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Europa

Na Ucrânia, a euforia de eleições de 2004 se tornou desespero

19 nov 2009 - 20h05
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Não fica claro, de imediato, o motivo para que Vasily Humenyuk seja candidato à presidência da Ucrânia. Ex-funcionário da alfândega na cidade de Ivano-Frankivsk, no oeste do pais, ele não atribui sua candidatura a qualquer ideologia específica, oferece um programa de governo tênue, e não planeja percorrer o país em campanha antes da votação, arrazoando que "essas viagens custam muito caro e as pessoas já estão cansadas disse".

De fato, ele poderia ter simplesmente desaparecido na superpovoada disputa presidencial que está em curso neste final de ano caso não tivesse, em 2 de outubro, alterado legalmente o seu sobrenome para "Protyvsikh", o que significa "conta todo mundo".

Ainda que pouca gente considere Protyvsikh como um candidato sério, ele reflete o clima de amargura que vem se fortalecendo cada vez mais entre os eleitores - um fator que pode exercer papel decisivo na eleição presidencial de janeiro.

As eleições ucranianas vêm há anos mostrando divisão quase meio a meio entre a porção leste do país, industrializada e onde o russo predomina como idioma, e cujos eleitores em geral favorecem um relacionamento mais estreito com Moscou; e a região oeste, que procura estabelecer conexões mais firmes com a Europa. O atual quadro de 18 candidatos à presidência certamente se reduzirá, quando chegar o segundo turno, a candidatos que representam cada um desses eleitorados - possivelmente o antigo primeiro-ministro Viktor Yanukovich, pelo leste, e a atual primeira-ministra, Yulia Tymoshenko, que representa o campo pró-ocidental.

Mas enquanto os eleitores de Yanukovich têm ao menos o incentivo de retomar o controle da capital, Kiev, no oeste, que deu origem à chamada "Revolução Laranja", o clima é de profunda decepção. Não se sabe ao certo se esse sentimento é grave o suficiente para convencer grande número de eleitores a se abster ou - o que representa a clara esperança de Protyvsikh - a irem às urnas para expressar um voto de protesto.

"Todo mundo está decepcionado com os políticos", disse Vladimir Zuyenko, 44 anos, um segurança que diz que acaba de passar três meses sem receber salário. "Eles fizeram essa revolução, mas não resolveram coisa alguma. Éramos pobres quando ela aconteceu, e continuamos pobres. O único motivo para votar é que, se não o fizermos, alguém escolherá por nós".

Cinco anos atrás, havia euforia em Lviv, a primeira cidade da Ucrânia a declarar a vitória presidencial de Viktor Yushchenko, antes da Revolução Laranja. Tantas pessoas embarcaram nos ônibus que partiram para Kiev em apoio da coalizão pró-ocidental que as ruas da cidade pareciam meio vazia, e as pessoas que ficaram usavam peças de roupa ou adornos cor de laranja para demonstrar solidariedade. Viktoria Gnip, 35 anos, diz que se sentiu tão inspirada que prometeu na hora que batizaria o bebê de que estava grávida como Yulia ou Viktor, em honra aos dois heróis do momento.

Até mesmo relembrar esses momentos de felicidade parece uma tarefa dolorosa em Lviv, hoje em dia. Os eleitores se queixam das ferozes disputas públicas entre Yushchenko e Tymoshenko, sobre o compadrio nas indicações para cargos locais, sobre a falta de verbas para bancar o sistema de saúde e sobre uma situação econômica tão precária que médicos e professores estão optando por deixar o país em busca de trabalhos braçais na Europa Ocidental.

"As pessoas tinham esperança, naquela época", disse Darya Lobachevskaya, 63 anos. "Isso durou um ano, talvez dois. Mas depois, a esperança terminou por se recolher de novo ao local de onde saiu, onde quer que seja".

À medida que se aprofunda o pessimismo, a proporção de ucranianos que declaram que votarão em branco vêm aumentando cada vez mais, de 4% em 2004 a 8% hoje em dia, diz Oleksiy Antypovych, da Rating, uma organização de pesquisa de opinião pública que opera em Kiev e Lviv. Quando os eleitores vão às urnas, a porcentagem de votos em branco costuma equivaler a apenas a metade das declarações anteriores nesse sentido, ele afirmou, o que fez com que a tendência não tenha desempenhado papel importante em nenhuma eleição, até o momento.

Mas os votos em branco aparecem com muito mais intensidade nas pesquisas sobre intenções de voto no segundo turno; 18% dos eleitores responderam que não votariam em Yanukovich ou Tymoshenko. Mesmo que metade desse grupo termine por optar por um dos candidatos, quase 10% dos ucranianos podem recorrer ao voto em branco, disse Antypovych."Isso estabeleceria um precedente", afirmou.

O voto de protesto poderia ser decisivo, nesse caso. Os dados atuais demonstram que 40% dos eleitores escolheriam Yanukovich, em um potencial segundo turno, ante 30% de apoio para Tymoshenko, de acordo com Antypovych. Ainda que Tymoshenko deva conquistar muitos votos entre os quatro candidatos ligados à revolução laranja que disputam o primeiro turno com plataformas semelhantes à dela, entre os quais Yushchenko, não está claro que a velha coalizão voltará a se unir em apoio a ela, no momento de maior necessidade. Ou tampouco o que pode acontecer caso os resultados do pleito sejam contestados.

"Uma coisa que posso afirmar com certeza é que não veremos uma repetição da revolução", disse Antypovych. "As pessoas já não estarão dispostas a sair às ruas em defesa de um político. Preferirão ficar em casa. Com base em nossas pesquisas, a maioria dos eleitores têm a expectativa de que aconteçam imensas fraudes eleitorais. Eles já estão acostumados à ideia".

Foi diante desse panorama que Protyvsikh, 63 anos, iniciou sua quixotesca campanha.

No pequeno número de comícios que realizou, ele aderiu firmemente ao slogan simples que adotou, explicando que não defende nenhuma ideologia específica. ("Elejam-me e depois eu explico tudo", ele acrescentou, em tom reconfortante.) Em meio a especulações de que ele teria sido introduzido na campanha como forma de sabotar outro candidato, Protyvsikh declarou que suas verbas de campanha vinham "dos meus amigos, espalhados por todo o mundo, pessoas ricas, meus parentes, os moradores da minha aldeia".

Em geral, as pesquisas que são dirigidas a ele se referem ao seu sobrenome. "Tomei a decisão seis meses atrás, porque minha paciência havia enfim se esgotado", ele declarou em entrevista por telefone. "Estou disposto a me apresentar e a lutar. Sou um homem corajoso, e sou independente. Mudei meu nome a fim de expressar a vontade de todo o povo ¿de todas as muitas, muitas pessoas da Ucrânia que também são contra todo mundo".

Andrei Mikitin, jornalista em Ivano-Frankivsk, a cidade de origem de Protyvsikh, disse que a campanha do "contra todo mundo" causava principalmente risadas, na terra do candidato. Quando chegar a hora de votar, disse ele, por mais decepcionados que os eleitores do oeste da Ucrânia estejam com os líderes da revolução laranja, eles irão às urnas movidos pelo desejo de se opor a Yanukovich, nem que apenas porque o candidato conta com o apoio de Moscou.

"É preciso compreender as pessoas dessa região", disse Mikitin, editor-chefe do jornal Ucrânia Ocidental. "As pessoas não precisam de um candidato que seja contra todo mundo. Precisam de um candidato que seja contra a Rússia. Ou contra Putin. É esse o conselho que eu daria a ele, se ele tivesse me perguntado".

Tradução: Paulo Migliacci

The New York Times
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