu, muita gente não a conhece. Certamente ela foi escolhida por três motivos. Primeiro, por ser britânica. A UE teve sempre um grande problema em integrar os britânicos na sua atuação internacional. Como vimos em várias ocasiões, havia uma posição da Europa Continental e uma posição da Grã-Bretanha. O segundo motivo é o fato de ser mulher. Esta ideia, que me parece correta, é que ao escolher três pessoas para cargos importantes da UE - presidente da Comissão, presidente do Conselho e alto representante - uma das três deve ser mulher. Além disso, Ashton mostrou ser capaz como comissária para comércio internacional e, quando fazia parte da Câmara de Lordes de Londres, ela foi muito hábil ao fazer a Câmara aceitar o Tratado Constitucional Europeu, que pertence ao Tratado de Lisboa.

A derrota de Tony Blair na disputa pela presidência da UE enfraquece o bloco na questão da segurança, visto que o ex-premiê britânico foi aliado de George W. Bush durante a campanha militar da coalizão no Iraque?
A derrota do Blair reforça o bloco. A eleição de Blair causaria dois enormes problemas. Primeiro, porque a imagem que os europeus têm dele é a do homem da guerra no Iraque, que nunca declarou que havia errado na sua posição. A guerra no Iraque tem uma oposição tremenda na Europa. Milhões de pessoas foram às ruas para se manifestar contra a guerra; nunca houve manifestações tão grandes na Europa. Mesmo em Londres, vimos um milhão de manifestantes. Eleger um presidente da UE com uma imagem de homem muito próximo de Bush e da guerra do Iraque seria como dizer aos cidadãos europeus que não há consideração sobre o que pensam.

Além disso, a pessoa que ocupa a presidência do Conselho Europeu precisar ser muito hábil na criação de consenso na UE, pois a UE é um conglomerado de Estados com histórias, interesses e realidades próprias muito fortes, principalmente na política internacional. Muitos Estados reagiram mal à ideia de ter um presidente que vinha de um grande Estado e sem uma tradição de integrar os países em um esforço comum. Mas a questão do Iraque foi decisiva.

Como a chegada de Barack Obama à Casa Branca muda o relacionamento da UE com os EUA?

Barack Obama é presidente com o qual os europeus sempre sonharam. Hoje a popularidade de Obama na Europa é muito superior à de qualquer presidente europeu. Por exemplo, na França, Obama tem uma popularidade superior a 80%, enquanto o presidente Nicolas Sarkozy conta com uma popularidade inferior a 40%.

Quando Bush visitava a Europa ele não podia ver ninguém, nem aparecer em público. Obama foi à Europa durante a campanha eleitoral e uma multidão foi ouvi-lo em Berlim. Há na Europa um fascínio com a América. É um fascínio que vem da ideia de que a América é um pouco Europa. Os ideais da revolução americana, com Marquês de La Fayette e Thomas Jefferson, estão muito ligados à cultura política europeia. O fato de haver um presidente que representa a tradição dos pais fundadores da América em termos de ideais faz reviver na Europa o sonho americano de uma América que é um farol do liberalismo, dos direitos humanos.

Recentemente, o presidente Lula ganhou uma espécie de concurso de popularidade contra Barack Obama ao vencer a disputa, realizada em Copenhague, na Dinamarca, para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. O presidente brasileiro tem mesmo mais popularidade do que Obama com os europeus?
Obama é mais popular que Lula na Europa. Como é presidente dos EUA, ele tem mais visibilidade. A capacidade que ele tem de influenciar os destinos do mundo é certamente superior à que tem o presidente do Brasil. Lula também é popular na Europa, pois representa uma saga que os europeus gostam. Um homem que era sindicalista chegando à presidência do Brasil e que parece ser uma pessoa que pode colocar as questões da pobreza como prioridade. E também porque o Brasil consolidou sua democracia.

Evidentemente, isso não foi só obra do presidente Lula, pois começou com o Fernando Henrique Cardoso e até antes. Além disso, durante o governo Lula, por razões internas e também internacionais, o Brasil apareceu como uma grande potência. Antes o Brasil era a potência do futuro. Agora o Brasil aparece sempre nas lista dos grandes poderes emergentes, e isso contribui para uma imagem positiva do presidente Lula.

O caso de Obama é diferente, pois é o líder da única superpotência que sobrou, e os ideias que ele representa têm uma atração enorme para os europeus. Um exemplo é o discurso que o presidente americano fez no Cairo sobre o Oriente Médio e que teve uma repercussão extraordinária. Outro exemplo é o desarmamento nuclear. O presidente Obama diz que está disposto a destruir as armas nucleares americanas. Isso é extraordinário e tem um impacto enorme sobre a opinião pública europeia que sempre temeu uma guerra nuclear.

Ao abandonar o projeto de instalação de um escudo antimísseis no leste europeu, a Casa Branca amenizou as relações com Moscou. Existe agora uma expectativa por parte da UE de que Dmitri Medvedev e Vladimir Putin deem uma resposta à altura, talvez com uma maior diplomacia em relação às regiões separatistas, como a Geórgia?
Não há dúvida de que o gesto do presidente Obama foi importante para dizer que os EUA não veem a Rússia como um inimigo. Mas isso não resolve a questão da posição da Rússia na Geórgia nem na Ucrânia. Facilita o diálogo com a Rússia, mas é preciso muito mais para a Rússia perceber que tem um destino diferente na Europa do qual ela pensa ter hoje. Para a Rússia, hoje a Europa não é uma casa comum. Lembre-se que Mikhail Gorbachov falava na "casa comum europeia". Para os dirigentes russos, há duas casas europeias: uma que tem centro em Bruxelas e outra que tem centro em Moscou. Isso não vai mudar; eles não vão se integrar à UE. O que é possível é criar com a Rússia um entendimento em várias áreas, como a questão dos vizinhos comuns, energia, economia, cooperação tecnológica.

Há muitas áreas para interação, pois a interdependência entre a Rússia e a UE é enorme. Mas a verdade é que ainda não há uma resposta clara do lado russo sobre o que gostariam de construir com os outros Estados europeus.

O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, nega o Holocausto. Mahmou Abbas declarou que não vai tentar uma reeleição na Autoridade Nacional Palestina (ANP). O crescimento da Al-Qaeda no front Afeganistão-Paquistão é notável. Como uma parceria de segurança entre os EUA e a Europa pode diminuir as tensões no Oriente Médio?

O presidente Obama recebeu uma herança terrível. Duas guerras e uma tremenda crise econômica e financeira. A Europa pode fazer muito mais para apoiar a agenda americana. No Oriente Médio, a questão palestina é absolutamente central. O presidente Obama começou muito bem, abrindo-se à região com o discurso no Cairo, pedindo que Israel pare a construção de assentamentos, mas não teve uma resposta positiva.

É preciso mais por parte de Israel. Isso não pode somente vir dos EUA que, ainda por cima, têm dificuldades do ponto de vista de política interna em tomar esta posição. Os europeus e os Estados árabes têm de fazer mais e oferecer mais abertura. A Europa precisa dizer a Israel que, se fizerem isso, ficarão mais integrados ao espaço econômico europeu. Os países árabes reconhecerão o Estado de Israel, se Israel dar os passos certos.

A questão do Afeganistão é ainda mais difícil, pois não há uma ideia clara do que deve ser feito. A hesitação que o presidente Obama tem em enviar mais tropas é por isso. Não existe solução militar. Digamos que enviem mais 40 mil homens, isso vai resolver o problema do talibã, a fraqueza política de Hamid Karzai e a corrupção? Não vai resolver. Se os americanos decidirem que não há mais guerra no Afeganistão e quiserem manter a paz e ajudar a construir um Estado, aí os europeus poderão fazer muito mais no sentido de treino da polícia, desenvolvimento econômico e criação de um Estado de direito. A Europa poderá dar um apoio muito mais significativo do que do ponto de vista militar, embora já tenha uma presença militar significativa, com 30 mil soldados europeus no Afeganistão. Mas o resultado desse esforço militar é quase nulo.

Ultimamente, nos bastidores das discussões dos governantes mundiais, tem se falado na necessidade de ser criado um organismo como o bem sucedido G20, porém voltado à política internacional. O que o senhor acha disso?

É algo necessário. Com o G20, há um progresso claríssimo de um governo mundial em termos econômicos, mas não existe progresso na parte da segurança. O Conselho de Segurança da ONU não se reforma, apesar de esta administração estar mais aberta à mudanças. As conversas que tenho com Washington são neste sentido, mas não parece que a reforma será algo fácil nem que vá acontecer logo.

Espero que a dinâmica do G20 tenha um impacto sobre a reforma do Conselho de Segurança da ONU. Enquanto isso não acontece, muitas pessoas acreditam que é preciso juntar os Estados que contribuem mais para a manutenção da paz mundial para que conversem sobre como podem trabalhar em conjunto. Já existe uma comissão deste tipo na ONU, mas é preciso dar a esta comissão uma dimensão maior. O Brasil será certamente parte de qualquer entidade que seja criada neste domínio.

Dentro de dois anos, Londres vai sediar os Jogos Olímpicos. A UE pretende adotar medidas de segurança já visando o evento, ou essa será uma responsabilidade exclusive dos órgãos de segurança do Reino Unido?

A UE tem presença no domínio da sua segurança interna, no chamado Espaço Schengen, onde não há fronteiras entre os Estados. Vai-se de Portugal à Espanha, da Bélgica à França, sem fronteiras. O Reino Unido não faz parte do Espaço Schengen. Certamente haverá uma cooperação entre a UE e o Reino Unido no sentido de que as fronteiras da UE não sejam permissivas em relação ao Reino Unido, mas o Reino Unido vai assumir a maior parte de sua segurança interna. Vai haver cooperação entre as polícias e os serviços de informação, mas não acredito que a UE vá assumir a segurança do Reino Unido durante os Jogos Olímpicos.

Fonte: Redação Terra
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