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Ásia

Em dia de orgulho para a China, a ideologia interessa pouco

1 out 2009 - 10h57
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Michael Wines
The New York Times

Xie Jun, 23 anos, é um patriota chinês moderno. Na quinta-feira, quando milhares de soldados e fileiras de tanques de guerra e canhões passarem pela praça Tiananmen em perfeita ordem para celebrar os 60 anos de domínio do Partido Comunista, seu coração baterá mais forte e ele vai sentir vontade de chorar.

Pilotos também participam do desfile na China nesta quinta; evento lembra os 60 anos da proclamação da República Popular da China
Pilotos também participam do desfile na China nesta quinta; evento lembra os 60 anos da proclamação da República Popular da China
Foto: Reuters

"Aprendi nos livros escolares sobre a História da China - como fomos invadidos por estrangeiros no passado", ele declarou esta semana, no carrinho de frutas em que trabalha em um arborizado bairro do centro de Pequim. "Aprendi como, para sobreviver, tivemos de nos unir por amor ao país. Tenho orgulho por a China ter deixado de ser um país atrasado e se tornado um país com posição internacional importante em tão pouco tempo."

Poucos negariam seu direito a orgulho pelo milagre chinês. Mas se você pede que Xie explique os valores básicos da China - não aquilo que o país realizou, mas aquilo que ele representa - ele se confunde, como um aluno convocado em classe a responder sobre um livro que não leu.

"A capacidade de adaptação da China", ele diz, depois de uma longa pausa. "De aprender com o Ocidente". E, em uma frase que ele parece ter copiado de um panfleto, "a diligência e a dedicação das massas trabalhadoras".

O Partido Comunista, que governa a China, está se dando uma imensa festa de aniversário, cuidadosamente coreografada, hoje, e os temas dominantes da celebração ecoam as palavras que seu então líder, Mao Tse-tung, pronunciou depois de forçar as tropas nacionalistas, adversárias dos comunistas em uma guerra civil, a abandonar Pequim, em 1949: "Nossa nação não mais estará sujeita a insultos e humilhação", afirmou. "Nós nos erguemos."

Da exibição de armas avançadas aos cartazes comemorativos que ressaltam os arranha-céus de Xangai, a mensagem inconfundível da festa é a de que Mao estava certo e o Partido Comunista está conduzindo a China à prosperidade e respeito mundial.

Mas prosperidade é uma condição, não um valor. E no dia da grande celebração patriótica, ao menos alguns líderes comunistas devem estar imaginando se vincular patriotismo e eterna prosperidade não é, pelo menos em certa medida, uma tentativa de cavalgar um tigre.

"Não existe mais ideologia na China", disse Zhang Ming, professor de ciências políticas na Universidade Renmin, de Pequim, em entrevista na quarta-feira. "O governo não tem ideologia. O povo não tem ideologia. O motivo para que o governo esteja no poder é sua capacidade de dizer que vai melhorar as vidas das pessoas a cada dia, lhes dar estabilidade. E além disso, eles detêm o poder. Enquanto puderem continuar tornando melhores as vidas das pessoas, tudo bem. Mas o que acontece no dia em que isso deixar de ser possível?"

A questão não é determinar se o povo chinês tem motivo para amar o país. Moradores de Pequim, perguntados esta semana sobre os motivos de seu amor pela China, muitas vezes mencionaram a força da economia e o ganho de status do país no mundo, mas também os cinco mil anos de história, uma cultura vibrante e a unidade étnica de uma nação na qual 90% dos habitantes provêm da etnia Han.

São narrativas nacionais que unem os chineses da mesma forma que os americanos, e seu cadinho de raças, são unidos pelos inspiradores apelos de Thomas Jefferson à liberdade e pela experiência transformadora da guerra civil.

Mas a despeito de esforços insistentes - o patriotismo é obrigatório no sistema educacional, e os cidadãos são instados a considerar Estado e pátria como indivisíveis - parte alguma da narrativa chinesa está estreitamente vinculada aos comunistas e ao seu governo.

E a ideologia oficial do socialismo e da luta revolucionária contra os proponentes do capitalismo, embora ainda lecionada nas universidades e discursada nas fábricas, é tratada como propaganda tediosa por quase todo mundo, excetuada uma minoria cada vez mais limitada de comunistas dedicados.

Historiadores e sociólogos afirmam que a ideologia socialista no passado era uma das bases do patriotismo chinês e do apoio ao governo. Mas ela terminou, paradoxalmente, eliminada pela reforma e abertura da China, iniciadas 30 anos atrás e propiciadoras do atual milagre econômico.

O que inspira lealdade hoje não é a ideologia, mas a competência do governo em tirar a China da pobreza.

"Não sou membro do partido", disse Rao Jin, um escritor que mantém um site no qual critica a emissora CNN; o site se tornou um símbolo de nacionalismo chinês e rejeição às críticas do Ocidente ao país. "Mas creio que se deve amar o partido ao mesmo tempo em que o país. Tudo que a China tem hoje se deve ao PCC", ou Partido Comunista Chinês.

"A História provou que nenhum outro regime é capaz de governar a China", ele disse. "Se você mudar a liderança, se o PCC perder subitamente o poder, quase todo mundo concorda que seria um completo caos."

Trata-se de uma posição aceita, com alguns limites, pela maioria dos patriotas chineses entrevistados esta semana.

"O partido está trabalhando bem na gestão do país, e por isso estamos satisfeitos com ele", disse Li Yuqian, 30 anos, aluno da Universidade Esportiva da Capital, durante uma refeição no McDonald's local. "Mas o que amamos é o país - e amar o país é bem diferente de amar o partido."

Ele fez uma pausa longa, durante a qual pareceu estar reconsiderando. "Mas não escreva que não amo o partido, está bem?", ele acrescentou.

Tradução: Paulo Eduardo Migliacci ME

The New York Times
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