PUBLICIDADE

Ásia

Estudantes chineses sabem seus limites 20 anos após massacre

23 mai 2009 - 08h24
(atualizado às 08h27)
Compartilhar

Sharon La Franier

Do New York Times


Em 30 de abril, os celulares dos 32.630 estudantes da Universidade de Pequim, uma instituição plácida vista como uma das melhores universidades da China, receberam uma mensagem da administração. O bilhete alertava aos alunos que "prestassem atenção em sua fala e comportamento" durante o Dia da Juventude, devido a uma "situação particularmente complexa".

Estudantes colocam fogo em tanque nas proximidades da Praça da Paz Celestial, em Pequim, no dia 4 de junho de 1989
Estudantes colocam fogo em tanque nas proximidades da Praça da Paz Celestial, em Pequim, no dia 4 de junho de 1989
Foto: AFP

Poucos estudantes precisaram de ajuda para decifrar a mensagem. O Dia da Juventude, em 4 de maio, comemora um protesto de estudantes chineses contra o imperialismo estrangeiro e a fraqueza da China diante dele. Passados 70 anos, em 1989, alunos da Universidade de Pequim uma vez mais saíram em massa às ruas no centro da capital chinesa, exigindo democracia. O movimento causou forte abalo ao Partido Comunista, que governa o país, e terminou com uma operação militar de repressão que acarretou centenas de mortes.

E se um estudante propusesse protesto democrático hoje? "As pessoas o considerariam maluco", disse um aluno do curso de História da Universidade de Pequim, em entrevista recente. "Sabemos quais são os limites. Pode-se pensar, talvez falar e pensar, sobre os acontecimentos de 1989. Mas não se pode fazer qualquer coisa que pudesse influenciar o público. Todos sabem disso".

A maioria dos estudantes não só o sabe como parece aceitar. Por 20 anos, o governo chinês deixou abundantemente claro que estudantes e professores deveriam se concentrar nos livros e ficar fora das ruas. Os universitários atuais descrevem os acontecimentos de 1989 quase como uma exceção histórica, um momento extremo e traumático demais para que se possa repetir. No entanto, determinar se a democracia continua a inspirá-los é mais complicado.

Entrevistas com professores e alunos da Universidade de Pequim e com especialistas em questões chinesas no país e no exterior resultam em um complexo retrato dos estudantes atuais: pouco inclinados a protestos mas tampouco assolados pelos menos problemas econômicos que ajudaram a propelir as manifestações de 1989; eles se orgulham das realizações da China e muitos acorrem voluntariamente ao Partido Comunista, mas raramente é a ideologia que os propele.

A corrupção e a censura do governo os preocupam, e eles têm imenso interesse em estudar no Ocidente, especialmente nos Estados Unidos. E, a despeito das tentativas do governo de eliminar os protestos de 1989 da história do país, alguns dos atuais universitários pesquisaram para se informar sobre o que aconteceu. Apenas um dos oito alunos da Universidade de Pequim que entrevistei para este artigo, por exemplo, disse não ter conseguido baixar um aclamado - e censurado - documentário sobre os protestos na praça Tiananmen.

"Existe essa visão estereotipada de que os estudantes não estão interessados em democracia, mas não acredito nisso", disse Cheng Li, diretor de pesquisa do Centro de Estudos Chineses da Brookings Institution, em entrevista. "Eles têm no mínimo opiniões contraditórias sobre o Partido Comunista".

Xia Yeliang, professor de Economia na Universidade de Pequim, disse que muitos alunos apoiam a democracia teoricamente mas não querem arriscar seus futuros para defendê-la. Os universitários brincam que se envolverão no processo assim que as forças democráticas ganharem ímpeto, disse Xia. "Porcentagem elevada dos universitários não se interessa por política", diz. "Eles afirmam saber que política pode ser algo de positivo, mas não consideram que se relacione a eles. Pensam mais em suas preocupações pessoais - como conseguir um emprego, como ir ao exterior".

Até o Diário do Povo, o órgão oficial dos comunistas chineses, lastima a falta generalizada de idealismo nos campi. "Muitos dos universitários são claramente utilitários em sua forma de pensar", se queixa a revista Fórum Popular, ligada ao jornal, em artigo publicado este mês na companhia dos resultados de uma pesquisa com estudantes. "Tudo se baseia em determinar se as coisas são ou não pessoalmente úteis para o universitário", afirma o texto.

Na verdade, os estudantes atuais têm mais a perder que os de 20 anos atrás. Na época, os universitários consideravam que seus futuros estavam em risco devido a uma inflação galopante de 28%, corrupção generalizada no governo e redução nas perspectivas de emprego, de acordo com um livro publicado em 2001 sobre o movimento da praça Tiananmen, por Dingxin Zhao, professor de sociologia na Universidade de Chicago.

Hoje, até mesmo os estudantes que criticam o domínio comunista se sentem gratificados pelo rápido avanço da economia chinesa. "Há momentos em que não aprovamos as políticas de nosso governo", disse Wang Yongli, aluno de quarto ano do curso de Física. "Mas, por outro lado, hoje temos orgulho de nosso país e do governo porque propiciaram vida melhor a muita gente". O Partido Comunista cultiva cuidadosamente essa imagem, e tenta evitar o desenvolvimento de anseios democráticos fortes ao prometer que governará "democraticamente".

Funcionários do governo chinês afirmam se opor à democracia pluripartidária do Ocidente como inapropriada para a China, mas apoiam a idéia de consultas aos cidadãos, revisão pública e eleições regulares, tudo isso controlado pelos comunistas. A China pretende continuar abrindo seu sistema político, passo a passo, à medida que a riqueza e a estabilidade do país aumentem, prometeram dirigentes do partido.

Alguns analistas especializados em assuntos chineses sugerem que o descontentamento dos estudantes poderia crescer caso a atual crise econômica venha a obscurecer suas perspectivas de futuro. A China tem nove vezes mais universitários hoje do que em 1989, e a concorrência pelos bons empregos é feroz. No ano passado, quase 25% dos formandos não conseguiram encontrar emprego, de acordo com a agência estatal de notícias Xinhua.

Mas em 1989 os dirigentes do Partido Comunista aprenderam que ignorar as demandas da juventude é um risco. O governo agora está tentando minorar as ansiedades quanto a emprego por meio de programas de trabalho e incentivos para que os formandos aceitem trabalho em áreas rurais. "Se vocês estão preocupados, eu estou mais preocupado que vocês", disse o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao a um grupo de estudantes em dezembro.

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
Compartilhar
Publicidade