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Mundo

Na França, muçulmanos lamentam estigmatização pós 11/9

9 ago 2011 - 17h42
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Lúcia Müzell
Direto de Paris

"Eu odeio os radicais que promoveram o 11 de setembro". A declaração não parte da boca de um simpatizante da extrema-direita ou de um cristão conservador. Vem de um muçulmano, comerciante de origem tunisiana que nasceu e mora na França há 32 anos e que, há 10, sente na pele o peso que os atentados tiveram na vida de todos os seguidores do Islã que decidem fazer a vida no Ocidente.

Mulher fala com reitor de mesquita de Nice em 2000 durante protesto contra projeto de proibição de construção
Mulher fala com reitor de mesquita de Nice em 2000 durante protesto contra projeto de proibição de construção
Foto: AFP

"Vivíamos um momento único: a Copa de 98 havia nos mostrado que a França nos aceitava", conta Omar Kahal, dono de uma mercearia na periferia de Paris. A França vencera o Mundial de Futebol com uma Seleção multiétnica, que na época representou a mudança da própria população francesa, recomposta com a presença dos descentes das ex-colônias do país no norte da África - a maioria muçulmanos. "Estávamos satisfeitos, crentes de que estávamos sendo cada vez melhor integrados entre os franceses. O 11 de setembro bloqueou todo o processo".

Desde então, testemunha Omar, os muçulmanos passaram a ser estigmatizados como jamais haviam sido: até então, eram criticados pela opressão da mulher. Agora, eram todos terroristas - mesmo que a França abrigue uma das maiores populações de islâmicos do mundo fora dos países árabes e, ainda assim, não registre nenhum atentado desde 1995.

O clichê ocidental segundo o qual a maioria dos terroristas é seguidora do Islã se dissolve em dados oficiais europeus: das 2.056 prisões ligadas a atos terroristas entre 2006 e 2010 no continente, 85% envolviam movimentos separatistas e apenas 0,3% estavam relacionadas a radicais islâmicos, de acordo com o relatório da Europol sobre o terrorismo no Velho Continente. Os atos de extremistas de direita, por exemplo, são mais numerosos (0,4%) do que os de islâmicos radicais.

"Esta associação de que terrorismo é igual a islamismo nasceu com o 11 de Setembro e com a Era Bush", resume o especialista em terrorismo islâmico Jean-Luc Marret, PhD em Ciência Política da Fundação pela Pesquisa Estratégica, em Paris, e analista da Johns Hopkins University, em Washington. "E por mais que hoje pareça difícil de acreditar, acho que esse pensamento levará no máximo 50 anos para dissipar, na medida em que os ocidentais estão aprendendo a conhecer melhor essa religião e a se desvincular de preconceitos que eles desenvolveram ao longo destes 10 anos da chamada luta ao terror", afirma Marret.

O estudioso, autor de nove obras sobre o assunto, garante que não há no livro sagrado dos muçulmanos incitação à violência ou ao terrorismo. Assim como a Bíblia já provocou terror na Idade Média e na transição para a Idade Moderna, há duas décadas surgiu "uma minoria" de muçulmanos que viu, nas linhas do Corão, os sinais divinos de que deveria batalhar a qualquer custo pelo respeito dos "infieis" - os que não seguem o islamismo - e a admiração dos demais "irmãos muçulmanos", ainda que por meio da morte e da tragédia.

"A interpretação depende dos olhos de quem lê. Na Europa, tivemos séculos de história intelectual e crítica muito ativa, tivemos o Iluminismo. Os países árabes ainda não tiveram o seu Voltaire", comenta Marret. Na visão dos radicais islâmicos, diz o especialista, através das ações espetaculares do terrorismo, eles não apenas defendem suas terras de invasores como expandem a influência da religião em outras partes do mundo.

"O Islã é uma religião de paz. Provocar terror junto a civis indefesos, promover a destruição e incentivar o conflito não apenas são atos proibidos como detestáveis aos olhos do Islã e dos muçulmanos. O Corão diz que 'aquele que mata uma pessoa, é como se matasse toda a Humanidade'", resume Mohammed Moussaui, presidente do Conselho Francês de Culto Muçulmano. "Estes criminosos se aproveitam do fato de que há um sentimento islamofóbico na Europa e nos Estados Unidos para tentar convencer outras pessoas de que não há convivência possível entre cristão e muçulmanos. Mas isso é absurdo!", indigna-se.

Como parte da luta contra o preconceito generalizado em relação aos muçulmanos, Moussaui batalha para que, na França, acabe-se com o uso da palavra "islamiste" ("islamista", em tradução literal do francês) para designar os extremistas islâmicos. Ele defende a adoção de "criminosos", simplesmente, já que "islamiste" remete a um Islã que, segundo ele, não existe.

Fonte: Especial para Terra
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