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Ásia

EUA ocupam campos de papoula e tentam cortar renda talibã

6 mai 2009 - 11h12
(atualizado às 11h17)
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Dexter Filkins

Do New York Times


Os comandantes das forças militares norte-americanas no Afeganistão estão planejando atacar a principal fonte de receita do Talibã, a multimilionária safra de papoulas do Afeganistão, por meio do deslocamento de milhares de soldados para as três províncias que servem de fonte de recursos para boa parte das operações do grupo.

Soldados americanos patrulham plantação de ópio, em Golestan
Soldados americanos patrulham plantação de ópio, em Golestan
Foto: Reuters

O plano de envio de 20 mil soldados e fuzileiros navais às províncias de Helmand, Kandahar e Zabul daqui a algumas semanas promete semanas ou até meses de combates pesados, porque oficiais norte-americanos antecipam que o Talibã defenda vigorosamente aquilo que serve como propulsor econômico da insurgência. Os reforços, que representam a peça central nos esforços do presidente Barack Obama para reverter o curso da guerra iniciada sete anos atrás, vão dobrar o número de soldados já estacionados no país, um contingente que quase todos os observadores consideram insuficiente para as tarefas à mão.

Por meio de extorsão e tributação, acredita-se que o Talibã obtenha até US$ 300 milhões anuais em receita com o comércio de ópio do Afeganistão, que agora responde por 90% do total mundial. Isso bastaria, segundo os norte-americanos, para sustentar todas as operações militares do Talibã no sul do Afeganistão por todo o ano.

"O ópio é o propulsor financeiro para eles", disse o brigadeiro John Nicholson, vice-comandante das forças da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) no sul do Afeganistão. "É por isso que precisamos combater por aquelas áreas".

Os norte-americanos dizem que seu principal objetivo este ano será oferecer segurança à população afegã, e assim isolar os insurgentes. Mas porque o ópio é cultivado em áreas pesadamente povoadas e porque os militantes do Talibã estão espalhados em meio à população, os norte-americanos afirmam que terão de romper seu domínio sobre o cultivo de papoulas, se desejam obter sucesso.

E ninguém aqui acredita que isso venha a ser fácil. A apenas 10 minutos da pequena aldeia de Zangabad, 30 km a sudoeste de Kandahar, soldados norte-americanos chegaram a um campo de papoulas em plena floração, na segunda-feira. Os combatentes do Talibã os atacaram vindo de três direções.

"Fogo ao norte!", gritou um dos soldados, girando para responder. "Oeste!", gritou outro, também se virando para disparar. Uma hora se passou e mil balas varreram a área. A munição dos norte-americanos estava baixa. O Talibã manobrava em torno da posição.

Foi então que chegaram os helicópteros de ataque, descendo em alta velocidade e disparando; os cartuchos de suas armas choviam sobre os soldados posicionados abaixo deles, e seus foguetes brilhavam no ar a caminho dos alvos que destruíam. Com a ajuda de uma barragem de artilharia, os soldados abriram caminho a tiros para fora do local de emboscada em Zangabad, e de volta à proteção oferecida por um vinhedo.

"Quando vocês vão lançar a bomba?", perguntou o capitão Chris Bawley, falando alto no rádio para superar o ruído das metralhadoras. "Estou em uma plantação de uvas". A bomba caiu, e os disparos se interromperam. Esse combate oferece uma antecipação quanto àquilo que os norte-americanos podem esperar nessa área do Afeganistão, dentro de algumas semanas. Na opinião de quase todos, será um confronto sangrento.

Guerrilheiros, os combatentes do Talibã muitas vezes optam pela evasão quando forçados a enfrentar tropas convencionais. Mas no Afeganistão, como fizeram em Zangabad, é provável que decidam combater. Entre as maneiras pelas quais o Talibã fatura dinheiro com o comércio de ópio está a cobrança de taxas de proteção aos agricultores. Caso os norte-americanos e britânicos ataquem a região, a expectativa é de que o Talibã cumpra sua parte no acordo e combata.

De fato, combatentes do Talibã começaram a se opor a quaisquer esforços norte-americanos ou britânicos para invadir áreas nas quais haja cultivo de papoulas ou produção de ópio. No mês passado, uma força de fuzileiros navais britânicos chegou a um distrito chamado Nad Ali, na província de Helmand, centro do cultivo de papoulas no país. O Talibã estava à espera. Em uma batalha que durou cinco dias, os britânicos mataram 120 e feriam 150 combatentes do Talibã. Apenas um soldado britânico saiu ferido.

O comércio de ópio hoje responde por quase 60% do Produto Interno Bruto (PIB) do Afeganistão, dizem funcionários do governo norte-americano. Muitos dos reforços enviados pelos Estados Unidos serão posicionados ao longo da fronteira de 880 quilômetros com o Paquistão, quase desprotegida no momento. Entre eles haverá unidades equipadas com o Stryker, um veículo blindado relativamente ágil que poderá cobrir com rapidez as vastas áreas de fronteira.

Todos os reforços devem estar no país e posicionados até 20 de agosto, a fim de oferecer segurança durante a eleição presidencial afegã.A presença das papoulas e do ópio no país gera grande incerteza quanto à guerra. Sob as normas de combate da Otan, as forças norte-americanas ou de outros países estão proibidas de atacar áreas ou pessoas que estejam envolvidas exclusivamente na produção de narcóticos. Essas pessoas não são consideradas como combatentes.

Mas as forças norte-americanas e dos aliados estão autorizadas a atacar contrabandistas de drogas ou instalações que estejam auxiliando o Talibã. Em entrevista, Nicholson declarou que a produção de ópio e o Talibã estavam tantas vezes relacionados que as regras usualmente não inibem as operações militares dos Estados Unidos.

"Muitas vezes nos deparamos com construções nas quais existem lado a lado materiais para a produção de ópio e bombas, e em que existem depósitos de armas e explosivos além de ópio", disse Nicholson. "É bastante comum ¿aliás, é uma das ocorrências mais comuns".

Mas a perspectiva de combates pesados em áreas altamente povoadas pode despertar ainda maior alienação na população afegã. No combate em Zangabad, os norte-americanos cobriram seu egresso da área da emboscada com uma barragem que envolveu 20 disparos de granadas de artilharia de alto explosivo, calibre 155 milímetros - o que era necessário para proteger os soldados contra o Talibã mas também suficiente para causar danos sérios a pessoas e propriedades. Um morador local entrevistado por telefone depois do combate disse que quatro casas haviam sido danificadas pela intervenção da artilharia.

E há também o problema de convencer os plantadores de papoulas a abandonar essa atividade - uma tarefa que se provou intratável em muitos países, como a Colômbia, nos quais o governo norte-americano se esforçou para reduzir a produção de plantas usadas para narcóticos. As papoulas são, de longe, a safra mais lucrativa que um agricultor afegão pode plantar. Além disso, os traficantes de ópio do país tipicamente oferecem incentivos que o governo do Afeganistão não tem como equiparar: garantem ao agricultor um preço mínimo por sua safra, e o transporte dela ao mercado, a despeito das condições horrendas da maioria das estradas afegãs.

"As pessoas não gostam de cultivar papoulas, mas estão desesperadas", disse Mohammed Ashraf Nasery, governador da província de Zabul, a um grupo de visitantes, nos primeiros dias do mês.

Para propiciar alternativa ao cultivo da papoula, as forças armadas norte-americanas estão reservando US$ 250 milhões a projetos de agricultura como melhoras na irrigação e no cultivo de trigo. Nicholson disse que um plano de US$ 200 milhões para melhoras de infraestrutura, boa parte do qual destinado a melhorar estradas de maneira a facilitar a chegada das safras ao mercado, também está em preparação. A visão, ele afirma, é a de tentar restaurar e economia agrícola que florescia no Afeganistão nos anos 70. É isso, mais que a força militar, que derrotará o Talibã, ele disse.

"Existe uma parcela significativa dos combatentes inimigos que acreditamos possa ser atraída por incentivos", disse o general. "Podemos contratar muitos desses jovens". Mesmo que os norte-americanos se provem capazes de reduzir a produção, a escassez pode elevar os preços e permitir que os lucros do Talibã não sejam atingidos.

A incursão a Zangabad sugere as dificuldades que o futuro reserva. O terreno é propício à guerrilha. Além das extensas plantações de papoulas, com plantas que chegam à altura dos ombros, há muitas fileiras de paredes de barro usadas para escorar os caules, e elas oferecem posições ideais de emboscada e defesa.

Mas o mais difícil será conquistar a lealdade dos afegãos. O Talibã está bem instalado nas aldeias e nos vales dos rios do sul do país. Os moradores locais, apanhados entre dois inimigos, parecem na melhor das hipóteses dispostos a esperar para ver qual dos dois vencerá.

No caminho para Zangabad, os soldados norte-americanos pararam em uma plantação de trigo para conversar com um agricultor local, Ahmetullah. Os norte-americanos o interpelaram por meio de um intérprete que fala pashto."Estou feliz por ver vocês", ele disse aos norte-americanos. "Mesmo?", respondeu um dos soldados. "Sim", disse o agricultor. O intérprete suspirou, e comentou em inglês: "Ele está mentindo".

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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