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Ásia

Mongólia aposta em Genghis Khan para levantar moral do país

3 ago 2009 - 16h56
(atualizado às 16h57)
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Dan Levin

Do New York Times


Jesus Cristo preside sobre o Rio de Janeiro, um quarteto de presidentes dos Estados Unidos contemplam o país do Monte Rushmore e Lênin mantém a vigilância em São Petersburgo. Mas se estivéssemos falando de um concurso mundial para honrar gigantes históricos em escala colossal, talvez a Mongólia enfim voltasse a triunfar sobre todos os demais países.

Posicionada nas espetes mongóis, a estátua de Genghis Khan tem 40 m, 250 t e custou US$ 4,1 milhões aos cofres da Mongólia
Posicionada nas espetes mongóis, a estátua de Genghis Khan tem 40 m, 250 t e custou US$ 4,1 milhões aos cofres da Mongólia
Foto: The New York Times

Genghis Khan, o lendário cavaleiro que conquistou metade do mundo conhecido no século XIII, voltou às estepes da Mongólia, e dessa vez está cobrando entrada. A cerca de uma hora de carro da sóbria capital mongol Ulan Bator, o khan surge no horizonte inicialmente como um pontinho cintilante que ascende das pradarias como uma miragem luminosa.

À medida que o visitante se aproxima, a figura ganha proporções cada vez mais deslumbrantes: um gigante a cavalo com 40 m de altura, envolto em 250 t de cintilante aço inoxidável. Os visitantes podem até mesmo tomar um elevador e emergir à altura da virilha da estátua a fim de contemplar a luxuriante estepe mongol de uma plataforma de observação montada sobre a cabeça do cavalo.

"Todo o povo mongol está orgulhoso dessa estátua", disse Sanchir Erkhem, 26 anos, um lutador mongol de sumô que vive no Japão e estava posando para fotos na plataforma antes da viagem de volta. "Genghis Khan é nosso heroi, nosso pai, nosso deus".

A estátua gigantesca do mais famoso dos personagens mongois, conhecido no país como Chinggis Khan, é o mais recente em uma horda de monumentos e produtos que apareceram desde que o país escapou ao jugo comunista, quase 20 anos atrás. Agora, os aviões pousam no Aeroporto Internacional Chinggis Khan e os visitantes podem se hospedar no Hotel Chinggis Khan. O rosto barbudo do líder está estampado nas latas de bebidas energéticas e garrafas de vodca, em maços de cigarros e nas cédulas com as quais esses produtos são comprados.

Os políticos não medem esforços para aderir à caravana. Em 2006, o governo desvelou ainda outra estátua do conquistador, que o mostra sentado, à maneira de Abraham Lincoln em seu memorial, na praça principal de Ulan Bator.

Nos últimos anos, o Legislativo está debatendo se o governo deve reter o direito de licenciar o uso da imagem e rosto de Genghis Khan, ainda que um projeto de lei nesse sentido não tenha sido aprovado até agora. A corrida para venerar - e lucrar com - o fundador de um grande império transcontinental surge em um momento no qual os mongóis estão em busca de uma identidade nacional depois de séculos de domínio por potências estrangeiras.

Já irritadiços diante da reputação mundial de Genghis Khan como um vilão sanguinário responsável pela morte de incontáveis pessoas, os mongois aproveitam avidamente as oportunidades de redefinir a marca de seu líder lendário, e com isso a do país, que por muito tempo viveu à sombra de poderosos vizinhos como Rússia e China.

A imensa estátua de aço, parte de um projeto de parque temático, talvez sejam a mais ambiciosa e a mais cara dessas manifestações de orgulho quanto nacional a Genghis. A Genco Tour Bureau, uma companhia mongol de turismo, até agora investiu US$ 4,1 milhões na estátua.

No complexo ainda inacabado, há planos para erigir um conjunto de 200 gers, ou tendas cônicas de feltro, que abrigarão dormitórios para visitantes, restaurantes e lojas de presentes, tudo isso disposto na forma do selo em forma de cavalo empregado pelas tribos mongois do século XIII.

Dentro da base da estátua, um espaço de dois pavimentos inaugurado em setembro de 2008, os visitantes podem contemplar o lendário chicote dourado do khan, provar pratos da culinária tradicional - na qual carne de cavalo e batatas têm papel central - e se dedicar a alguns costumes que nada têm de nômades, por exemplo a sinuca.

Ainda que não existam dados que confirmem a alegação, a empresa afirma que o local da estátua é aquele em que Genghis encontrou seu chicote, o que tradicionalmente é visto como bom augúrio. O evento é considerado como o marco inicial de suas futuras conquistas. Como Genghis Khan, a empresa está determinada a expandir seu império. A alguns quilômetros de distância fica um "parque nacional do século XIII", onde os visitantes mais aventurosos podem ordenhar éguas, tecer lã e assistir a uma cerimônia com xamãs. Um spa, hotel e pista de golfe estão em construção.

"Estamos falando de orgulho nacional", disse Damdindorj Delgerma, presidente-executivo da Genco Tour Bureau. "Os mongois ficam felizes ao ver essa estátua, e agora pessoas de todo o mundo poderão vir e aprender sobre a importância histórica de nosso país".

Delgerma afirma que 40 mil pessoas já visitaram o complexo, ainda que ele estivesse praticamente vazio quando lá estive, em um dia de semana recente. Ainda assim, dizem os operadores, existe a esperança de que ele traga receita muito necessária para a região da estepe, que sofreu muito com a crise econômica mundial, e que também sirva para instruir aqueles que vêm para admirar a estátua.

"Os estrangeiros não fazem ideia de quem realmente Chinggis Khan foi", diz Khaliun Ganbold, 21 anos, uma guia turística que fazia hora à espera de clientes, perto da loja de presentes. "Tudo que sabem são as poucas informações que leram na Wikipédia".

A guerra de relações públicas sobre Genghis Khan e sua reputação é intensa já há séculos. Primeiro reverenciado pelos mongois nômades como brilhante líder militar que unificou as tribos e fundou o maior império do mundo, o líder, nascido como Temujin mas mais tarde conhecido como Genghis Khan, ou "o soberano universal", foi alvo de mitos dos xamãs antes que monges budistas o incorporassem como encarnação de um deus descendente de uma linhagem de reis indianos e tibetanos.

Christopher Atwood, professor de estudos da Eurásia Central na Universidade de Indiana em Bloomington, diz que os mongóis retomaram o culto a Genghis Khan em sua luta por independência, no começo do século passado, mas que em 1949 a figura do líder se tornou alvo de uma campanha revisionista conduzida pela União Soviética e seus vassalos mongois. "É impossível tratá-lo como um heroi nacional descomplicado, que é exatamente o que os mongois desejam", disse Atwood.

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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